Geralmente, não leio ficção, mas isso não
significa que eu não goste de ficção. Na realidade, a única razão pela
qual vale a pena escrever é a de passar-se uma temporada em excusivo
retiro mental num mundo totalmente fictício - sobretudo quando
o mundo real falha em alcançar padrões de excelência aceitáveis. Assim,
deixo uma pequena lista com cinco livros de ficção, lidos durante os
últimos quatro ou cinco anos, que me emocionaram. Neste momento, as
escolhas são estas - em outro, seriam, certamente, diferentes. Não elenco
estes títulos em nenhuma ordem preferencial ou parecida.
1) Stoner, de John Williams. Um livro extraordinário, escrito com uma subtileza surpreendente, sobre um filho de agricultores que se torna professor universtário. Grande parte da narrativa tem de ser percebida nas entrelinhas, porque não é descrita. Uma história sobre o valor redentor da cultura, da inteligência e da inexpugnável integridade de carácter. Um belo livro triste.
2) Nicholas Crabbe, de
Frederick Rolfe (Barão Corvo). Terrível relato sobre as agruras de um
escritor em início de carreira, mais angustiante ainda por ser, em maior
espessura, autobiográfico. A linguagem é luxuriante e o final é
castigador. Um livro essencial.
3) Sirius, de Olaf Stapledon.
Excelente romance sobre um cão com inteligência humana, que consegue
falar (de modo um pouco tosco, mas os donos entendem-no). Misto de
noveleta de ficção científica e ensaio filosófico wittgensteiniano,
provocante e pertinente, que nunca, em momento algum, escorrega para a
caricatura ou para o artificialismo, o que, considerando o tema, é
impressionante.
4) The Sot-Weed Factor, de John Barth. Romance
(verdadeiramente) picaresco, escrito sem concessões ou facilitismos em
linguagem seiscentista, sobre as graças e as desgraças de um pobre diabo
a quem convenceram ser o poeta laureado da colónia de Maryland. Uma
obra-prima que mistura, em partes iguais, comédia desbragada e uma fina
sensibilidade. Em português, o título pode ser traduzido como O
Contratador de Tabaco.
5) Ada, or Ardor, de Vladimir Nabokov.
Na minha opinião, o melhor romance de Nabokov, escrito com a habitual
prosa pirotécnica, mas em grau superlativo de delícia. Sátira filosófica
ao chamado bildungsroman, com laivos de ficção fantástica. Um livro
complexo e fascinante que, misteriosamente, passa sempre abaixo do
radar, comparado com o (também genial, mas) mais famoso Lolita.