Conheci o António em finais de 2005 e fomos, desde essa altura, mantendo o contacto, falando de livros e de outros assuntos. Participámos juntos em diversas palestras e mesas-redondas. O António apresentou alguns dos meus livros, prefaciou um, e por tudo sinto-me grato e privilegiado. Das nossas conversas de café, tidas às tardes num local perto de sua casa, resultou uma longa entrevista que publiquei no meu blogue. Quando lembro os meus mortos, os indivíduos que me foram próximos e de quem tenho saudades, faço-o, sempre, de modo anónimo, em plural: não cito nomes, não me aproveito da sua memória para publicidade pessoal, como, infelizmente, por vezes se vê por aí. A partir de hoje, o António faz parte dos meus mortos: um grupo que de morte só tem a designação, pois a sua presença, em mim, não é outra coisa senão vida. Adeus, António. Obrigado.
sexta-feira, 6 de outubro de 2017
Morreu António de Macedo
Conheci o António em finais de 2005 e fomos, desde essa altura, mantendo o contacto, falando de livros e de outros assuntos. Participámos juntos em diversas palestras e mesas-redondas. O António apresentou alguns dos meus livros, prefaciou um, e por tudo sinto-me grato e privilegiado. Das nossas conversas de café, tidas às tardes num local perto de sua casa, resultou uma longa entrevista que publiquei no meu blogue. Quando lembro os meus mortos, os indivíduos que me foram próximos e de quem tenho saudades, faço-o, sempre, de modo anónimo, em plural: não cito nomes, não me aproveito da sua memória para publicidade pessoal, como, infelizmente, por vezes se vê por aí. A partir de hoje, o António faz parte dos meus mortos: um grupo que de morte só tem a designação, pois a sua presença, em mim, não é outra coisa senão vida. Adeus, António. Obrigado.
segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012
"Caim" de Saramago na revista Locus de Janeiro de 2012

«Several years ago, in reviewing José Saramago's Blindness in these pages, I noted that, unlike many widely respected literary figures (Saramago won the Nobel in 1998), he used fantastic themes not just for their metaphoric avoirdupois, but worked them out with the same sort of plot logic a genre writer might devote to them (...) The same holds true of his final novel, Cain (...) The result is not only a provocative and often very funny re-imagining of some of the Old Testament's greatest hits - at times reminiscent of Twain or Vonnegut or even James Morrow - but also a time-travel fable (...) the novel sometimes comes off as a headlong comic monologue (we could imagine a lot of these lines being delivered by the Monty Pyhton crew or even Mel Brooks). Well rendered by Margaret Jull Castro's snappy translation, Cain is a wise and angry delight, and a very appropriate exit line for a gadfly.»
quinta-feira, 13 de outubro de 2011
Efeméride negra: Aleister Crowley e "A Conspiração dos Antepassados"

