Votos sinceros de um próspero Ano Novo para todos os meus amigos e leitores: bem-hajam!
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segunda-feira, 31 de dezembro de 2012
sexta-feira, 28 de dezembro de 2012
«No Muro»: novo conto original no 'site' do Diário de Notícias
A partir da meia-noite, no site da
Biblioteca Digital do Diário de Notícias, ficará disponível para download e leitura um novo conto original de minha autoria, intitulado
«No Muro». A convite da Escritório Editora,
consiste num conto que escrevi propositadamente para esta iniciativa e
que não se encontra, nem encontrará, em outro suporte que não este.
Estão todos convidados a aceder à Biblioteca Digital DN (nesta ligação: http://www.dn.pt/Especiais/ bibliotecadigital.aspx)
para lerem «No Muro», cuja sinopse é a seguinte:
«No Muro» é um conto de David Soares («Batalha», «O Evangelho do Enforcado») que reflecte sobre a finitude do conhecimento, através de um não-leitor que herda a colecção de livros do pai. Encontramo-nos quando achamos livros e perdemo-nos quando os esquecemos.»Segue um excerto:
«O cheiro dos livros era diferente do dos arquivos do escritório onde trabalhava: aquelas narrativas e aqueles ensaios, lidos de passagem nas matutinas montivagações, não tinham o mesmo cheiro dos recibos e das cópias dos contratos impressas em papel-químico. E, no entanto, tudo isso era feito de papel. Já matara imensos peixinhos-de-prata, asilados da luz entre os livros, mas no escritório, também empanturrado de papel, não havia nenhuns. Porquê? Estava a aprender que nem tudo o que era feito de papel era da mesma ordem – e ao folhear os livros, uns a seguir aos outros, aprendia mais coisas. Aprendia que os homens, todos feitos da mesma carne, tal como os livros e os recibos eram feitos do mesmo papel, não eram iguais: havia homens que eram mais como os livros e existiam outros homens que eram mais como os recibos e separavam-nos uma distância intransponível, uma trágica incomunicabilidade. E ele estava a aprender a qual dos lados pertencia.»
quarta-feira, 26 de dezembro de 2012
Nova entrevista sobre «Os Anormais»
No novo número da Infektion Magazine,
já disponível para download, poderão ler uma entrevista comigo sobre
«Os Anormais: Necropsia De Um Cosmos Olisiponense», spoken word
escrito e interpretado por mim e musicado e produzido por Charles Sangnoir. Sinto-me privilegiado por ter tido oportunidade de responder a perguntas muitíssimo interessantes (feitas por Ruben Infante),
o que, infelizmente, vai sendo raro hoje em dia: http://issuu.com/infektionmag/docs/infektion19
Na secção de críticas
poderão ler uma excelente resenha do disco - que, lembro, está disponível
para compra nesta ligação: http://necrosymphonic.bandcamp.com/album/os-anormais
domingo, 23 de dezembro de 2012
Recordando doze anos de banda desenhada (2000-2012)
A iniciativa de criar este prémio excepcional - Troféus Central Comics 2001-2012 - consiste, também, numa homenagem à banda desenhada portuguesa que foi criada e editada ao longo desses anos: numa conjuntura actual de mercado cada vez mais desmemoriada e desenraizada, é uma boa oportunidade para recordar (ou descobrir) alguns dos mais importantes livros portugueses de BD que marcaram a primeira década deste século, como, por exemplo, A Pior Banda do Mundo: O Quiosque da Utopia de José Carlos Fernandes (Devir), Salazar, Agora na Hora da Sua Morte de João Paulo Cotrim e Miguel Rocha (Parceria A.M.Pereira) e O Amor Infinito Que te Tenho de Paulo Monteiro (Polvo). Aliás, só o facto de se voltar a chamar a atenção para estes três títulos indispensáveis, entre tantos outros, demonstra a pertinência destes Troféus Central Comics 2001-2012 e, além disso, relembra a riqueza de estilos, escolhas e abordagens com que a BD portuguesa sempre se fez.
Inscrevendo-me no exercício de memória a que somos convidados acima, não quero deixar de evocar, em breves apontamentos, a minha própria obra de banda desenhada (de 2000 para cá): não só porque ela me orgulha bastante, como, neste momento, em que preparo dois novos livros de BD (um para ser editado em 2013 e outro em 2014), penso que é fundamental exemplificar que é o trabalho árduo e contínuo - de rigor e de imaginação - que faz a carreira de um autor.
