O encontro entre o ministro grego das finanças, Yanis Varoufakis, e o
presidente holandês do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem (o do mestrado
falso, ao que parece) tornou-se um poderoso símbolo de resistência face à
ortodoxia monetarista que organismos como o FMI representam; com
efeito, não é com leviandade que emprego a palavra "ortodoxia" e
sublinho o carácter quasi-religioso que ela comporta.
A ortodoxia, aqui, consiste no chamado "Consenso de Washington": designação pela qual
ficou conhecida (desde os anos oitenta do século passado) a receita
neoliberal para resgate das economias em apuros, fórmula única de
desmantelamento dos estados em benefício dos sectores privados,
independentemente das diferentes condições sociais e políticas dos
países. A economia não é uma ciência e, nesse feitio, toda a canga
pseudocientífica que se lhe coloque não passa de artigos de fé - e, no
que diz respeito à fé, a ortodoxia não gosta de heresias.
O impacto que a eleição do Syriza está a ter, observando o autêntico
histerismo da maioria da Direita, pode ser equiparado à anexação das
noventa e cinco teses de Martinho Lutero na porta da igreja do castelo
de Wittenberg: ai, meu Deus, que a casa (a Europa) vem abaixo.
Para já, temos o que era preciso: uma contracorrente forte e com ideias,
capaz de mobilizar os descontentes que estão longe de ser radicais (a
vitória do Syriza deve-se ao eleitorado do Pasok, como é evidente).
Veremos como, afinal de contas, todas estas questões aparentemente
científicas ou técnicas não passavam de teimosias de uma fé ortodoxa no
"Consenso de Washington" e numa visão quasi-neodarwinista aplicada ao
mercado. A gente esquece-se que, tudo somado, as ideologias ainda mandam
muito.
Resta descobrir se o estado de graça "luterano" do Syriza
(e dos seus aliados de sinal político oposto) não terminará num
perigoso caos absurdo à la João de Leiden (para lembrar outro
heterodoxo) em Münster. Confiemos, portanto - mas atentos.