As origens da noélica tradição catalã (e não só) que consiste em
introduzir de modo escondido no presépio a figura de um camponês
agachado a defecar, denominado de El Caganer, estão longe do
esclarecimento, mas admitindo que ela poderá comunicar com múltiplas
aportações, a maioria provavelmente perdidas, dá espaço à minha
especulação que essa personagem, na qual, com latitude exagerada, alguns
intentam explicar como sendo uma alegoria da fertilidade, se poderá
relacionar — de modo directo, o que é
mais tentador, ainda — com imagens da estirpe que aqui publico em anexo e
que representam exemplos morais ou críticas de maus comportamentos;
neste caso, a estultícia do pecador e os vícios que vai alimentando.
Não obstante essas incertezas, o significado que subjaz a esta prática
popular vestir-se-á de grande beleza, em profundo contraste com o
aspecto escatológico pelo qual é reconhecida: Cristo é presença
sobrenatural, mas oferecida de modo orgânico e material ao mundo — a
este mundo também orgânico e material —, sem que exista, para o efeito,
um momento particularmente especial ou singularmente mais dignificante;
assim, a presença de um homem que defeca no exacto instante em que Deus
feito carne é trazido à Terra na sua vizinhança representa a
generosidade imensa dessa mitologia fundacional do cristianismo, segundo
a qual a divindade vai verdadeiramente ao encontro da humanidade, em
todos os aspectos corpóreos, imperfeitos, vergônteos que a caracterizam —
pois se é de assumir que no momento em um indivíduo morre, outro está a
nascer, outros poderão estar a fazer amor, outros a comer e outros a
defecar, por que razão seria diferente para um deus tornado ser humano,
que tem como missão, precisamente, crescer e morrer como um deles, de
molde a que o inefável aprenda o que isso é? El Caganer, personagem
boçal, cruenta, de opaca organicidade, ensina-nos que todos os instantes
são dignos o suficiente para que um deus decida nascer. Tudo é Criação.
Tudo é perfeito. Qualquer hesitação é apenas vaidade.