Atrevamo-nos
a dar esta resposta à premente pergunta sobre se seremos náufragos na
vacuidade do oceano cósmico: estamos sozinhos. Será assim tão
desesperante compreender que Atlas poderá carregar um universo vazio?
A vida terrena é um hápax — é, além disso, prisioneira daquela excrescência arquitectónica que nenhum mestre conseguiu ainda erradicar: as enjuntas, triângulos formados pela inscrição de um círculo dentro de um quadrado. Na cosmogonia desenhada pelo artista quinhentista português Francisco d'Ollanda o triângulo é a forma fundamental; telúrio que se derrama sobre o globo para constituir os elementos e os seres, a unidade primeva da vida. Em simetria, para o novecentista inventor americano Buckminster Fuller também o triângulo era o primeiro objecto, a forma primordial por ele serializada em massa na esférica estrutura das suas cúpulas geodésicas.
A vida é uma enjunta formada pela sublime construção do universo; suprema superfluidade que prospera naturalmente, somente pelo harmonioso encaixe de cegas estruturas que em nada se lhe relacionam: termirácula, prodigeomaturga, unarrepetível. Na subitânea dimensão que lhe foi proporcionada, a vida é proteica, multifária, polimorfa; alfabeto adaptável a todos os idiomas e geografias.
No conto O Estudante, Chekhov descreve a comoção sentida por uma aldeã viúva e sua filha ao escutarem, enquanto se aquecem diante de uma fogueira, o relato da paixão de Cristo que lhes é narrado pelo titular estudante, que se lembrou de como Pedro negou Jesus enquanto se aquecia diante de uma fogueira no pátio do Sumo Sacerdote. As mulheres choram sob uma dor profunda, como se fossem elas próprias mãe e irmã do Messias — e o estudante afasta-se, perplexo, por presenciar essa plangência com dezanove séculos de atraso. Ao voltar de barco a casa, o jovem encontra a sua aldeia na linha do olhar e sente-se preenchido por um poderoso sentimento de «juventude, saúde e força» e por uma «felicidade misteriosa». Escreve o autor que «a vida parecia encantadora, miraculosa, imbuída de exaltante significância».
Existe exaltante significância na vacuidade do oceano cósmico. Existe exaltante significância neste esconso formado pelo arco de titânicas forças físicas. Está imbuído de um ininterrupto sinal que é emitido por este ínfimo lodaçal do tempo em que, por excepção, nascemos e que continuamente nos serve de guia no nevoeiro cruel da existência. Esse cordão invisível estendido entre o início e o fim nunca se recolhe ao toque: esse cordão repercute a linguagem da história e do mito. Diz-nos que não estamos abandonados. Acompanham-nos todas as vidas extintas que se intersectaram para chegarmos mais longe — admirável panteão que nos albergará um dia. No interior da inesgotável enjunta que nos deu o ser não somos derelictos.
Essa transparente iminência fez chorar as personagens de Chekhov. Essa proximidade emociona-nos quando lembramos os nossos mortos: onde estarão os pais e as mães desaparecidos senão aqui, na diáfana e improvável excepção que é a única realidade que conhecemos. A única verdade que conhecemos. Mortos e vivos, estamos todos aqui; numa perdida enjunta que mal se distingue na imensidade. Numa crudelíssima e friíssima fímbria do cosmos.
A vida terrena é um hápax — é, além disso, prisioneira daquela excrescência arquitectónica que nenhum mestre conseguiu ainda erradicar: as enjuntas, triângulos formados pela inscrição de um círculo dentro de um quadrado. Na cosmogonia desenhada pelo artista quinhentista português Francisco d'Ollanda o triângulo é a forma fundamental; telúrio que se derrama sobre o globo para constituir os elementos e os seres, a unidade primeva da vida. Em simetria, para o novecentista inventor americano Buckminster Fuller também o triângulo era o primeiro objecto, a forma primordial por ele serializada em massa na esférica estrutura das suas cúpulas geodésicas.
A vida é uma enjunta formada pela sublime construção do universo; suprema superfluidade que prospera naturalmente, somente pelo harmonioso encaixe de cegas estruturas que em nada se lhe relacionam: termirácula, prodigeomaturga, unarrepetível. Na subitânea dimensão que lhe foi proporcionada, a vida é proteica, multifária, polimorfa; alfabeto adaptável a todos os idiomas e geografias.
No conto O Estudante, Chekhov descreve a comoção sentida por uma aldeã viúva e sua filha ao escutarem, enquanto se aquecem diante de uma fogueira, o relato da paixão de Cristo que lhes é narrado pelo titular estudante, que se lembrou de como Pedro negou Jesus enquanto se aquecia diante de uma fogueira no pátio do Sumo Sacerdote. As mulheres choram sob uma dor profunda, como se fossem elas próprias mãe e irmã do Messias — e o estudante afasta-se, perplexo, por presenciar essa plangência com dezanove séculos de atraso. Ao voltar de barco a casa, o jovem encontra a sua aldeia na linha do olhar e sente-se preenchido por um poderoso sentimento de «juventude, saúde e força» e por uma «felicidade misteriosa». Escreve o autor que «a vida parecia encantadora, miraculosa, imbuída de exaltante significância».
Existe exaltante significância na vacuidade do oceano cósmico. Existe exaltante significância neste esconso formado pelo arco de titânicas forças físicas. Está imbuído de um ininterrupto sinal que é emitido por este ínfimo lodaçal do tempo em que, por excepção, nascemos e que continuamente nos serve de guia no nevoeiro cruel da existência. Esse cordão invisível estendido entre o início e o fim nunca se recolhe ao toque: esse cordão repercute a linguagem da história e do mito. Diz-nos que não estamos abandonados. Acompanham-nos todas as vidas extintas que se intersectaram para chegarmos mais longe — admirável panteão que nos albergará um dia. No interior da inesgotável enjunta que nos deu o ser não somos derelictos.
Essa transparente iminência fez chorar as personagens de Chekhov. Essa proximidade emociona-nos quando lembramos os nossos mortos: onde estarão os pais e as mães desaparecidos senão aqui, na diáfana e improvável excepção que é a única realidade que conhecemos. A única verdade que conhecemos. Mortos e vivos, estamos todos aqui; numa perdida enjunta que mal se distingue na imensidade. Numa crudelíssima e friíssima fímbria do cosmos.