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quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

Crowley, Pessoa e a Criança Eterna*

 
Escreveu o autor português João Gaspar Simões, primeiro biógrafo do poeta português Fernando Pessoa, que «charlatanismo e magia sempre andaram a par»[1], referindo-se ao imprevisível encontro deste com o mago inglês Aleister Crowley. Depois de ter ficado retido um dia suplementar no porto espanhol de Vigo, por culpa de um espesso nevoeiro, o paquete Alcântara finalmente atracou em Lisboa, no cais da Rocha do Conde de Óbidos, no dia 2 de Setembro de 1930 [2]. Ao encontrar-se com Pessoa, Crowley perguntou-lhe: «-Então que ideia foi essa de me mandar um nevoeiro lá para cima?»[3] Esta frase, mais ou menos apócrifa, mais ou menos real, tem-se esgueirado incólume entre as lâminas dos escalpelos empregues pelos exegetas; pois que outra coisa poderá significar, senão o facto de Crowley já ter compreendido, através do ritmo e entrelinhas da sua prévia correspondência com Pessoa [4], que este, de facto, não tinha muita vontade em encontrar-se com ele? Aquele encontro “mágico”, que se desenrolaria a partir daquele desembarque, fora, em larga medida, projectado à pressa por Crowley nos meses anteriores. Não é, pois, surpreendente que, em Setembro do ano seguinte, Crowley se queixaria por escrito a Pessoa por não receber notícias suas há bastante tempo [5]. Assim, por qual razão terá Crowley insistido em encontrar-se com Pessoa em Lisboa? Robert Bréchon, biógrafo francês de Pessoa, oferece uma contextualização lúcida a esse respeito: «É portanto um homem desesperado que, em Agosto de 1930, decide ir a Lisboa encontrar-se com Pessoa.»[6]
 
Crowley, claro, disfarçava esse desespero com atitudes provocatórias e comportamentos excêntricos [7], mas deve ter sentido, muito à flor da pele, que o seu território de caça se cerceava rapidamente: já tinha sido expulso de Itália, em Abril de 1923, por actividades subversivas e suspeita de simpatias comunistas [8]; fora expulso de França, em Abril de 1929, por suspeita de ser um espião a soldo dos alemães [9] (embora Crowley declarasse que o motivo tinha sido o facto de a polícia considerar que a sua máquina de café era, na realidade, um aparelho para destilar cocaína [10]). Em relação à animosidade que o próprio Reino Unido cevava contra ele, o jornal inglês John Bull congratulou-se com uma súmula de todas as proscrições: «Soon Hell will be the only place which will have you. You were driven out of England, America deported you and so did Sicily. Now France has given you marching orders.»[11] Nesta perspectiva aclara-se o motivo pelo qual Crowley decidiu encontrar-se com Pessoa: terá pensado que o poeta poderia ser um bom homem de mão – fluente em inglês – para ajudá-lo a criar em Lisboa (urbe voltada para o Atlântico, placa giratória entre as Américas e a Europa) uma dependência da ordem Argenteum Astrum (ou AA, como costuma ser grafada, de molde a permitir diversas interpretações [12]), que criara a 15 de Novembro de 1907 (conjuntamente com George Cecil Jones e J. F. C. Fuller)[13], e cujo texto basilar foi, precisamente, O Livro da Lei (Liber AL), escrito em 1904.

