sexta-feira, 29 de julho de 2011
quarta-feira, 27 de julho de 2011
The Living End: novo vídeo de Ava Inferi em desenvolvimento
Mais novidades para breve.
quinta-feira, 21 de julho de 2011
Notas sobre Aleister Crowley e Fernando Pessoa - Segunda Parte
Citando Teresa Rita Lopes, autora do livro Pessoa Por Conhecer, é legítimo afirmar que Pessoa continua, ainda, por conhecer - e a dimensão hermética da obra e da vida do poeta será aquela que é desconhecida pela grande parte dos leitores.
Eduardo Lourenço teoriza que a heteronímia pessoana, em particular os registos de Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, são abordagens que Pessoa fez à obra de Walt Whitman, subordinadas a diferentes perspectivas; da eulogia ao histerismo. Uma leitura atenta não pode deixar de o compreender, mas esse jogo de simetria não desvirtua a dedução que a cronologia do desdobramento da personalidade pessoana influencia. De facto, Pessoa começou a criar seres fictícios desde muito novo: os primeiros pseudónimos são o Chevalier de Pas e o Capitaine Thibeaut, ambos criados quando ele tinha seis anos de idade. Mais tarde, continuou a inventar personagens imaginárias como os irmãos David e Lucas Merrick, Charles Robert Anon e o mais familiar do público Alexander Search, apontado pelos académicos como o primeiro heterónimo de Pessoa e autor do poema O Círculo, no qual surge uma frase que pode servir de mote a toda a heteronímia: «O meu pensamento está condenado ao símbolo e à analogia».
A obra poética de Pessoa espraia-se em três períodos animados por preocupações distintas: uma breve, e formativa, fase filosófico-cristã; uma fase neo-pagã; e, finalmente, uma fase gnóstica que corresponde às últimas duas décadas de vida do poeta. Paralelamente à evolução da obra, pode acompanhar-se a evolução do sentido que Pessoa procurava imprimir na vida, através do estudo do hermetismo e das "ciências" ocultas. A sua obra nunca deixou de ser, em momento algum, mais do que uma ferramenta para ajudá-lo a alcançar o objectivo dessa busca espiritual, um muito nítido espelho do caminho esotérico traçado.
Antes de interessar-se pela Teosofia, pelo Rosicrucismo e pela Franco-Maçonaria, Pessoa revelou ter passado por uma série de experiências mediúnicas, confessadas pela primeira vez numa carta enviada à sua Tia Anica, também espírita, na qual escreveu: «Estou desenvolvendo qualidades não só de médium escrevente, mas também de médium vidente. Começo a ter aquilo a que os ocultistas chamam "a visão astral", e também a chamada "visão etérica"». Os espíritos que falam com Pessoa, como Henry More, Wardour e J. H. Hyslop, fazem-no com vozes mefistofélicas, até, comentando os últimos poemas escritos e oferecendo conselhos sentimentais que traduzem a sexualidade conturbada do seu invocador. Não é de todo estranho este fascínio pelo mundo fantasmático dos espíritos, porque, enquanto poeta – enquanto bardo –, a etimologia suporta essas inclinações: vates, o étimo latino de poeta, significa profeta ou numa tradução mais apurada: “aquele que tem visões”. O próprio Hermes, de onde deriva a palavra hermetismo, era o mensageiro que fazia a comunicação entre o mundo dos mortos e o mundo dos vivos. Antes de assumir-se como criador de mitos, Pessoa procurou ser um emissário dessa estirpe hermética, traduzindo para português títulos como O Compêndio de Teosofia, de Charles Leadbeater, e A Voz do Silêncio, de Helena Blavatsky. Ainda no papel de emissário hermético, criou a tipografia Íbis, aludindo ao deus Thot, o equivalente egípcio do Hermes grego. O Íbis era também uma designação antiga, que o acompanhava desde a infância, e que se resumia a um disfarce teriomórfico vestido pelo poeta em diversas ocasiões: ele fingia ser um íbis em diversos momentos, em brincadeiras com os sobrinhos ou mesmo em passeios com o resto da família.
