Amanhã, pelas 17H30, no auditório da Torre do Tombo, em Lisboa, terá lugar a cerimónia oficial da entrega dos Prémios Profissionais de Banda Desenhada 2013 (PPBD): iniciativa organizada por cinco pessoalidades pertencentes ao universo da BD portuguesa (André Oliveira, Inês Fonseca Santos, Maria José Pereira, Mário Freitas e Nuno Amado) e que tem como objectivo distinguir - em várias categorias - as melhores obras de banda desenhada editadas em 2012. O júri que avaliou as obras a concurso foi composto por diversos autores, editores, críticos e jornalistas, de igual modo pertencentes ao mundo bedéfilo português.
Em Portugal, que já foi definido como sendo não um país, mas um sítio muito mal frequentado, é comum que as iniciativas que promovam a excelência sejam embrulhadas em mantos invisíveis para que não se vejam ou sejam faladas; quando mesmo assim o são, acabam por ser mal-vistas ou mal-faladas que vai dar ao mesmo. Neste caso, o nome dos prémios tem dado que falar em alguns círculos bedéfilos portugueses, no sentido em que há quem não concorde com a escolha da palavra «profissionais», porque existem pouquíssimos artistas portugueses de banda desenhada que retirem dessa arte a totalidade dos seus rendimentos semanais, mensais ou anuais: pergunta-se qual é a lógica de baptizar de «profissionais» uns prémios que vão, nessa perspectiva, premiar "amadores", ou seja, indivíduos que não têm a banda desenhada como "profissão"; leia-se: não vivem da banda desenhada.
Esta matéria não é uma discussão nova e eu, várias vezes, em diferentes contextos, pronunciei-me sobre ela da seguinte forma: ninguém está, verdadeiramente, à espera que um artista e uma obra caracterizados como sendo profissionais se definam pelo significado mais elementar dessa palavra (significado que, de um ponto de vista semântico, até é recente, porque só data do século XIX); só se espera, de facto, que essa obra e esse artista tenham uma relevância mais alta, uma estética mais sofisticada e um valor técnico superior.
E, de facto, é esse o sentido original da palavra: o de dedicar-se a algo com rigor.
Partindo daqui é fácil observar que sendo a banda desenhada portuguesa uma arte desatractiva comercialmente e monetariamente pouco recompensadora todos os autores que escolhem dedicar-se a ela com rigor são autênticos profissionais, independentemente de recolherem rendimentos regulares desse labor.
Usar a grosseira bitola de que um verdadeiro profissional é, em exclusivo, aquele que vive (ou sobrevive) de um determinado ofício coloca no campo dos profissionais os tarefeiros que, nas artes e nas letras, produzem proficuamente os piores trabalhos possíveis e deixa de fora artistas de valor incontornável que não tiveram na realização artística a sua principal fonte de rendimentos. Nesta óptica, um escrevinhador anónimo que escreva romances para a Colecção Harlequin, por exemplo, é um profissional da escrita, enquanto que autores de luminoso génio como o Barão Corvo, que nunca lucrou com o seu trabalho, são tristes amadores - leiam um romance cor-de-rosa escrito por um profissional harlequínico e leiam um dos romances maravilhosos do amador Barão Corvo e depois digam qual desses livros tem mais coisas para ensinar sobre o ofício da escrita.
A ênfase com a qual os críticos da iniciativa PPBD relevam o carácter "monetarista" da palavra «profissionais», em prejuízo do seu significado de "dedicar-se com rigor", apenas para a menorizar, não deixa de ser miserabilista, porque é claro que ser-se profissional traduz que se pratica um ofício remunerado, isso é evidente, ninguém o desvaloriza, mas ser-se profissional não se esgota nessa designação e vale a pena recordar que as qualidades que, com efeito, diferenciam um profissional de um amador relacionam-se com a tal dedicação rigorosa a que a palavra já aludia e que essa dedicação não se arvora somente com o isco monetário na ponta do pau, à guisa de cenoura. Encontro mais profissionalismo num webcomic ou num fanzine feito com rigor, mas fora do tal âmbito do salário, do que em certas coisas que por aí vão sendo publicadas regularmente, como fonte fixa de rendimentos dos seus criadores, mas que não valem um chavelho.
É que ser-se profissional tem de definir-se, sobretudo, pela qualidade.