Investigações contemporâneas sobre o espólio documental de Crowley, referente ao seu encontro com Pessoa, revelam que o poeta português Raul Leal (que assinava com o pseudónimo Henoch e foi autor de Sodoma Divinizada, em 1923, entre outros trabalhos) recebeu Crowley no seu apartamento da Rua das Salgadeiras, no Bairro Alto, em Lisboa, no dia 9 de Setembro de 1930, para se submeter a algum tipo de iniciação de carácter esotérico [14]. Desde o início do ano, pelo menos, que Leal se correspondia com Crowley, visando, em específico, ser iniciado por este num caminho mágico [15]. Mais tarde, em Julho de 1950, o próprio Leal escreveu sobre esse secreto encontro a João Gaspar Simões, referindo-lhe a presença de Pessoa, mas não mencionou qualquer iniciação de pendor esotérico; somente escreveu que Crowley lhes tinha provocado, por via de um «maléfico» sortilégio, uma enigmática doença que, no caso de Pessoa, lhe provocara a morte cinco anos depois [16]. Segundo outra interpretação, o silêncio de Leal sobre a suposta iniciação poderá relacionar-se com o facto de esta ter consistido numa partida que lhe foi pregada por Crowley e Pessoa [17]. No que concerne à iniciação de Pessoa por Crowley numa das suas ordens, o argumento mais conspícuo cifra-se numa circular destinada em exclusivo a membros da AA e enviada por Crowley a Pessoa, datada de 21 de Março de 1932 [18]. Quer isto dizer que Pessoa seria um iniciado – um discípulo formal? Ou seria uma estratégia elegante de Crowley lhe chamar a atenção, sem se comprometer, posto que, como vimos, o poeta lhe deixara de enviar correspondência? Seja como for, o que é verdadeiro é que Pessoa e Crowley não se terão visto mais do que três vezes – no cômputo, um encontro fugidio.

Pese o facto de o encontro entre ambos não ter feito medrar frutos mais férteis, Fernando Pessoa e Aleister Crowley tinham bastantes realidades em comum: ambos foram criaturas moldadas por um rígido sistema educacional britânico, sob o qual era mal visto os rapazes demonstrarem as suas emoções (um sistema que fez Crowley explodir e Pessoa implodir) [19]; e ambos partilharam o mesmo sentido de humor truculento (a comprová-lo, o episódio da suposta iniciação de Leal?), o interesse pelas letras e pelo oculto. Para Pessoa, a iniciação era «uma admissão à conversação com os anjos» e a poesia o canal que conduzia a essa iniciação [20]; tal como para Crowley o canal para a conversação com o Sagrado Anjo da Guarda era a magia [21]. Mas a maior afinidade entre eles foi, certamente, a paixão pela pseudonímia.

 
Pessoa criou dezenas de heterónimos, personagens literárias com biografias, personalidades e estilos autorais distintos, com as quais assinava a maioria dos seus escritos; e Aleister Crowley criou dezenas de pseudónimos para assinar os artigos e ensaios que publicou em The Equinox e diversas personagens com as quais escrevia sobre si próprio nos seus livros. Já em criança, Fernando Pessoa criava personalidades fictícias para assinar pequenos versos, composições ou, simplesmente, para vestir essas peles em brincadeiras com os irmãos: Chevalier de Pas, Alexander Search, Capitão Thibeaut, Quebranto Oessus ou Adolph Moscow são algumas das primeiras personagens da infância pessoana, passada em Durban, na África do Sul [22]. Já em adulto, em Lisboa, Fernando Pessoa iria assumir uma espécie de metempsicose zoomórfica através da figura do Íbis: ave pernalta que na mitologia egípcia é avatar do deus Toth, o criador da escrita e da magia. Durante algum tempo, quando saía com a família, costumava parar de repente na rua para assumir a postura de um íbis, recolhendo uma perna e encostando o dedo ao nariz, para enorme embaraço de quem o acompanhava – era uma pantomima quasi-ritualística, à guisa de santo-e-senha de sociedade secreta [23]. Aleister Crowley tinha, também, uma brincadeira de rua com a qual espantava os amigos e os estranhos a quem procurava convencer da autenticidade dos seus poderes mágicos: consistia em seguir um transeunte, escolhido aleatoriamente, e imitar-lhe na perfeição os movimentos; quando atingia essa sincronia, simulava de repente uma queda e divertia-se imenso a ver o indivíduo desequilibrar-se sem perceber que força indesvendável o fizera tropeçar [24].