O interesse de Pessoa pela astrologia remota desde a adolescência e os registos astrológicos de maior complexidade e segurança datam de 1908, ou seja desde os vinte anos de idade. Pessoa planeou escrever um grande tratado de astrologia, sob o nome do heterónimo Raphael Baldaya, obra na qual apresentaria um estudo astrológico do país. Nunca chegou a escrever esse livro, mas deixou-nos um horóscopo de Portugal onde anotou posições ocupadas por Neptuno, planeta regente do signo Peixes, o "signo de Portugal", em momentos particulares da nossa história, como a derrota de Alcácer-Quibir ou a invasão espanhola de Lisboa. Pessoa deixou-nos temas astrológicos dos heterónimos e dele próprio, onde escreveu que a data da sua morte seria em Maio de 1935. Falecido em Novembro, a previsão apenas falhou por seis meses.
O sistema mágico intitulado O Caminho da Serpente, criado e desenvolvido por Pessoa, foi divulgado pela primeira vez no livro Fernando Pessoa e a Filosofia Hermética, de Yvette Kace Centeno. Trata-se de um sistema mágico que, aparentemente, resgata elementos pitagóricos, rosicrúcios e cabalísticos. Por desvendar encontra-se o significado da nomenclatura, assim como o sentido e o uso. Sabe-se que Pessoa devotou concentração a este tema no seguimento da demanda por iluminação hermética que o levou desde a mediunidade até à astrologia e da teosofia até à maçonaria. Não se revendo em nenhuma das tradições ocultistas que, por breves períodos, adoptou, Pessoa decidiu criar o seu próprio sistema mágico, já perto da data da morte.
Na minha opinião, o que é surpreendente n’O Caminho da Serpente é a depuração: não há nada de acessório nos escritos que Pessoa deixou sobre o sistema, assim como a simbologia geométrica que o compõe, a fazer lembrar as estruturas ocultas empregues nas telas de Almada Negreiros (seu companheiro tardio da boémia lisboeta e ocultista), está em sintonia com toda a tradição geomágica ocidental, desde os teoremas de Abellio até aos modernos sigilos de Austin Osman Spare.
Intui-se que O Caminho da Serpente é essencialmente simbólico (a fazer lembrar, lá está, o vaticínio expresso no poema O Círculo de Alexander Search), e a sê-lo remete-me para a simbologia do próprio caduceu hermético: o bastão erecto onde se enrolam duas serpentes, trepando em direcção à coroa alada. Ora Pessoa, designou por Fogo a parte superior da Bexiga de Peixe na qual inscreveu esse sistema mágico e designou por Terra o vértice inferior. Essa elevação da serpente, que assim se ergue da Terra – do lodo primordial – em direcção ao Fogo – à Imaginação – é o sentido oculto do bastão de Hermes; e, hoje em dia, encontra uma simetria tremenda com a estrutura em dupla espiral da molécula de ADN, descoberta dezoito anos depois da morte do poeta. Mas já no baralho de Tarot criado por Aleister Crowley e desenhado por Lady Frieda Harris se pode ver no Arcano Maior, O Universo, uma profecia dessa descoberta, caracterizada pela mulher que dança com a serpente, rodeada pelos quatro elementos e vigiada pela presença ocular da Mónade da qual tudo emana.
Uma representação artística que encerra na perfeição essas premissas é o painel de azulejos que o Mestre Lima de Freitas pintou para a plataforma da gare ferroviária do Rossio.
