Em cada período os indivíduos morrem de acordo com o espírito do seu
tempo; e um dos aspectos mais deletérios da hodierna medicalização da
morte é roubar-se aos moribundos o dom da Última Palavra — pois como
podem proferi-la com tubos ensartados na boca?
Já não se crê que a
alma vai adquirindo consciência de si enquanto se descarnifica e que,
nesse revificante desamodorrar, alcança arcanos que olhos humanos são
incapazes de perscrutar; não se atenta aos mussitares mortiços, plenos
de memorabilia ultra-tumular, entoados com a desarmonia própria de
sopros extintos. Trincafiados nos hospitais, amordaçados com látex ou
silicone, os nossos mortos expiram em adiáfora aglossia, encarcerados em
abjecto mutismo somente ferido por unissoantes monossílabos de
desconforto — por vezes, é vertida por olhos sem luz uma peregrinante
lágrima em reles reologia; quase sempre, secreções mucóides sarapintadas
de sangue, padrões marginais de desespero.
Somos do tempo da morte açaimada.