Contudo, superiorizando-se a todas estas afinidades de formação e de partilha de senso de humor e gosto pelo universo do oculto assomava uma enorme diferença: Crowley era um homem do mundo, um intrépido viajante, um extrovertido sem limites; Pessoa era um cidadão do imaginário e só viajava por algumas ruas da Baixa Pombalina – o máximo que se afastava de Lisboa era a distância que a apartava da cidade alentejana de Évora. Nem Pessoa seria capaz de acompanhar Crowley, nem Crowley seria capaz de manter-se quedo para fazer companhia a Pessoa. Uma única diferença pode escavar um fosso entre duas almas tão parecidas.

O encontro de Crowley e Pessoa tornou-se conhecido em virtude da brincadeira engendrada em volta do falso suicídio de Crowley no sítio baptizado de modo dramático de Boca do Inferno, em Cascais [25]. O local, acidente geológico em que uma gruta esgaivada pelo oceano Atlântico colapsou deixando aberta uma confragosa concavidade, decorada por um arco natural, impressiona pela força com que as águas chocam com as rochas; em principal, nos meses de Inverno. Hoje, uma placa memorialista recorda aos visitantes o ludíbrio imaginado por Crowley (para divertir-se à custa da sua desavinda namorada alemã Hanni Jaeger [26]) e coadjuvado por Pessoa. No entanto, na nossa opinião, o remanescente mais relevante desse encontro não consiste nesse golpe “publicitário”.

De facto, estudando as biografias destes protagonistas, pode constatar-se que 1930 cifra uma data de charneira nas vidas de Crowley e Pessoa, manifestando-se neles duas mudanças de admirável pendor análogo: ambos perderam rapidamente o interesse que mantinham no comentário político e enveredaram com maior serenidade no caminho esotérico. Em Crowley, essa serenidade é flagrante: o papel de verrinoso profeta do Éon de Hórus, a Idade da Criança Coroada e Conquistadora preconizada n’O Livro da Lei, deu lugar ao de um instrutor, de um mestre de magia – compare-se o estilo intenso e até revolucionário do livro sobredito [27] com a abordagem empática e paciente do livro Magick Without Tears, escrito ao longo da década de 1940 e publicado postumamente em 1954 (Crowley faleceu em 1947). São textos escritos por mentalidades totalmente diferentes. Pessoa, por outro lado, dedicou os seus últimos anos de vida (faleceu em 1935) a desenvolver o seu próprio sistema mágico: segundo alguns autores, denominou esse sistema por Caminho da Serpente [28]. É tentador projectar nestes percursos de vida uma transmigração de um para o outro de, pelo menos, parte das suas atitudes.

Pese a circunstância de a relação epistolar de ambos não ter ido além de 1931, apesar da insistência de Crowley, os dois comparsas provisórios conservaram gestos simpáticos de um para com o outro. Pessoa, por exemplo, ao abrigo da identidade de um detective inglês que inventou para escrever sobre o falso suicídio na Boca do Inferno, numa novela deixada incompleta, deixou um lúcido testemunho sobre Crowley – uma opinião que, sob o resguardo de uma perspectiva ficcional, se assume, parece-nos, com a maior das sinceridades:
«Um homem como Crowley põe um problema insolúvel às pessoas para quem todos os problemas devem ser insolúveis, por direito próprio. Ele apresenta-se ao mundo, simultaneamente, como um profundo ocultista e mago, e como uma espécie de charlatão. Não confirmo nem nego nenhuma das hipóteses. Mas a sua coexistência é perfeitamente possível. Ficaria muito surpreendido se ele fosse uma celebridade em termos práticos, um indivíduo conhecido, como Wells ou Shaw, que são, na verdade e na raiz das coisas, bem menos profundos e mais superficiais do que Crowley.»[29]
Crowley, que compôs uma leitura muito positiva de Pessoa, aquando da passagem por Lisboa, reteve o impacto que lhe provocara a poesia deste, não se coibindo de recomendá-la com entusiasmo a amigos e associados, em mais do que uma ocasião [30].