Cidade-Túmulo (Círculo de Abuso, 2000)
Argumento e desenhos: David Soares
«Metáfora assustadora do que, lentamente,
se alimenta do velho para construir o novo.»
Ler, Vida.pt
«Negro. Violento. Denso. Excelente.»
Mondo Bizarre
Mr. Burroughs (Círculo de Abuso, 2000; Frémok, 2003)
Argumento: David Soares; Desenhos: Pedro Nora
Prémios Amadora BD: Melhor Argumentista Nacional e Melhor Desenhador Nacional (2001)
«David Soares medita sobre a criação e os seus custos, pagos nas moedas torturadas em que se costuma resgatar o génio.»
Jornal de Letras
«Texto rigoroso e surpreendente.»
Les Inrockuptibles (França)
Sammahel (Círculo de Abuso, 2001)
Argumento e desenhos: David Soares
Troféu Central Comics: Melhor Argumentista Nacional (2001)
«Uma das obras mais sofisticadas da nova BD nacional.»
Diário de Notícias
A Última Grande Sala de Cinema (Círculo de Abuso, 2003)
Argumento e desenhos: David Soares
Livro vencedor de uma Bolsa de Criação Literária do IPLB/Ministério da Cultura
«Inspirado na magia das velhas salas, apresenta uma narrativa cheia de referências ao mundo das paixões e técnicas cinematográficas (...)
recortadas por uma fina ironia.»
Premiere
«Como se encara uma nova proposta de David Soares? Com a presunção imediata de um mundo inventivo, delirante, macabro, detalhado, pensado, onde as palavras fluem em movimentos hipnóticos. O talento de David Soares explode.»
Jornal de Letras
Mucha (Kingpin Books, 2009)
Argumento: David Soares; Desenho: Osvaldo Medina; Arte-Final: Mário Freitas
«Hábil na criação de uma escalada de
sufoco (...) quanto à ameaça que a
epígrafe de Sófocles, na Antígona, lança na página que antecede a narrativa: "Estas coisas são de um futuro próximo." Mais do que o zumbido contínuo das moscas, são essas palavras que ecoam em cada prancha de Mucha.»
LER
É de Noite que Faço as Perguntas (Saída de Emergência, 2011)
Argumento: David Soares; Desenho: Jorge Coelho, João Maio Pinto, André Coelho, Daniel Silvestre da Silva, Richard Câmara
«Uma narrativa prenhe de símbolos e leituras simbólicas.»
Os Meus Livros
«David Soares pesquisa mais fundo, tenta traçar um retrato mental do país (...) um livro que vale a pena ler, decifrar, discutir».
Jornal de Letras
O Pequeno Deus Cego (Kingpin Books, 2011)
Argumento: David Soares; Desenho: Pedro Serpa
Prémio Amadora BD: Melhor Argumentista Nacional (2012)
«Como en toda
la obra de Soares, el mejor guionista de la historieta portuguesa contemporánea,
O Pequeno Deus Cego cuenta con las palabras justas. Como un mago, Soares navega entre la vida y la muerte, entre el sueño y
la conciencia, entre la palabra y la imagen, entre la alegría y el
sufrimiento.»
La Bitacora de Maneco (Argentina)
«Uma alegoria em torno da ignorância e da urgência do seu antídoto (...) para explorar a natureza humana a partir de tempos e lugares concretos, mas projectando as suas incertezas e os seus gestos mais memoráveis ao longo de um arco cronológico sem princípio nem fim.»