Tal como em quase tudo, um excerto é nada para os tolos: para os sábios... é o suficiente.
«A saliva de Coronzon era um enzima que decompunha a matéria e o tempo; quando Crowley começou a ser mastigado, a carne foi remodelada em grânulos de energia negra: partículas virtuais com carga eléctrica negativa, engolidas como ondas pela garganta da criatura que se alimentou com o produto catalizado. Descodificado pelo enzima, Crowley ficou reduzido a uma série de haikus abióticos; poesia mendeleeviana, aspirada pela densidade que circuitava no cólon de Coronzon. O aparelho digestivo terminava num ânus que funcionava como um buraco branco: a energia negra entreteceu-se em volta desse anel revoltoso e a carga electromagnética foi virada do avesso. As chaves químicas encontraram as respectivas fechaduras e a energia negra, revertida para o código preambular, foi expelida numa cólica quântica.
Em Malkuth, o vento deixou de soprar e todas as moléculas foram beliscadas pelo esfíncter de Coronzon enquanto ele evacuou através do tecido espácio-temporal: sobre três velas acesas, dispostas em triângulo na vizinhança de uma perigosa falésia do litoral português, as fezes caíram ao chão. Escaldantes, as bolas de matéria liquefizeram-se em contacto com o ar, sangrando soro; caíram umas sobre as outras e, em brasa, fundiram-se. Sangrando, mudando de forma aos abanões, a matéria informe regeu-se de acordo com a própria receita morfogenética: agregou-se, deslizando em fios finos, como flores desabrochando e murchando em loop, e o fenótipo evidenciou-se da confusão. A superfície eclodiu e esticou-se numa fita para criar um ânus – uma cópia do Abismo por mérito próprio – e um intestino grosso; foi o evento mais importante da nova vida que Crowley inaugurou – a prova ritual que separava os homens, não dos rapazes, mas dos insectos.Ó Louco!, gerador do meu Ser e do Nada,
desfaz, fecundo, esta laçada!
A elasticidade da carne suplicou por novidade, mas aquele espectáculo, mudo como um filme velho, era uma reprise da dança bailada há cinquenta e cinco anos atrás no ventre de Emily Crowley. Esta gastrulação, estes passos tímidos para o centro do salão, antecedeu uma coreografia exacta que todas as criaturas, grandes e pequenas, precisam de executar com elegância para convencer o júri que merecem nascer.
A carne arrefecida pelo vento inclinou-se; o mar pautou o ritmo da dança atingindo com violência a parede rochosa da Boca do Inferno. Filamentos cintilantes ergueram-se na direcção das estrelas e solidificaram-se num grande cordão nervoso; a carne percebeu a deixa e dobrou-se. Ela dividiu-se. Ela condensou-se. Ela começou a respirar! Os últimos canudos deslizaram até se juntarem ao bolbo central; mergulharam no âmago daquela confusão organogênesica e emergiram, transformados em músculo, para impingirem um estilo mais arrojado na composição: o coração despertou e o sangue perseguiu o compasso do oceano até o ultrapassar em ferocidade.
Nascido do Abismo – do Nada –, Crowley vingou como uma faísca que, tornada em centelha, abrasa em labareda. O útero que o aconchegou foi a própria noite estelar, com o Atlântico à guisa de âmnio; protegido, ele solidificou como um planeta durante a formação da galáxia. A pele nova, vermelha como os músculos debaixo da superfície, arrefeceu e desapareceram os rastos dos cordões de carne que a enlaçaram. Crowley parecia um feto gigante: horrível e belo, em simultâneo; sem pêlo, com uma pelúcia branca a cobrir-lhe os olhos e a boca.
Crowley, o bebé – o Eremita – abriu os olhos; sentiu frio e, esticando um braço com lentidão, apalpou o terreno: os dedos desenharam uma linha curva no chão, o principio da história.»

terça-feira, 27 de setembro de 2011
David Soares em Santarém

Caros leitores, mostrem-me que Santarém é, de facto, a capital do Gótico e apareçam para personalizar os vossos livros.
quarta-feira, 7 de setembro de 2011
segunda-feira, 29 de agosto de 2011
Jogo de RPG baseado no meu romance "Batalha"

baseado no livro Batalha de David Soares.»