Em relação à poesia de Pessoa, em múltiplos aspectos ela harmoniza-se, se não com as intenções, no mínimo com a temática crowleyana – com um especial e específico múnus espiritual. Atente-se, em jeito de ilustração, a dois poemas: um do heterónimo Alexander Search e outro do heterónimo Alberto Caeiro, ambos sobre a temática do Puer Aeternus, a Criança Eterna. Em Regret, de Search, pode ler-se o seguinte: «I would that I were again a child / And a child you sweet and pure, / That we might be free and wild / In our consciousness obscure / (...)»[31]. Mais tarde, sob a identidade de Caeiro, Pessoa escreveu: «Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro. / Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava. / Ele é o humano que é natural, / Ele é o divino que sorri e que brinca.»[32] N’O Livro da Lei, o Senhor do Silêncio e da Força com cabeça de falcão não possui a ludicidade da Eterna Criança pessoana [33], embora seja, também, uma criança eterna – uma versão pós-industrial do arquétipo da Divina Criança, num recorte neojoaquimita [34].



*Texto de minha autoria, publicado originalmente em CROWLEY, Aleister, Liber Al vel Legis, O Livro da Lei, São Paulo, Chave, 2017, pp. 195-203.

 


[1] SIMÕES, João Gaspar, Vida e Obra de Fernando Pessoa. História de uma Geração, Lisboa, Livraria Bertrand, 1980, 4ª edição, p. 593.

[2] IDEM, ibidem, p. 601.

[3] Loc. cit.

[4] Iniciada por Pessoa, com uma carta enviada a The Mandrake Press, a 18 de Novembro de 1929. Cf. ROZA, Miguel (ed.), Encontro Magick de Fernando Pessoa e Aleister Crowley, Lisboa, Hugin Editores, Lda., 2001, p. 60.

[5] Numa carta datada de 18 de Setembro de 1931. In IDEM, ibidem, pp. 378-380.

[6] BRÉCHON, Robert, Estranho Estrangeiro. Uma Biografia de Fernando Pessoa, Lisboa, Quetzal Editores, 1996, p. 485.

[7] Como transformar em galeria de arte o quarto de hotel que ocupava em Londres no Verão de 1930 – foi expulso. In KACZYNSKI, Richard, Perdurabo. The Life of Aleister Crowley, Berkeley, North Atlantic Books, 2010, p. 448.

[8] CHURTON, Tobias, Aleister Crowley, the Biography. Spiritual Revolutionary, Romantic Explorer, Occult Master – and Spy, Londres, Watkins Publishing, 2012, p. 263-267.

[9] SUTTIN, Lawrence, Do What Thou Wilt. A Life of Aleister Crowley, Nova Iorque, St. Martin’s Press, 2000, p. 341.

[10] SYMONDS, John, The King of the Shadow Realm. Aleister Crowley: His Life and Magic, Londres, Duckworth, 1989, p. 437.

[11] Edição de 27 de Abril de 1929. Cf. KACZYNSKI, op. cit., pp. 439-440.

[12] Representações acronímicas pontuadas por triângulos formados por três pontos comportam, em determinados círculos esotéricos, a noção de que a ordem ou sociedade assim grafada se encontra, de um modo directo, na continuidade de Mistérios Antigos, de matriz clássica ou até pré-clássica.

[13] KACZYNSKI, op. cit., p. 173. A sede e o templo-matriz da AA situavam-se num apartamento alugado em Victoria Street, nº 124, na vizinhança dos jardins do palácio de Buckingham, cf. BOOTH, Martin, A Magick Life. A Biography of Aleister Crowley, Londres, Coronet Books, 2001, p. 264.

[14] PASI, Marco, “September 1930, Lisbon: Aleister Crowley’s lost diary of his Portuguese trip” (pp. 255-283), in Pessoa Plural, nº1, Providence, Brown University, 2012, p. 260. 

[15] Loc. cit.