LER
sábado, 22 de dezembro de 2012
Melhor Argumentista 2001-2012
Os míticos Troféus Central Comics (prémios atribuídos pelos leitores a obras e autores de banda desenhada) abrem a
votação para um prémio especial para celebrar os vencedores que premiaram desde 2001. Nesse sentido, eu estou nomeado para "Melhor Argumentista - 2001/2012": todas as categorias a concurso são votadas pelos leitores, por isso aqui fica a ligação para a votação. Caríssimos, ajudem-me a ganhar mais este troféu: fico grato pela partilha e pela votação (até dia 31 de Janeiro). Obrigado.
quarta-feira, 19 de dezembro de 2012
Essa voz fala connosco
«A jarreta e repugnante Estanqueira do Loreto, calhandro com voz de sirena das excreções mais abomináveis, é Helena, a belíssima esposa de Menelau, rei de Esparta, prometida por Afrodite ao tíbio Páris e efectiva semeadora do pomo erístico da discórdia que despertou o derribamento da cidade de Tróia. É Helena, a luminosa mãe do imperador romano Constantino, salvadora dos destroços do Santo Lenho que, no século IV, em peregrinação à cidade galileia de Nazaré, encontrou intacto o humilde casebre em que Maria nasceu e mandou edificar uma basílica que o albergasse. Esta barraca inteira dentro do invólucro que é o novo templo, qual pérola dentro de uma ostra, é que é a Santa Casa do Loreto: aquela que, carregada por anjos através do Céu nos desenhos mais delirantes dos dominicanos, se alicerça sempre nos locais mais lastimosos. O estanco de Helena é esta casa de cura: úvula valiosa, envolvida pelo vil véu palatino que são os destroços mariálvicos, assolados pelo sismo e pelo abrasamento – e tal como na lenda da Santa Casa do Loreto a representação de Maria resiste imaculada a abalos e a incêndios, que nem uma gota de espermacete cingida pela corrupção, a estanqueira olisiponense persiste incólume numa imaginal tabacaria: um rosto beatífico, de tão monstruoso que é – carantonha que faz gargalhar os poetas, mas cuja riqueza de voz torna paupérrimos os versos deles.
Essa voz fala connosco.
Diz-nos que há pureza entre a escória e a escumalha; diz-nos que há definição entre a desordem e o desespero – diz-nos que se procurarmos atentamente, se olharmos sem receio à nossa volta, veremos que na mesma valeta onde se abatem os cães também desabrocha aquilo que os homens encerram de mais cintilante, porque no meio do breu refulge a crosta estéril da Lua – e, afinal, o nome da Estanqueira do Loreto, gema soterrada na turfa delinquente, é Helena: palavra que significa Lua. A Lua tripartida em Crescente, Plenilúnio e Minguante nos avatares de Virgem, Mãe e Velha – pintadas com supranaturalismo pelo artista alemão Hans Baldung Grien, em 1510: vaidosas e alheias à proximidade da Morte. Mas será a Lua um astro tão supérfluo quanto a vaidade? Uma moeda falsa com a qual somente se compra a loucura e a licantropia?
Sem a ascendência gravítica da Lua, torpe satélite que se apresenta eczemático no velo nocturno, nunca se teria agitado as águas primordiais: foi ela o pilão babayaguiano que revolveu a matéria no almofariz que é o globo e que impediu que os ingredientes da vida sedimentassem infecundos no fundo dos oceanos. Sem a Lua, arrancada da própria Terra, há cerca de cinco mil milhões de anos por uma bestial colisão com um corpo astral do tamanho de Marte, nenhum de nós existiria e o mundo seria como a Lua: um infrutífero planeta, magoado por máculas magmáticas. Sem ela, o orbe seria uma árida Aceldama: espaço horripilante de ausência e desolação, eternamente sôfrego por intestinos e cinzas. Mas foi Helena, criadora da Santa Casa do Loreto, quem se lembrou de usar a terra hostil de Aceldama para construir, para dar moradas pacíficas aos mortos… Ela é Helena, claro, como já vimos, mas também Selena, irmã do Sol: amante de pastores como Endímio e Elmano, musa de poetas como Bocage e Camões, e cujo nome significa…
sexta-feira, 14 de dezembro de 2012
Conferência sobre Bocage e Maçonaria
Para os meus leitores que se interessem por elmanismos e maçonaria, eis um colóquio interessante. Mais informações nesta ligação.
quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
sábado, 8 de dezembro de 2012
No parlamento europeu
Em Bruxelas, no Parlamento Europeu, para participar numa sessão de debate, a convite do eurodeputado Rui Tavares.
quarta-feira, 5 de dezembro de 2012
Eles trazem ouro. Trazem ouro nas almas.
