quinta-feira, 5 de julho de 2012

"O Plutão da Pena" na estreia da Tertúlia dos Assassinos


O texto que irei interpretar no primeiro espectáculo da Tertúlia dos Assassinos será uma peça intitulada O Plutão da Pena. Tanto esta peça como A Lua do Loreto (já anunciada) fazem parte de um trabalho de que darei notícias mais pormenorizadas em breve. Para já, basta dizer que será um prazer ver-vos a todos no Auditório Fernando Lopes Graça, em Cascais, às 21H30 no próximo dia 13 de Julho para a estreia em palco da Tertúlia dos Assassinos - o disco de estreia, tombo primeiro (com produção e música de Charles Sangnoir, de La Chanson Noire), estará disponível para venda. Fiquem, entretanto, com um excerto de O Plutão da Pena:
«A plúmbea antemanhã assemelha-se ao fundo encardido de um crisol abandonado por um alquimista inepto; a chuvarada dos seus nimbos enodoa que nem anitmonium os telhados e abstrai-se pelas áleas azafamadas como uma lavagem que separa as partes heterogéneas da matéria-prima que é a própria cidade.
Enquanto o aguaceiro matinal metamorfoseia em lama o solo do terrádego do Rossio e alguns galegos cobrem com tábuas essa papa terrenta para que as damas não sujem as solas quando forem buscar bric-à-brac nas barracas dos negociantes, tremem os topetes dos cavalos ao som de aguçados trinados, vindos da boca de uma criança. Depois de uma noitada de pândega, e gingando as ancas como uma vespilheira, o garotelho atravessa a praça em direcção a casa, soltando assobios gasólitos que embatem nas vidraças como em címbalos. É um miúdo desassossegado, de gestos quasi-garrettianos, porém uma observação atenta desvenda que ele não é miúdo nenhum, mas uma criatura saída do solo ensopado: um diabrete olhando de esguelha para as gotas de chuva que lhe alfinetam o maxilar prognático.
Cambaleando entre o labirinto formado pela multidão que, àquela hora, já compressa a cota mais abatida de Lisboa, esta entidade diminuta, enfarpelada com uma sobrecasaca de saragoça e um chapéu comprido de feltro, mais parece um hectograma impresso pela precipitação na mole superfície da terra.»