[16] LEAL, Raul, “Carta de Raul Leal a João Gaspar Simões a propósito de “Vida e Obra de Fernando Pessoa” e de Aleister Crowley”, (pp. 54-57), in Persona, nº7, Porto, Centro de Estudos Pessoanos/Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 1982.  

[17] DIX, Steffen, “An implausible encounter and a theatrical suicide – its prologue and aftermath: Fernando Pessoa e Aleister Crowley”, (pp. 169-180), in CASTRO, Mariana Gray de (ed.), Fernando Pessoa’s Modernity without Frontiers: Influences, Dialogues, Responses, Woodbridge, Tamesis Books, 2013, p. 180.

[18] ROZA, op. cit., pp. 390-392.

[19] Para Pessoa, ler, por exemplo, BRÉCHON, op. cit., pp. 61-67; e, também, QUADROS, António, Fernando Pessoa. Vida, Personalidade e Génio. Uma biografia «autobiográfica», Lisboa, Publicações Dom Quixote, 5ª edição, 2000, pp. 25-27. Para Crowley, observar o acontecimento fulcral narrado em CROWLEY, Aleister, The Confessions of Aleister Crowley. An Autohagiography, SYMONDS, John; GRANT, Kenneth (eds.), Londres, Arkana Books/Penguin Books, 1989, pp. 52-53. De igual maneira, o argumento expresso em HUTIN, Serge, Aleister Crowley. Le plus grand des mages modernes, Verviers, Editions Gérard & Cº, 1973, p. 74. Sem ser a última palavra sobre este período da vida do protagonista, não se ignore o relato mais “sensacionalista” publicado em KING, Francis, Mega Therion. The Magickal World of Aleister Crowley, s.l., Creation Books, 2004, pp. 9-10.  

[20] BINET, Ana Maria, “Pessoa, Fernando, 13.6.1888 Lisbon-30.11.1935 Lisbon”, (pp. 942-944), in HANEGRAAFF, Wouter J. (ed.); FAIVRE, Antoine; BROEK, Roelof van der; BRACH, Jean-Pierre (col.), Dictionary of Gnosis & Western Esotericism, Leiden, Brill, 2006, p. 943.

[21] Cf. CROWLEY, Aleister; DESTI, Mary; WADDELL, Leila, Magick. Liber ABA. Book Four, Parts I-IV, BETA, Hymenaeus (ed.), York Beach, Samuel Weiser, Inc., 2ª edição, 2000, p.112. Também PASI, Marco, “Crowley, Aleister (born Edward Alexander), 12.10.1875 Leamington, 1.12.1947 Hastings”, (pp.281-287), in HANEGRAAFF, op. cit., p. 285-286.

[22] NOGUEIRA, Manuela, Fernando Pessoa. Imagens de uma Vida, GALHOZ, Maria Aliete (apr.); ZENITH, Richard (pref.), Lisboa, Assírio & Alvim, 2005, p. 22.

[23] BRÉCHON, op. cit., p. 96; FERREIRA, António Mega, Fazer Pela Vida. Um Retrato de Fernando Pessoa, o empreendedor, Lisboa, Assírio & Alvim, p. 66.

[24] SUTIN, op. cit., p. 272.

[25] Também conhecido por Mata-Cães.

[26] Na verdade, Crowley já planeava forjar o seu suicídio há bastante tempo, cf. PASI, op. cit., p. 259, n. 17.