David Soares, Lisboa 2007
Notas sobre Aleister Crowley e Fernando Pessoa - Primeira Parte
Crowley acompanhou a morte do século XIX e viveu no período mais violento do século XX, absorvendo horror e glamour para construir uma lenda pessoal. Foi um reconhecido alpinista e liderou as primeiras expedições às montanhas Kangchenjunga, no Nepal, e Chogo Ri (K2), nos Himalaias, antes de encarrilar a toda a velocidade no caminho da Magia. Em 1902, depois de visitar o amigo ocultista Allan Bennett, em Ceilão, Crowley começou a misturar os ritos orientais e o tradicional hermetismo ocidental com o objectivo de criar um novo sistema mágico. Na verdade, unir o sexo à magia não era um conceito inédito e Crowley deveria conhecer, com toda a certeza, os trabalhos de Paschal Beverly Randolph (que sentia um pavor patológico pela masturbação: prática fundamental na disciplina de Crowley) e de Alice Bunker Stockham (que desenvolveu o método Karezza: doutrina mais cúmplice da profilaxia que da magia, mas que, mesmo assim, advogava a sacralização do orgasmo). Nas sociedades iniciáticas criadas ou lideradas por Crowley, como a Argenteum Astrum (fundada após a saída da Hermetic Order of the Golden Dawn) e a Ordo Templi Orientis, o misticismo encontra-se impregnado de ritos de natureza sexual.
É seguro conjecturar que o advento da revolução sexual que rompeu na década de sessenta do século passado foi previamente ensaiado por Crowley e pelos "thelemitas" nos decénios de vinte e trinta. Sem a publicação da revista The Equinox, o conhecimento hermético aí revelado continuaria a ser coutada de exclusivas fraternidades secretas; e, aqui, o trabalho de Crowley na fertilização do imaginário ocidental foi importantíssimo: não enquanto criador de mitos, como Fernando Pessoa, seu amigo, almejava ser, mas como polinizador – aliás, o papel do Mago por excelência; cujo símbolo (a varinha) não deixa de se revestir com sentido alegórico correspondente à sexualidade.
Não creio que Crowley tivesse sido um homem mau, como o epíteto ‘The Wickedest Man in the World’ (apresentado pela primeira vez no jornal inglês John Bull) sugere. Penso que foi, no seu pior, muito egoísta (com péssimas consequências), mas sem cair no diabolismo cinemático que os media patentearam. Excepto na aproximação que faz ao individualismo filosófico (antecipando o Objectivismo cunhado pela escritora Ayn Rand) a doutrina "thelémica" nada tem de satânico ou de satanista. Em primeiro lugar, tal como se encontra descrita por Crowley, trata-se de um sistema iniciático, logo procura transmitir conhecimentos ocultos através de mensagens e rituais que namoriscam com o sobrenatural. Em seguida, o trajecto que o adepto precisa de cumprir nesse caminho iniciático é ferozmente demolidor do ego. E, para terminar, a disciplina de Thelema ainda incita o indivíduo na direcção de uma espécie de consciência social. Para isso concorreram as fontes de inspiração de Crowley: proto-anarquistas como François Rabelais e Jonathan Swift, mas também teóricos anarquistas e socialistas como Gracchus Babeuf, Louis Blanquis e Pierre Proudhon. É preciso lembrar que The Book of the Law foi recebido por diversos leitores como sendo um livro comunista e que Mussolini expulsou Crowley de Itália, alegando que a Abadia de Thelema, em Cefalù, era um órgão comunista. É confuso constatar que Crowley, inglês imperialista, manteve uma relação calorosa com ideias revolucionárias desta estirpe. Não é, pois, sensato ler o trabalho da auto-denominada Besta do Apocalipse, para quem o fin de siécle era todos os dias, sem ter em mente o sentido de humor provocante e escatológico que o atravessa. E sobre um autor cuja vida é impossível dissolver da obra, a exegese biográfica deve efectuar-se sob a mesma iluminação.