Entrevista com David Soares sobre "Batalha"
«O fenómeno religioso observado pelos animais
Um dos mais conceituados autores portugueses de literatura fantástica, David Soares, esteve em Castelo Branco, no passado dia 17 de Agosto, para apresentar o seu quarto romance, Batalha. O escritor, que soma distinções da crítica nacional e internacional, conversou com o "Povo da Beira", à margem da sessão de autógrafos promovida pela livraria Bertrand e pelo Castrum Bar, nas Docas.
Povo da Beira (PB) - Comecemos pelo novo livro. De que fala o “Batalha”?
David Soares (DS) – É um romance de literatura fantástica que fala sobre o fenómeno religioso, observado do ponto de vista dos animais. Na essência, é uma história alegórica que parte desse ponto de vista, não só para tentar perceber como nós funcionamos perante o sentimento do transcendente, do divino, como também para explorar as relações que existem entre vários sistemas de crenças, o modo como as sociedades se erguem e desaparecem. É também um romance que se preocupa muito com a linguagem.
PB - Prossegue os seus temas de eleição?
DS - Todos os meus romances fazem parte de um mesmo universo autoral, cujos temas basilares são o fantástico, o oculto, a história. O romance “Batalha” inscreve-se nesse universo, mas, por ter animais como personagens principais, foge um pouco à linha dos romances anteriores. Há uma grande alegoria que vai buscar material às mitologias maçónicas e alquímicas, e também à tradição mágica portuguesa e às nossas lendas populares.
PB - Porquê animais? Possibilita ir-se mais longe?
DS - Falar pela voz dos animais é uma boa forma de falar sobre os nossos próprios assuntos e as nossas próprias preocupações. Garante um distanciamento que nos faz observar as coisas de um modo muito mais isento. E isso é importante para se chegar a conclusões pertinentes e importantes. Neste caso em particular, o distanciamento resultante de falar do fenómeno religioso a partir da voz dos animais permitiu introduzir a minha própria voz, que, no que diz respeito à crença, está bastante distante destes assuntos do fenómeno religioso. Foi uma forma que encontrei de reunir essas duas vozes.
PB - Como funcionam as duas vozes?
DS - Apesar de escrever sobre estes temas, em que o fantástico se entrosa com o oculto, o hermetismo, o mitológico, não tenho crenças no sobrenatural, nem no religioso, nem na vida após a morte. Enquanto indivíduo, sou ateu. Mas a minha voz autoral dirige-se para estes assuntos, gosto de falar deles. O ponto de vista dos animais no livro “Batalha” é um ponto de vista distante, um pouco como se fosse o meu.
PB - Criar deuses e religiões é algo muito humano…
DS - Do ponto de vista científico será legítimo questionarmos se os animais têm religião? Bom, o certo é que está provado pela neurociência que os animais têm superstições, criam rotinas e vícios. Nesse sentido estão em sintonia connosco. Agora, para darem o passo além e acreditarem numa religião, seria preciso que os animais tivessem consciência da sua própria mortalidade, coisa que poderão não ter. Aquilo que separa uma religião de outra crença partilhada é que uma religião promete a salvação após a morte.
PB - O entrosamento da ficção com a história obriga a uma grande pesquisa?
DS - Sim. A pesquisa é feita toda no início. Proponho-me a escrever sobre determinado assunto, tento ler tudo o que encontrar sobre ele e depois começo a organizar a história. É delineada em esqueleto, num organigrama rigoroso, que é seguido à risca na fase da escrita. É raro desviar-me desse esqueleto, embora haja sempre espaço para o improviso.
PB - O género fantástico nem sempre é bem visto. Os prémios que o David ganha tornam-no um representante desta literatura?
DS – Antes de mais, infelizmente o mercado do fantástico, nos últimos dez anos, tem sido abanado por alguns fenómenos de mediatismo, cá e lá fora, em áreas que não passam pela literatura. E esse mediatismo cria algumas modas. As modas têm um lado bom, que é introduzir algumas pessoas a géneros que não conhecem, mas têm o reverso que é fazer com que todos os produtos desse género tenham de ser iguais, o que rouba diversidade e espontaneidade. No entanto, não olho para mim como sendo representante de nada. Faço o meu trabalho o melhor que consigo e tento fazer obras que não me envergonhem quando as for revisitar. O género fantástico tem uma vantagem: se as coisas forem bem feitas, os livros dificilmente se deixam datar. Para mim é muito importante criar um livro que perdure no tempo, que conserve a frescura.
PB - Além do romance, tem outras áreas literárias em que investe, não é?
DS - Na essência, sou um escritor e trabalho com linguagens literárias. O romance, o conto, o ensaio e a escrita de banda desenhada são linguagens que pertencem ao espectro das linguagens narrativas. Mesmo a banda desenhada, que é narrativa antes de ser visual. Nesse sentido, o trabalho que desenvolvo em cada linguagem é enriquecedor porque vai alimentar formas de fazer coisas noutras áreas.»
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
David Soares em Castelo Branco no dia 17 de Agosto

Na próxima quarta-feira, dia 17, às 21H00, estarei no mítico bar/galeria Castrum Bar, em Castelo Branco, para apresentar o meu novo romance Batalha (Saída de Emergência). A data consiste no aniversário do Castrum Bar que se associa às livrarias Bertrand nesta iniciativa. Apareçam: haverá bolo de anos, livros e um autor.
sexta-feira, 29 de julho de 2011
domingo, 17 de julho de 2011
"Batalha": sessão de autógrafos na Bertrand das Caldas da Rainha

O lançamento de Batalha foi um sucesso: obrigado a todos os leitores e amigos que apareceram. Entretanto, quem não pôde deslocar-se a Lisboa, terá oportunidade de aparecer no próximo sábado, dia 23, na livraria Bertrand do Centro Comercial Vivaci, nas Caldas da Rainha (loja 1.05, Rua Belchior de Matos nº11) para participar de uma sessão de autógrafos comigo, às 17H00, em volta do meu novo romance Batalha.
Agradeço a divulgação. Apareçam.
quarta-feira, 13 de julho de 2011
"Batalha": A Caveira