[27] No início do século XIII, já a reforma de Císter ia a meio-gás, o movimento milenarista medieval reforça-se inesperadamente com o desenvolvimento do Joaquimismo: corrente criada em volta das ideias do frade cisterciense calabrês Joaquim de Fiore, falecido em 1202 (a Calábria é a biqueira da "bota" italiana e nessa altura fazia parte do reino da Sicília). Em essência, o modelo milenarista joaquimita consiste numa visão macro-histórica das origens e destino da humanidade, formada por Três Idades, à semelhança da Santíssima Trindade: a pretérita Idade do Pai (os eventos narrados no Antigo Testamento), a presente Idade do Filho (os eventos narrados no Novo Testamento e a Era da Igreja) e a vindoura Idade do Espírito Santo (um período emergente de profunda contemplação espiritual, perfeição e paz). Joaquim de Fiore criou esta doutrina através do estudo do livro Apocalipse e calculou que a Idade do Espírito Santo despontaria em 1260. Três anos depois dessa data, no Sínodo de Arles, o Papa Alexandre IV condenou o Joaquimismo como sendo uma perigosa heresia. Por que é que uma Idade do Espírito Santo, plena de profunda contemplação, perfeição e paz, consistia numa perigosa heresia? Embora a profunda contemplação, a perfeição e a paz joaquimitas fossem conceitos com os quais, em princípio, a Igreja não teria grandes dificuldades em lidar, Joaquim de Fiore também profetizou que a Idade do Espírito Santo traria o desmantelamento definitivo de todas as estruturas eclesiásticas - e isso é que a Igreja não podia tolerar; daí a condenação tout court do Joaquimismo (na verdade, o Papa Inocêncio III já o tinha condenado, mas apenas em parte, em 1215, no IV Concílio de Latrão). Independentemente disso, o Joaquimismo fez furor entre os franciscanos, que sempre foram, de certa forma, bastante anti-institucionais e, ao longo dos séculos vindouros, o milenarismo joaquimita provou ser um poderoso algoritmo, capaz de adaptar-se e dar sentido a um florilégio estonteante de ideias milenaristas de várias proveniências. Entre elas, o milenarismo crowleyano.

Não reste dúvidas que a narrativa apocalíptica de The Book of the Law (até este título é o mesmo nome que os judeus dão ao Pentateuco) é, em essência, uma nova versão do velho ideal milenarista, apocalíptico – em maior espessura, do milenarismo de recorte joaquimita. Na visão milenarista de Aleister Crowley, desenvolvida em The Book of the Law, pedra basilar do edifício de Thelema, as Três Idades são as seguintes: a Idade da Mãe (uma idade que simboliza uma hipotética madrugada histórica matriarcal, cujo narradora é Nuit, a deusa egípcia da Noite), a Idade do Pai (a idade das religiões patriarcais e monoteístas, cujo narrador é Hadit, noivo de Nuit) e a Idade do Filho (o Novo Éon, o início de uma nova idade cósmica, narrada por Ra-Hoor-Khuit, jovem deus rebelde e vingativo, identificado com Harpócrates: o deus grego do silêncio, baseado nas representações infantes do deus egípcio Hórus, o Sol recém-nascido). Assim, pode também dizer-se que Nuit é identificada com Ísis e Hadit com Osíris. Neste modelo milenarista contemporâneo, sincrético, a energia iconoclasta e indomável da juventude, representada pela Idade do Filho, combate com violência o poder institucional e autoritário, mas decadente, moribundo, da Idade do Pai. É, de facto, uma narrativa "revolucionária" que instiga uma mudança violenta contra o estado das coisas – daí, na altura, ter sido entendida como propaganda radical de Esquerda. Para Crowley, o advento do Novo Éon, do qual ele se apresentou como profeta, na mesma linha dos profetas veterotestamentários e de Cristo, seria uma ruptura violenta acompanhada de terramotos e guerras. Quando os efeitos catastróficos se dissipassem, instalar-se-ia, como esperado e costumeiro nas ideias milenaristas, a iluminação (thelemita) num período solar de progressão espiritual.