Inversamente aos trabalhos de outros ocultistas seus contemporâneos, junto dos quais foi buscar inspiração, a obra literária que deixou inscreve-se sem qualquer dificuldade no cânone ocidental da literatura hermética; e, pela porta grande, por avanço do já citado The Book of the Law, publicado pela primeira vez no décimo número da revista periódica The Equinox. Texto deliberadamente contraditório, The Book of the Law, a base do sistema mágico crowleyano, é, na minha opinião, uma colagem ao sistema dos Três Tempos (ou Eras) como foi plasmado pelo abade cisterciense Joaquim de Fiore. Ignoro se Crowley procurou esse mimetismo de modo consciente, mas é muito possível, pois possuía um conhecimento enciclopédico sobre hermetismo e tradições mágicas. O que interessa reter é que em virtude da aproximação que faz ao modelo de Fiore (os Tempos do Pai, do Filho e do Espírito Santo), Crowley conseguiu imprimir em The Book of the Law uma longevidade nutrida pela ressonância arquetípica: ou seja, o texto prolonga o impacto provocado na recepção, porque comunica connosco de um modo mais profundo que outros mitos mais juvenis.
A encadernação da edição do livro Moonchild, de Aleister Crowley, que a Sphere Books publicou na colecção The Dennis Wheatley Library of the Occult, em 1974, é bastante conveniente, já que um observador atento não pode deixar de ver Ra-Hoor-Khuit, ou Harpócrates, a versão infante de Hórus, sendo presenteado com a herança de Hadit, o embaixador do Tempo do Pai no segundo capítulo de The Book of the Law. Essa responsabilidade, simbolizada pela caveira, à guisa de fóssil de Ano Velho, é a referência da passagem de testemunho para o Tempo do Filho: o Éon de Hórus.
A sincronicidade desta imagem causa-me admiração; e se é verdade que Wheatley, mero anfitrião dessa colecção, à qual apenas emprestou o nome e o prestígio, foi alheio à escolha, é legítimo adivinhar que ela deixaria Crowley muito feliz.
David Soares, Lisboa 2007
Notas para uma exegese maçónica e hermética de "Blood Meridian" de Cormac McCarthy
Horizonte sangrante
Em Blood Meridian, Cormac McCarthy (The Orchard Keeper, All The Pretty Horses, No Country For Old Men, The Road), propõe uma leitura tremenda sobre um grupo de desventureiros que atravessa o deserto norte-americano, em direcção ao México, numa demanda sanguisedenta por escalpes índios e latinos. Quem lidera os doze homens é o juiz Holden, homem de cultura, mas não menos bestial que os seus cães de guerra. Na base da pirâmide do poder encontramos Kid, um puto de catorze anos, engajado na pandilha por Toadvine, um criminoso brutal que já tentara matá-lo.
A linguagem usada por McCarthy é riquíssima; tão ritmada que o romance ganha um novo fôlego quando lido em voz alta. O uso do calão e do linguajar hispânico pontua com excentricidade este notável esforço literário. Com efeito, Blood Meridian concatena de modo perfeito duas fórmulas distintas: a acção violenta do western e o simbolismo hermético.
Blood Meridian é um romance gnóstico, mesclado de maçonaria e alquimia.
Alvenaria Insubstancial
No capítulo XI o juiz Holden narra um episódio que se conjectura auto-biográfico e que evoca – insuspeitamente – o mito de Hiram Abiff, o Filho da Viúva do mito maçónico: suposto arquitecto do Templo de Salomão, assassinado à traição por três obreiros, Jubela, Jubelo e Jubelum, quando pretendiam fazê-lo confessar os sinais secretos do ofício para progredirem na ordem sem diligência.
«As they walked (...) He Killed him with a rock and he took his clothes and bloodied himself with a flint and he told his wife they had been set up by robbers and the young traveler murdered and him only escaped. She began to cry and after a while she made him take her to the place and she took wild primrose which grew in plenty thereabout and she put it on the stones and she came there many times until she was old.
The harnessmaker lived until his son was grown and never did anyone harm again. As he lay dying he called the son to him and told him what he had done. (...) But the boy was not sorry for he was jealous of the dead man and before he went away he visited that place and cast away the rocks and dug up the bones and scattered them in the forest and then he went away. He went away to the west and he himself became a killer of men.
