quinta-feira, 18 de setembro de 2014

De novo sobre Lovecraft e o seu suposto racismo


Com efeito, não imaginei que o texto que escrevi no passado dia 4 de Julho sobre o escritor norte-americano Howard Phillips Lovecraft fosse, infelizmente, ganhar uma pertinência ainda maior ao ser cotejado com o burburinho que circula presentemente uma patética petição pública, iniciativa de Daniel José Older (quem?), objectivando a reconfiguração da imagem dos prémios World Fantasy Awards (que consiste num caricatural busto de Lovecraft) para uma estatueta modelada segundo o rosto da escritora norte-americana de ficção científica Octavia Butler. A "lógica" por trás deste desiderato agasalha-se na repulsa que a escritora nigero-americana Nnedi Okorafor (vencedora, em 2011, de um World Fantasy Award para Melhor Romance) sentiu ao descobrir que Lovecraft era, segundo dizem, racista. Ficou com o prémio estragado, está visto. Temos pena.

A pseudoditadura do chamado politicamente-correcto provoca-me náuseas e tenho tantas coisas para dizer sobre isso que nem sei por onde começar. Assim, não começo, sequer: vou por outro caminho, que é, factualmente, o de reiterar que o mito do racismo lovecraftiano é uma criação muitíssimo insuflada - por leitores, críticos e editores que não gostam da obra de Lovecraft, pelas mais variadíssimas razões; sendo que a mais óbvia - e a mais frequente - será a de que sentem uma inveja insuportável diante do facto de que nunca serão tão influentes e tão reconhecidos quanto ele.
A pequenez dos homenzinhos (e das mulherzinhas) de má qualidade é sempre inversamente proporcional à grandeza de quem eles vituperam ou tentam ignorar: sempre. Disso, nos garante a história - e a vida comum de todos os dias, acrescente-se.

Desde que o escritor francês Michel Houellebecq, autor da (deficientíssima de fontes primárias, secundárias, terciárias, quaternárias e por aí adiante) biografia H. P. Lovecraft: Contre le monde, contre la vie (1991), elevou o emblema do racismo contra Lovecraft e sua obra, que uma turba tonitruante de corifeus segue, cantando e rindo, esse plasma, modelando-o a seu bel-prazer, sempre que precisa de ganhar protagonismo - algo que, aparentemente, não é capaz de alcançar através da criação artística. Não obstante a tenacidade dessa pobre gentalha para quem as costas largas dos indivíduos mais talentosos do seu ofício são apenas trampolins para o sucesso fácil, Lovecraft esteve muito longe da astigmática silhueta de racista enfurecido com que alguns o adoram delinear.