[28] Vid., entre outros, ANES, José Manuel, Fernando Pessoa e os Mundos Esotéricos, Lisboa, Ésquilo, pp. 144-152; CENTENO, Yvette K., Fernando Pessoa, Magia e Fantasia, Porto, Edições ASA, 2003, pp. 62-75, 81-88; FREITAS, Lima de, “O esoterismo na arte portuguesa” (pp. 176-213), in AA.VV, Portugal Misterioso, Lisboa, Selecções do Reader’s Digest, 1998, pp.206-213; FREITAS, Lima de, Porto do Graal. A Riqueza Ocultada da Tradição Mítico-Espiritual Portuguesa, FREITAS, José Hartvig de (pref.), Lisboa, Ésquilo, 2006, pp. 255-282. Sobretudo, ler PESSOA, Fernando, “XI – Para a obra intitulada «O Caminho da Serpente»”, in QUADROS, António (pref., org., not.), Obra em Prosa de Fernando Pessoa. A Procura da Verdade Oculta. Textos Filosóficos e Esotéricos, Mem-Martins, Publicações Europa-América, s.d., pp. 212-219.    

[29] PESSOA, Fernando, “A Boca do Inferno. Novela policiária” (pp. 399-529), in ROZA, op. cit., p. 501. (Sublinhado nosso. A partir daqui todos os sublinhados em citações são nossos.)

[30] PASI, Marco; FERRARI, Patricio, “Fernando Pessoa and Aleister Crowley: new discoveries and a new analysis of the documents in the Gerald Yorke collection” (pp. 284-313), in Pessoa Plural, nº1, Providence, Brown University, 2012, pp. 289-290.

[31] PESSOA, Fernando, Alexander Search. Poesia, FREIRE, Luísa (ed., trad.), Lisboa, Assírio & Alvim, 1999, p. 108. 

[32] Alberto Caeiro, apud BRÉCHON, op. cit., p. 235.

[33] Cf. CROWLEY, Aleister, The Book of the Law, York Beach, Weiser Books, s.d., p. 49.

[34] Vid. supra, n. 26.



sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Dez Coisas Que Desconhecem Sobre Aleister Crowley e Fernando Pessoa

O passatempo «Dez Coisas Que Desconhecem Sobre...» que lancei aqui há uns dias foi um sucesso: obrigado a todos pelas vossas sugestões e propostas, todas muitíssimo interessantes, que enviaram por email e por comentários e mensagens de Facebook. A vencedora foi a leitora Helena Teresa que, por Facebook, sugeriu que eu falasse sobre o encontro de Aleister Crowley com Fernando Pessoa. Como sabem, já escrevi sobre esse encontro no meu romance A Conspiração dos Antepassados (Saída de Emergência, 2007), mas no momento em que li essa sugestão fiquei com uma vontade enorme de revisitar essas figuras que tanto admiro. De maneira que, em vez de falar sobre o encontro de ambos, na Lisboa de 1930, escolhi dez coisas que, provavelmente, vocês desconhecem sobre eles. Espero que gostem e se surpreendam com...

Dez Coisas Que Desconhecem Sobre Aleister Crowley e Fernando Pessoa



1 - Mussolini expulsou Aleister Crowley de Itália, porque suspeitou que ele fosse um agente comunista