The old woman was still living at the time and she knew none of what had passed and she thought that wild animals had dug the bones and scattered them. Perhaps she did not find all the bones but such as she did she restored to the grave and she covered them up and piled the stones over them and carried flowers to that place as before. When she was an old woman she told people that it was her son buried there and perhaps by that time it was so.»
É possível reconhecer neste trecho o arquétipo do mito osiriano do esquartejamento e difusão dos fragmentos do falecido ancestral, que também pertence a outras culturas, como temos oportunidade de ler, por exemplo, no Kalevala, conjunto de contos do folclore finlandês, compilados por Elias Lönnrot em 1835, no qual os pedaços de Lemminkäinen, o irmão da personagem principal Väinämöinen, são resgatados pela mãe, a deusa Ilmatar, das águas do Tuonela, o mundo inferior.
Em seguida, no capítulo XXII, íntimo da conclusão de Blood Meridian, Kid encontra os cadáveres exenterados de um grupo de confrades, cobertos com o que parece ser uma forma vetusta de vestuário maçónico. Na vizinhança dos despojos sangrentos a personagem descobre uma anciã agachada no chão.
«He made his way among the corpses and stood before her. She was very old and her face was gray and leathery and sand had collected in the folds of her clothing. She did not look up. The shawl that covered her head was much faded of its color yet it bore like a pattern woven into the fabric the figures of stars and quartermoons and other insignia of a provenance unknown to him. (...) He reached into the little cove and touched her arm. She moved slightly, her whole body, light and rigid. She weighed nothing. She was just a dried shell and she had been dead in that place for years.»
Poderá esta personagem descaroçada ser a viúva mencionada no relato de Holden?
A paisagem rochosa do deserto norte-americano é ela própria a Pedra Bruta da Fundação que o iniciado sem avental precisa deslindar. Sob o Sol refulgente, símbolo de vida, força e equilíbrio, o Aprendiz ou Companheiro deve livrar-se das imperfeições que enodam o espírito e corrigir a facie acidentada da sua Obra, transmutando-a em Pedra Cúbica. Os cascos dos cavalos montados pelos 13 companheiros de viagem através do roteiro desse habitat ermo escolhido por Holden levantam sons anteriormente ocultos no solo que soam através das camadas estratigráficas mais fundas, reverberando com significação nas três paredes do Templo de Salomão: a oriente, a sul e a ocidente. A América selvagem é toda ela iniciática na visão de McCarthy: as crostas magmáticas que cobrem a terra e a areia criam nichos que convidam à oração e os violentos peregrinos que se refrigeram à sombra são Cavaleiros do Templo.
«Their spirit is entombed in the stone. It lies upon the land with the same weight and the same ubiquity. For whoever makes a shelter of reeds and hides has joined his spirit to the common destiny of creatures and he will subside back into the primal mud with scarcely a cry. But who builds in stone seeks to alter the structure of the universe and so it was with these masons however primitive their work may seem to us.»
Holden, descrito a dada altura como se fosse uma espécie de manatim humano, é uma figura alva que personifica Satã: o Cristo da Tradição Gnóstica. Holden, ou Ialdabaoth o Demiurgo, transfere para Blood Meridian outro avatar da literatura de língua inglesa: o leviatã de Herman Melville. Transcrevo de Moby Dick, do capítulo XLII, The Whitness of the Whale:
«This elusive quality it is, which causes the thought of whiteness, when divorced from more kindly associations, and coupled with any object terrible in itself, to heighten that terror to the furthest bounds. Witness the white bear of the poles, and the white shark of the tropics; what but their smooth, flaky whiteness makes them the transcendent horrors they are? That ghastly whiteness it is which imparts such an abhorrent mildness, even more loathsome than terrific, to the dumb gloating of their aspect. (…) What is it that in the Albino man so peculiarly repels and often shocks the eye, as that sometimes he is loathed by his own kith and kin! It is that whiteness which invests him, a thing expressed by the name he bears. The Albino is as well made as other men - has no substantive deformity - and yet this mere aspect of all-pervading whiteness makes him more strangely hideous than the ugliest abortion. Why should this be so?»