«Aqui, a realidade não é a dominada pelos reis, nem a demarcada por racimosos reinos a eles consagrados pelos navegadores pós-medievais, mas a de um vastíssimo continente impossível de cartografar e onde convergem desiguais grandezas de lengalenga e fantasmagoria. Há música aqui, arreigada às vozes destes mortos simultâneos que parecem falar num prolépsico dialecto que soa a preguear de penas e brindes em copos de cristal. E, sobre todos, sobre a estupefacção esperançosa que os anima, está o Sol só deles.
O Sol invicto.Invicto pelo sarcasmo e pela sordidez, mas também invicto pela violência e pela injustiça. Um Sol perfeito para uma insólita e rutilante ocasião; comburente e, por isso, inapreciável. Olhando para além das mulheres, dos homens e do asno, é possível ver que, como fósseis outrora cativos por grades estratigráficas ainda mais fundas, muitos outros anormais de Lisboa se aliaram à invencível convocação.Antes dos anormais entrarem novamente em Lisboa, sem terem a certeza de que voltam para ficar, o trofoneurótico Mano das Manas aproxima-se de nós e oferece-nos com amabilidade uma caixinha de papelão pintado: as suas mãos aleijadas são pútridas, consumidas pelos sarcofamintos, mas a caixa resplandece com a luz imensa do Sol Invicto em escalas mais excelsas que as das jóias da Jerusalém Celeste. A pulcritude desse presente é tremenda – chamejante – e espiritualiza-nos os corações.Eles trazem ouro. Trazem ouro nas almas.»
(De «Sol Invicto» em «Os Anormais: Necropsia De Um Cosmos Olisiponense», spoken word escrito e interpretado por David Soares e musicado por Charles Sangnoir.)
sábado, 1 de dezembro de 2012
Aleister Crowley: 1 de Dezembro de 1947
Além de ser o Dia da Restauração da
Independência de Portugal, 1 de Dezembro também é a data da morte do
mago inglês Aleister Crowley (no ano de 1947). Para lembrar esse homem
tão incompreendido - não foi satanista, ou satânico, por exemplo, como
tantas vezes aparece descrito na comunicação social sensacionalista -,
cujas crenças pessoais até o aproximavam do ateísmo, partilho a minha
leitura de um excerto do meu romance «A Conspiração dos Antepassados»
(Saída de Emergência, 2007), no qual ele, juntamente com Fernando
Pessoa, é protagonista.
O último feriado de 1 de Dezembro: entre o passado e o presente
Hoje é 1 de Dezembro, o dia da chamada
Restauração de Portugal, que interrompeu cinquenta e nove anos de jugo
espanhol, sob a dinastia filipina. Na verdade, a dita Restauração só se
completou vinte e oito anos depois, cessando um período instável em que
Portugal e Espanha (o correcto é dizer Portugal e Castela), numa
espécie de "guerra fria" traiçoeira em que várias vezes o exército castelhano entrou por território nacional adentro, cristalizaram um
antagonismo que ainda perdura nos chavões
mais ou menos rancorosos e humorísticos que circulam nos nossos dias
sobre aquilo que os espanhóis pensam dos portugueses e sobre aquilo que
os portugueses pensam dos espanhóis. Porém, e como em quase tudo o que
faz parte da exegese da história, a verdade não é tão simples quanto
parece e no que concerne à perda da independência de Portugal para
Espanha ela não consistiu numa perda de independência como hoje
entendemos esse conceito: para efeito de simplificação, pode dizer-se
que Portugal passou a ser governado por um rei que também governava os
diferentes três reinos espanhóis (Castela-Leão-Galiza, Navarra e
Aragão), mas o nosso país nunca foi integrado na Espanha - que,
esclareça-se, nem sequer existia enquanto estado único. Os Filipes de
Portugal nunca se intitularam reis de Espanha, por exemplo: a ideia de
uma Espanha unificada - um estado uno - foi um conceito que só começou a
tomar forma mais à frente, com o reinado de Filipe V de Espanha.
Acrescente-se que Filipe II de Espanha, I de Portugal, nem sequer era
espanhol: era neto de D. Manuel I, com mãe portuguesa e pai alemão (D. Isabel de Portugal e Carlos de Habsburgo, V imperador do Sacro-Império Romano-Germânico).
