quinta-feira, 16 de junho de 2016

Ele há bruxas


A perclara severidade da ambiência sóbria - dir-se-ia desapossada - de The VVitch (2015) deve muitíssimo à fotografia de Jarin Blaschke, director de fotografia deste filme de estreia do realizador norte-americano Roger Eggers, sobre uma família de colonos puritanos seiscentistas que é banida da plantação em que residia e tem de começar sozinha a sobreviver nas fímbrias de uma floresta que, de imediato, se mostra madastra.

Filmado quase em exclusivo com recurso a luz natural e servido por uma conceptualização cenográfica muito realista, The VVitch é um passo enorme na direcção de um novo tipo de filme de horror: totalmente livre da fagia auto-referencial e apologia humorística que assinalaram grande parte da produção cinematográfica deste campo, realizada nos últimos vinte ou vinte e cinco anos, e dirigido ao que de melhor marcou os títulos mais significativos e subversivos da segunda metade dos anos setenta e primeira metade dos anos oitenta do século passado. De facto, desde as primeiras imagens, The VVitch apresenta-se, logo, com um inesperado e indiscutível carácter intemporal, o que significa que, dificilmente, se deixará datar; o que é notável, considerando que o seu realismo, diga-se assim, é conseguido sem o recurso aos truques de pacotilha do falso-documentário. Nada em The VVitch é documental: tudo concorre para um efeito de autenticidade, mas que recusa, liminarmente, o registo documental.

A história, do próprio Eggers, é, aparentemente, sustentada por textos seiscentistas sobre casos de bruxaria; ou seja, determinados diálogos e certas situações serão decalcados textualmente, verbatim, desse material de época, embora a concretização nunca se torne, por culpa disso, num pasticho, conservando inviolável a sua raison d'être.

Na minha opinião, o filme só é prejudicado, não por um desequilíbrio, mas por uma desproporção de perspectivas. No filme existem duas perspectivas sobre as ocorrências de que padecem as personagens, sendo que um desses pontos de vista é, sem timidez, demonstrado no início ao espectador como sendo o correcto, o fidedigno. Por conseguinte, na gestão que faz do medo e da ansiedade, The VVitch oscila sem necessidade entre duas perspectivas, depauperando o resultado final de alguma força anímica que, sente-se, está ali contida que nem lava à espera de jorrar, de rebentar. Por um triz não o consegue, nos negríssimos, niilistas e quase-perturbantes últimos vinte ou quinze minutos de duração, que contêm algumas das melhores cenas jamais vistas em filmes do género. Em suma, The VVitch não é um clássico, mas é um excelente começo e um filme que, decididamente, está muitíssimo acima da média. Aliás, é provável que espectadores mais sensíveis do que eu o achem determinantemente apavorante.