Este homicida pederasta de infinita sageza criado por McCarthy compila um bestiário natural num canhenho de bolso, desenhando fauna e flora que encontra no progresso das viagens.
«Toadvine sat watching him as he made his notations in the ledger, holding the book toward the fire for the light, and he asked him what was his purpose in all this. (...) The judge wrote on and then he folded the ledger shut and laid it to one side and pressed his hands together and passed them down over his nose and mouth and placed them palm down on his knees.
Whatever exists, he said. Whatever in creation exists without my knowledge exists without my consent. (...) The freedom of birds is an insult to me. I'd have them all in zoos.»
Esta unidade faz-me recordar uma personagem muito semelhante a Holden: John Steep – do romance Sacrament de Clive Barker; outra viagem iniciática, mas disfarçada de thriller homoerótico. A personagem principal é Will Rabjohns, um fotógrafo de espécies em vias de extinção.
«This is death. This is what you've photographed so many times. (...) All ephemeral things, running out of time.»
Steep, o vilão, cônjuge de Rosa McGee, que o acompanha nas suas incursões centenárias, viaja pelo globo procurando os últimos indivíduos das espécies mais raras para os matar.
«This will not come again... Nor this, nor this…»
Steep e Holden perseguem uma obssesão pelo Todo, mas a sede de sabedoria amedronta-os em vez de os iluminar e a regeneração de ambos cumpre-se pela violência. No final de Sacrament aprendemos que Steep e McGee são um Rebis, uma criatura chamada Nilotic, outrora dividida pela nigromância e reunida na conclusão da história. Ora em Blood Meridian, o juiz Holden, terror das crianças e dos animais, e Kid, arquétipo do neófito, acabam o seu percurso desta forma:
«The Judge was seated upon the closet. He was naked and he rose up smilling and gathered him in his arms against his immense and terrible flesh and shot the wooden bartlach home behind him.»
Mais nenhuma informação nos é dada sobre o destino de Kid e a cena seguinte ao segmento que apresentei é presenciada pelos figurantes, mas sonegada ao leitor. Seguidamente o juiz Holden emerge e junta-se a uma pequena bacchanalia que se organizou espontaneamente no saloon. O romance termina com Holden a dançar.
«Towering over them all is the judge and he is naked dancing, his small feet lively and quick and now in doubletime and bowing to the ladies, huge pale and hairless, like an enormous infant. He never sleeps, he says. He says he'll never die.»
E se Holden e Kid se fundiram, criando uma coisa repetida - um Rebis?
O grau de surpresa nas exclamações de pânico das testemunhas diante da cena escondida do leitor são muitíssimo suspeitas e conduzem a imaginação na direcção de algo, no mínimo, fabuloso.
O ofício de juiz baptiza o Sétimo Grau do Rito Escocês Antigo e Aceite da Maçonaria Especulativa: Juiz, Preboste ou Mestre Irlandês. Número saturnino, o algarismo 7 evoca as Sete Fornalhas da Alma (sublimações) de que falou William Blake: as destilações repetidas que o neófito tem de cumprir no processo de pureza e rectificação.
No início da segunda parte do capítulo XV, podemos ver na fuga de Kid os passos de uma iniciação maçónica; e no capítulo X, na história narrada a Kid por Tobbin, o ex-padre, sabemos que Holden é um engenhoso alquimista que consegue usar enxofre e urina para criar pólvora, num processo que parece corresponder aos estádios que concorrem para a depuração do mercúrio filosofal através da sublimação na Grande Obra.