«A primeira vez que Batalha viu uma caveira, pensou que fosse um desvairamento, estimulado pela febre que sentia; pois que frenesi da Natureza, ou até dos próprios Pais do Mundo, teria gerado algo tão invulgar?
Os dois irmãos, mais o amigo deles, tinham-no levado para as catacumbas que a comuna de ratos domésticos construíra no subsolo, pejado de ossadas, da igreja matriz. Foi durante esse caminho tortuoso, ao longo de túneis apertados, pelos quais a ratazana mal era capaz de passar, que ela viu as relíquias da corrupção humana que, entre a terra, observavam como sentinelas os roedores peregrinos. Sem nenhum conhecimento das hierarquias que regiam a sociedade dos homens, Batalha não sabia que os ossos que encontrava, alguns interpostos em esqueletos mais ou menos intactos, outros desbaratados pelos ínfimos movimentos da terra, mas todos tapados por trapos, tinham servido de sustentáculo às carnes mais afortunadas, em oposição aos ossos dos pobres, inumados numa vala vizinha.
A caveira que o impressionou, desdentada e pintalgada de pretidão, retinha uma imperturbável atitude altiva — era um génio subterrâneo, que guardava a passagem com um sinal de sobranceria, de displicência. Teias de linho, miscigenadas com filigranas fungongóricas, amarravam-na à terra humedecida e, no seu interior, observável através das órbitas ocas, encontravam-se excedentes cefalóides: um forro feito de antigualhas, agora fossilformes. Acometido de febre, fomentada pela briga com os gatos, Batalha perdeu a consciência enquanto passava à frente dessa caveira, esse ex-homem; e, num derradeiro instante de lucidez, antes de descair para as profundezas piréticas, ele lembrou-se de Pedranceiro e pensou que, com efeito, todos os homens — e todos os bichos — eram feitos de pedra, por dentro.
Vive-se para sonhar, para ver as maravilhas do mundo, para amar, e é para isso que a carne serve, mas, no final, quando a carne se estraga, volta-se a ser a pedra que se foi no início — a pedra honesta que, apesar da carne e dos anos, subsiste. Nada era mais rudimentar que essa pedra. Nada era mais tosco.
Mas também nada era mais verdadeiro.
Mais ético.»
O meu novo romance Batalha (Saída de Emergência) será lançado na próxima sexta-feira, dia 15, às 19H00, no fórum da loja FNAC do Centro Comercial Colombo, em Lisboa. Contará com a minha presença, com a do ilustrador Daniel Silvestre da Silva e com a do editor Luís Corte Real.
Marquem nas vossas agendas, divulguem e apareçam. Obrigado.
Ilustração: Daniel Silvestre da Silva.
segunda-feira, 11 de julho de 2011
domingo, 10 de julho de 2011
"Batalha": Pedranceiro

«Antes que completasse o verso, o homem de pedra sentiu o cheiro de Batalha e, de repente, virou-se para trás; do seu ponto de vista elevado, descobriu, com facilidade, a ratazana escondida na erva.
Que bicho és tu, pequena pedra-de-toque?, perguntou, curvando-se de mãos sobre os joelhos. És um rato? Nunca vira uma ratazana e sentiu grande curiosidade.
O rosto do homem de pedra era deformado — diastrófico — e Batalha ficou sem pinga de sangue diante dele. Carquilhos epirogénicos, pedregulhentos, que só com muita imaginação se poderiam assemelhar a uma caraça, mas nem olhos, nem boca reconhecíveis existiam naquele enigma criptofacial compacto, feito de rocha embranquecida e borbotos de bolor. Só a grosseira antropomorfia dava sentido àquele espantoso espantalho orogénico, que mais parecia um pedaço animado de penedo. Antes que Batalha tivesse tempo para recuar, o homem de pedra agarrou-o pela cauda, com delicadeza. Observou-o, atentamente, com o seu inexpressivo frontispício pedral.
És como eu, pedrinha, disse ele, passados uns instantes.»
O meu novo romance Batalha (Saída de Emergência) será lançado na próxima sexta-feira, dia 15, às 19H00, no fórum da loja FNAC do Centro Comercial Colombo, em Lisboa. Contará com a minha presença, com a do ilustrador Daniel Silvestre da Silva e com a do editor Luís Corte Real.
Marquem nas vossas agendas, divulguem e apareçam. Obrigado.
Ilustração: Daniel Silvestre da Silva.
quarta-feira, 6 de julho de 2011
terça-feira, 5 de julho de 2011
Lançamento de "Batalha"

Marquem nas vossas agendas, divulguem e apareçam. Até lá.
quinta-feira, 30 de junho de 2011
Um evangelho de cinco estrelas

Parabéns à revista pela centésima edição!
quarta-feira, 29 de junho de 2011
sexta-feira, 24 de junho de 2011
terça-feira, 21 de junho de 2011
Excelente crítica a "Batalha"...

...a ler nesta ligação: «David Soares é já conhecido pela sua fantástica capacidade de encantar o leitor com as palavras. As descrições são soberbas (...) os diálogos não são apenas para ser lidos, mas também para serem meditados. O leitor que acompanha o trabalho de David Soares já esperava um trabalho de grande qualidade, mas mesmo assim vai ficar impressionado com este romance forte, belo, inteligente, com cenários mais leves do que o habitual mas onde o estilo próprio é incontestável. (...) já há muito tempo que o final de um livro não me deixava com lágrimas nos olhos. Recomendo, recomendo e recomendo!»
quinta-feira, 16 de junho de 2011
Entrevista com David Soares sobre "Batalha"
Batalha é uma edição Saída de Emergência. Com ilustrações do artista Daniel Silvestre da Silva.