Avançando a partir daqui, importa reter
que Portugal conservou-se enquanto reino e nunca foi a tal província
espanhola que por vezes se ouve dizer: conservámos o aparelho jurídico, a
administração das colónias, a moeda - e, quanto à língua, a Península
Ibérica sempre foi meio-bilingue, para começar. A língua erudita em
Portugal, a dada altura, passou a ser o castelhano: Camões e outros
poetas portugueses escreveram em castelhano, por exemplo, muito antes de
Filipe I de Portugal subir ao trono.
Somente a partir do reinado de Filipe III de Portugal é que a situação de relativa estabilidade - e até de progresso económico - que o reino de Portugal viveu com Filipe I e II começou a deteriorar-se, com a criação de novos impostos e uma política muito menos simpática para com a nobreza portuguesa que até aí frequentou com distinção e primor os corredores e os salões dos solares e palácios castelhanos. Foi um período turbulento em que na Catalunha, como hoje, sopraram ventos de separação com Castela; e Filipe III de Portugal deu ordens para que o exército português fosse ajudar a pôr os catalães na ordem. Estabeleceu-se, assim, as bases principais para fortalecer-se um enorme sentimento português de revolta, nobre e popular, contra Madrid.
Serviu este prolegómeno para, em seguida, introduzir o relato de um episódio operado pelos "conjurados" que arquitectaram a conspiração política que levou D. João IV ao trono e que eu considero interessantíssimo - sobretudo quanto cotejado com a actual conjuntura.
Em 1640, o secretário de estado português (equivalente ao actual cargo de Primeiro Ministro) era um indivíduo chamado Miguel de Vasconcelos. Era filho de outro burocrata, chamado Pedro Barbosa: homem que, pelo hábito de tanto se curvar diante de Madrid, de modo absolutamente inacreditável, não se salvou de ver a sua casa invadida e apedrejada pelos cidadãos de Lisboa, fartos dos seus abusos de poder (é o tal "povo de brandos costumes"); Barbosa fugiu, confundido e atrapalhado, mas foi descoberto e morto uns dias depois, não se sabe por quem. Sabe-se é que o seu filho, o supramencionado Vasconcelos, não menos subserviente à corte de Madrid (os relatos históricos denunciam que se tratava, de facto, de um indivíduo autoritário e insuportável) também não conheceu melhor destino: na manhã de 1 de Dezembro de 1640, os "conjurados" subiram até ao seu gabinete no Paço Real, no Terreiro do Paço, e debalde o procuraram para eliminá-lo. Diz-se que quando estavam quase a desistir, viram uma resma de papéis a cair de dentro de um armário: foram investigar e descobriram Vasconcelos escondido no interior. Abateram-no a tiro, como planeado, e, para mostrar à população que a revolução tinha começado, atiraram-no de uma janela para o Terreiro do Paço. Mas os "conjurados" tiveram azar, porque não havia quase ninguém no Terreiro do Paço para assistir à façanha: aparentemente, apenas andava por ali meia-dúzia de gatos-pingados, no lado oposto ao do Paço, que até estava com receio de se aproximar e de meter-se onde não era chamada. Então, para atrair gente para perto do corpo, os "conjurados" começaram a atirar pela janela todo o tipo de coisas que foram encontrando nos aposentos do malquisto Vasconcelos: em principal, uma baixela de prata e várias delícias, como doces e até queijos. O engodo funcionou e, de imediato, uma turba entusiasmada - entusiasmada com a revelada revolução e entusiasmada pelas dádivas requintadas - reuniu-se junto do cadáver e, com uma corda, arrastou-o pelas ruas de Lisboa.
Por um lado, temos o corrupto secretário de estado (primeiro-ministro), amiguista e servil aos pedidos de aumentos de impostos exigidos pelo rei estrangeiro, que é defenestrado para dar início a uma revolução política que, sem dúvida, devolveu Portugal a um rumo histórico independente - pois sem essa revolução, Portugal teria sido transformado inexoravelmente numa província espanhola, a partir do reinado de Filipe V de Espanha. Por outro lado, temos o povo medroso, apático, com receio de aproximar-se do cadáver estendido no Terreiro do Paço, e que só se avizinha com o lançamento de bens materiais e de comida pela janela. Eu acho que esta história dá muitíssimo que pensar.