A figura encalvecida e juvenil do juiz lembra a de um homúnculo: criatura artificial, gerada num atanor. Mas Holden é um homúnculo diferente das representações canónicas referentes à criação desse género de pessoas artificiais, como as que Paracelsus nos deixou; e também não tem nada em comum com Tristram Shandy, outro homúnculo literário.
quarta-feira, 20 de julho de 2011
Sol Invicto
domingo, 17 de julho de 2011
"Batalha": sessão de autógrafos na Bertrand das Caldas da Rainha
O lançamento de Batalha foi um sucesso: obrigado a todos os leitores e amigos que apareceram. Entretanto, quem não pôde deslocar-se a Lisboa, terá oportunidade de aparecer no próximo sábado, dia 23, na livraria Bertrand do Centro Comercial Vivaci, nas Caldas da Rainha (loja 1.05, Rua Belchior de Matos nº11) para participar de uma sessão de autógrafos comigo, às 17H00, em volta do meu novo romance Batalha.
Agradeço a divulgação. Apareçam.
quarta-feira, 13 de julho de 2011
"É de Noite Que Faço as Perguntas": capa e sinopse
«É de Noite Que Faço as Perguntas é uma história que parte da cronologia e dos factos históricos pertencentes ao período da primeira república portuguesa para se apresentar como uma poderosa observação sobre a vida, a política e o modo como ambas se influenciam.
Mergulhado num regime autocrático, de natureza indefinida, em meados do século XX, um pai tenta recuperar o filho, caído no seio do partido, escrevendo-lhe as memórias que experimentou nos anos da primeira república: tempo em que o ideal de cidadania era a participação activa e não o recolhimento sob o jugo ditatorial.
Escrito por David Soares e desenhado por Jorge Coelho, João Maio Pinto, André Coelho, Daniel Silvestre da Silva e Richard Câmara, É de Noite Que Faço as Perguntas é, em simultâneo, um poético fresco de época, um ensaio filosófico pungente e uma banda desenhada ímpar.»
Em breve, pela Saída de Emergência.
"Batalha": A Caveira
«A primeira vez que Batalha viu uma caveira, pensou que fosse um desvairamento, estimulado pela febre que sentia; pois que frenesi da Natureza, ou até dos próprios Pais do Mundo, teria gerado algo tão invulgar?
Os dois irmãos, mais o amigo deles, tinham-no levado para as catacumbas que a comuna de ratos domésticos construíra no subsolo, pejado de ossadas, da igreja matriz. Foi durante esse caminho tortuoso, ao longo de túneis apertados, pelos quais a ratazana mal era capaz de passar, que ela viu as relíquias da corrupção humana que, entre a terra, observavam como sentinelas os roedores peregrinos. Sem nenhum conhecimento das hierarquias que regiam a sociedade dos homens, Batalha não sabia que os ossos que encontrava, alguns interpostos em esqueletos mais ou menos intactos, outros desbaratados pelos ínfimos movimentos da terra, mas todos tapados por trapos, tinham servido de sustentáculo às carnes mais afortunadas, em oposição aos ossos dos pobres, inumados numa vala vizinha.
A caveira que o impressionou, desdentada e pintalgada de pretidão, retinha uma imperturbável atitude altiva — era um génio subterrâneo, que guardava a passagem com um sinal de sobranceria, de displicência. Teias de linho, miscigenadas com filigranas fungongóricas, amarravam-na à terra humedecida e, no seu interior, observável através das órbitas ocas, encontravam-se excedentes cefalóides: um forro feito de antigualhas, agora fossilformes. Acometido de febre, fomentada pela briga com os gatos, Batalha perdeu a consciência enquanto passava à frente dessa caveira, esse ex-homem; e, num derradeiro instante de lucidez, antes de descair para as profundezas piréticas, ele lembrou-se de Pedranceiro e pensou que, com efeito, todos os homens — e todos os bichos — eram feitos de pedra, por dentro.
Vive-se para sonhar, para ver as maravilhas do mundo, para amar, e é para isso que a carne serve, mas, no final, quando a carne se estraga, volta-se a ser a pedra que se foi no início — a pedra honesta que, apesar da carne e dos anos, subsiste. Nada era mais rudimentar que essa pedra. Nada era mais tosco.
Mas também nada era mais verdadeiro.
Mais ético.»
