Gostei muito de
Where the Wild Things Are, de
Spike Jonze.
Nunca li o livro homónimo de
Maurice Sendak que está na origem desta adaptação, mas o filme é, na minha opinião, uma grande lufada de ar fresco. Em primeiro lugar, é gritante como as criaturas imaginadas por
Max, o menino que é a personagem humana principal, são cheias de vida, carácter, peso, volume, textura e personalidade quando comparadas com as animações CGI de tantos filmes que por aí andam a estrear ou já estrearam recentemente; como o sobrevalorizado
Avatar, de
James Cameron, cujos indígenas azuis Na'vi me pareceram saídos de um qualquer filme do
Shrek. Produzidas pela
Jim Henson's Creature Shop, as Coisas Selvagens nada têm de shrekiano e servem de lembrança a um tempo em que os efeitos especiais eram mais orgânicos; isto não é nenhum discurso nostálgico, se bem que esse sentimento esteja presente na minha cabeça neste momento, mas a constatação que a suposta sofisticação dos efeitos especiais digitais não oferece ao espectador o mesmo maravilhamento proporcionado por algo real e colocado em frente da câmara. (Há excepções, como as personagens e panoramas da trilogia
The Lord of the Rings, de
Peter Jackson, mas nesses filmes há tanto hibridismo entre miniaturas, animatrónica, imagem real e animação digital que, na verdade, não é justo falar-se apenas em CGI convencional). Estarei a ser influenciado por uma perspectiva geracional, já que não cresci com o CGI e, talvez por culpa disso, essa técnica me pareça sempre artificial e insatisfatória? É possível, porém fica esta leitura, suscitada pelo visionamento do filme de Jonze.
Quem, como eu, ainda se lembra de como era ser criança e passar o dia a imaginar monstros e cenários assustadores, não deixará de se comover. É que ser miúdo (principalmente filho único) é mesmo aquilo que se vê em
Where the Wild Things Are; que, com efeito, acaba mais por ser um filme sobre a infância que um filme para crianças. Sendo esse o predicado, é fácil perceber porque é que os monstros imaginados por Max não se assemelham com criaturas conhecidas das histórias e mitos (não há qualquer tipo de imagem arquetípica em
Where the Wild Things Are): são construções imaginais "selvagens", mistas de humano e fera - tão mutáveis quanto o próprio sonho, ora mansas, ora maliciosas. Retalhos de imagens e impressões do dia-a-dia de Max, antropomorfizados em corpos poderosos, mas indecisos. São, também, figurações de sentimentos. de estados de alma. A coisa selvagem
Carol é Max: confuso, brusco, criativo, mas carente de afecto e de sentido. Não é insuspeito que, depois de ter destruído o quarto da irmã e de ter mordido a mãe, Max chegue à ilha e veja as Coisas Selvagens pela primeira vez numa altura em que Carol está a destruir as tocas de toda a gente, numa tremenda birra. Max vê-se a si próprio.
Aqui reside aquilo que pode deixar os espectadores mais insensíveis a olhar de lado: é que
Where the Wild Things Are não tem lógica nenhuma, a não ser a lógica das brincadeiras infantis; tal como elas são, na sua crueldade e absurdo. Existe um fino equilíbrio entre representação pura da infância e a reflexão intelectual da infância. Grande parte dessa reflexão tem de ser feita pelo espectador, mas quantos estarão dispostos a fazê-lo?
Visualmente fascinante, pleno de planos de grande beleza,
Where the Wild Things Are é especial. Sobretudo, é muitíssimo "real".
Nunca um filme de monstros foi tão real quanto este. Há um prenúncio de morte quando a coisa selvagem
Bull aborda Max na praia, no momento em que este se vai embora, e fala pela primeira vez para lhe perguntar se ele irá falar bem das Coisas Selvagens no sítio para onde vai. Como se esta personagem, a mais introvertida de todas, intuísse que assim que o miúdo se for embora todas as Coisas Selvagens morrerão. Digo isto porque se elas são produtos imaginários, criados por Max para o auxiliar na sua hora de danação, deixam de ser precisas assim que ele lhes virar as costas. Neste sentido, os uivos finais de despedida emitidos pelos monstros são muito mais que isso.