Aproveitem para pensar nela neste dia que, por vontade do governo, será o último dia feriado de 1 de Dezembro.
(Imagem: Cena da Restauração. Gravura da obra «Histoire des Révolutions de Portugal» (1712) de René-Aubert Vertot.)
Somente a partir do reinado de Filipe III de Portugal é que a situação de relativa estabilidade - e até de progresso económico - que o reino de Portugal viveu com Filipe I e II começou a deteriorar-se, com a criação de novos impostos e uma política muito menos simpática para com a nobreza portuguesa que até aí frequentou com distinção e primor os corredores e os salões dos solares e palácios castelhanos. Foi um período turbulento em que na Catalunha, como hoje, sopraram ventos de separação com Castela; e Filipe III de Portugal deu ordens para que o exército português fosse ajudar a pôr os catalães na ordem. Estabeleceu-se, assim, as bases principais para fortalecer-se um enorme sentimento português de revolta, nobre e popular, contra Madrid.
Serviu este prolegómeno para, em seguida, introduzir o relato de um episódio operado pelos "conjurados" que arquitectaram a conspiração política que levou D. João IV ao trono e que eu considero interessantíssimo - sobretudo quanto cotejado com a actual conjuntura.
Em 1640, o secretário de estado português (equivalente ao actual cargo de Primeiro Ministro) era um indivíduo chamado Miguel de Vasconcelos. Era filho de outro burocrata, chamado Pedro Barbosa: homem que, pelo hábito de tanto se curvar diante de Madrid, de modo absolutamente inacreditável, não se salvou de ver a sua casa invadida e apedrejada pelos cidadãos de Lisboa, fartos dos seus abusos de poder (é o tal "povo de brandos costumes"); Barbosa fugiu, confundido e atrapalhado, mas foi descoberto e morto uns dias depois, não se sabe por quem. Sabe-se é que o seu filho, o supramencionado Vasconcelos, não menos subserviente à corte de Madrid (os relatos históricos denunciam que se tratava, de facto, de um indivíduo autoritário e insuportável) também não conheceu melhor destino: na manhã de 1 de Dezembro de 1640, os "conjurados" subiram até ao seu gabinete no Paço Real, no Terreiro do Paço, e debalde o procuraram para eliminá-lo. Diz-se que quando estavam quase a desistir, viram uma resma de papéis a cair de dentro de um armário: foram investigar e descobriram Vasconcelos escondido no interior. Abateram-no a tiro, como planeado, e, para mostrar à população que a revolução tinha começado, atiraram-no de uma janela para o Terreiro do Paço. Mas os "conjurados" tiveram azar, porque não havia quase ninguém no Terreiro do Paço para assistir à façanha: aparentemente, apenas andava por ali meia-dúzia de gatos-pingados, no lado oposto ao do Paço, que até estava com receio de se aproximar e de meter-se onde não era chamada. Então, para atrair gente para perto do corpo, os "conjurados" começaram a atirar pela janela todo o tipo de coisas que foram encontrando nos aposentos do malquisto Vasconcelos: em principal, uma baixela de prata e várias delícias, como doces e até queijos. O engodo funcionou e, de imediato, uma turba entusiasmada - entusiasmada com a revelada revolução e entusiasmada pelas dádivas requintadas - reuniu-se junto do cadáver e, com uma corda, arrastou-o pelas ruas de Lisboa.
Por um lado, temos o corrupto secretário de estado (primeiro-ministro), amiguista e servil aos pedidos de aumentos de impostos exigidos pelo rei estrangeiro, que é defenestrado para dar início a uma revolução política que, sem dúvida, devolveu Portugal a um rumo histórico independente - pois sem essa revolução, Portugal teria sido transformado inexoravelmente numa província espanhola, a partir do reinado de Filipe V de Espanha. Por outro lado, temos o povo medroso, apático, com receio de aproximar-se do cadáver estendido no Terreiro do Paço, e que só se avizinha com o lançamento de bens materiais e de comida pela janela. Eu acho que esta história dá muitíssimo que pensar.
Aproveitem para pensar nela neste dia que, por vontade do governo, será o último dia feriado de 1 de Dezembro.
(Imagem: Cena da Restauração. Gravura da obra «Histoire des Révolutions de Portugal» (1712) de René-Aubert Vertot.)