O meu novo romance Batalha (Saída de Emergência) será lançado na próxima sexta-feira, dia 15, às 19H00, no fórum da loja FNAC do Centro Comercial Colombo, em Lisboa. Contará com a minha presença, com a do ilustrador Daniel Silvestre da Silva e com a do editor Luís Corte Real.
Marquem nas vossas agendas, divulguem e apareçam. Obrigado.
Ilustração: Daniel Silvestre da Silva.
segunda-feira, 11 de julho de 2011
domingo, 10 de julho de 2011
"Batalha": Pedranceiro
«Antes que completasse o verso, o homem de pedra sentiu o cheiro de Batalha e, de repente, virou-se para trás; do seu ponto de vista elevado, descobriu, com facilidade, a ratazana escondida na erva.
Que bicho és tu, pequena pedra-de-toque?, perguntou, curvando-se de mãos sobre os joelhos. És um rato? Nunca vira uma ratazana e sentiu grande curiosidade.
O rosto do homem de pedra era deformado — diastrófico — e Batalha ficou sem pinga de sangue diante dele. Carquilhos epirogénicos, pedregulhentos, que só com muita imaginação se poderiam assemelhar a uma caraça, mas nem olhos, nem boca reconhecíveis existiam naquele enigma criptofacial compacto, feito de rocha embranquecida e borbotos de bolor. Só a grosseira antropomorfia dava sentido àquele espantoso espantalho orogénico, que mais parecia um pedaço animado de penedo. Antes que Batalha tivesse tempo para recuar, o homem de pedra agarrou-o pela cauda, com delicadeza. Observou-o, atentamente, com o seu inexpressivo frontispício pedral.
És como eu, pedrinha, disse ele, passados uns instantes.»
O meu novo romance Batalha (Saída de Emergência) será lançado na próxima sexta-feira, dia 15, às 19H00, no fórum da loja FNAC do Centro Comercial Colombo, em Lisboa. Contará com a minha presença, com a do ilustrador Daniel Silvestre da Silva e com a do editor Luís Corte Real.
Marquem nas vossas agendas, divulguem e apareçam. Obrigado.
Ilustração: Daniel Silvestre da Silva.
É de Noite Que Faço as Perguntas: as primeiras pranchas
Este trabalho partiu de um convite do Centro Nacional de Banda Desenhada e Imagem e da Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República. Como terão oportunidade de ler, em breve, este é um álbum especial e os desenhadores estão de parabéns pelo profissionalismo e paixão que lhe devotaram.
As pranchas que se seguem são as primeiras do prólogo, quatro capítulos e epílogo que compõem o álbum e foram desenhadas por Richard Câmara (prólogo), Jorge Coelho (capítulo um), João Maio Pinto (capítulo dois), André Coelho (capítulo três), Daniel Silvestre da Silva (capítulo quatro) e Richard Câmara (epílogo).
quinta-feira, 7 de julho de 2011
Deixem os livros serem livros
«David Soares said:
I think it's a sign of the times, a consequence of the rapacity with wich we absorb information: pruning literary works that way seems to me like just one more nail in the coffin of knowledge, since absorbing information and absorbing knowledge are two different things.
I am a writer and I like excentric, uncustomary (and just plain weird) words. I truly believe that being a writer is all about that: being in love with extraordinary language.
That's why I love authors like Alexander Theroux, John Barth, Lawrence Sterne (and others) so much. In Portugal we had a great and unique writer of words that was Aquilino Ribeiro - even his children's book (The Novel of the Fox) is full of offbeat and odd words.
But today we (writers) hear: don't use adjectivation, don't use the exclamation point, don't use adverbs, don't use this and that... So what can we use in order to make a literary text don't look like something you could read in Newsday or Metro?...
We truly need to let books be books again (and unashamedly).
Cheers.»
quarta-feira, 6 de julho de 2011
terça-feira, 5 de julho de 2011
Lançamento de "Batalha"
Marquem nas vossas agendas, divulguem e apareçam. Até lá.