Em Março de 1920, mais encantado pela ideia de concretizar um sonho literário do que tornar-se guru de uma seita religiosa, Aleister Crowley, acompanhado pela companheira Leah Hirsig e por um punhado de amigos, ocupou uma propriedade campesina na comuna italiana de Cefalù, na província de Palermo, na Sicília, e estabeleceu nesse lugar a sua "Abadia de Thelema": espécie de retiro mágico-filosófico, inspirado na Abbaye de Thélème descrita por François Rabelais no Capítulo LVII do livro Gargantua (1534). Apesar de Aleister Crowley sempre se ter sentido atraído pela Itália, em virtude de muitos dos seus ídolos literários terem viajado para esse país, a mudança para Cefalù ocorreu numa etapa da sua vida em que ele quis emular o exemplo do pintor Paul Gauguin que, aos quarenta e três anos de idade, abandonou o emprego, a mulher e os filhos para ir pintar para a ilha do Taiti, na Polinésia Francesa. Quando se mudou para Cefalù, Crowley contava com quarenta e quatro anos de idade (só faria quarenta e cinco em Outubro) e identificava-se totalmente com o percurso de Gauguin, que até transformou em Santo no rito da sua Missa Gnóstica. Nessa ilha, à semelhança de Gauguin no Taiti - que baptizara a sua cabana, decorada com telas de cores vivas, com o nome de "Casa dos Prazeres Carnais" -, Crowley baptizou de "Cela das Putas" o aposento principal da "Abadia de Thelema" e decorou-o com pinturas murais de cores garridas. Por três anos, a rotina de Crowley e seu entourage em Cefalù foi paradisíaca, feita de passeios ao ar livre, mergulhos na praia, sessões de leitura e de meditação. Confundindo os "discípulos" que esperavam um guru tradicional, Aleister Crowley pediu-lhes que mantivessem um diário onde apontassem as suas experiências pessoais de forma a que, individualmente, construíssem o seu próprio percurso "mágico", porque a disciplina de Thelema, por ele criada, arrogava que cada indivíduo tinha um papel particular a desempenhar no mundo e que se cada um o realizasse em pleno nunca entraria em rota de colisão com ninguém: é isso que expressa o mote «Do What Thou Wilt» (também retirado da obra de Rabelais), mais a sentença «Every Man and Every Woman is a Star», redigida no inaugural The Book of the Law, que tem sido muitíssimo mal-interpretada como sendo um convite ao desregramento e egoísmo mais elementares e mesquinhos. Um desses discípulos gregários, Raoul Loveday, que também era o secretário de Crowley, adoeceu em Janeiro de 1923, depois de ter bebido água de uma bica durante um passeio que deu com a mulher, Betty May, pelas imediações de um convento que ficava perto da "Abadia de Thelema"; Crowley já avisara que era perigoso beber dessa bica e o resultado foi que Loveday morreu poucos dias depois, em Fevereiro, com uma fulminante infecção nos intestinos e no fígado: como não era católico, não o deixaram ser sepultado no cemitério e foi enterrado num terreno perto da "Abadia". A morte de Loveday é apontada em algumas fontes como tendo sido o motivo pelo qual Crowley foi expulso de Itália, mas a verdade foi bem diferente.
Pouco tempo depois, Aleister Crowley (acompanhado por Leah Hirsig e Norman Mudd, o novo secretário) foi chamado ao gabinete do comissário da polícia, em Palermo, que lhe deu uma semana para abandonar o país: a ordem de expulsão fora enviada pelo Ministério da Administração Interna e tinha como base a argumentação de que o deboche e a perversão sexual na "Abadia de Thelema" tinham de acabar imediatamente - uma desculpa totalmente esfarrapada, porque somente Crowley teve ordem de expulsão, o que deixaria os seus seguidores à vontade para continuarem com as supostas orgias. Os habitantes de Cefalù chegaram a escrever uma petição para que o Signore Crowley não fosse mandado embora, porque ele e os amigos eram boa gente e, sobretudo, bons para a economia local, posto que gastavam muito dinheiro, mas a iniciativa caiu em ouvidos moucos. A verdade sobre a expulsão de Crowley, como pode constatar-se pela leitura da sua pasta no Arquivo Central do Estado, em Roma - um ficheiro cheio de documentação espectacular sobre maçonaria e comunismo -, é que ele era suspeito de manter relações secretas e subversivas com Giovanni Antonio Colunna, político siciliano anti-fascista que Mussolini também expulsou - Colunna era amigo do cônsul inglês em Palermo, que era maçon - e ainda com um activista sérvio chamado Dimitrije Mitrinović, criador do movimento revolucionário New Europe que advogava uma utopia colectivista e anti-clerical.
As "ligações" entre Crowley e o comunismo, com efeito, não eram novas: quando foi editado em livro, The Book of the Law foi interpretado como sendo propaganda comunista, porque instigava à revolução violenta contra o estado das coisas e defendia que da revolução nasceria uma nova era. O próprio Crowley não ajudou ao esclarecimento, afirmando diversas vezes que The Book of the Law era, de facto, «um livro revolucionário» e que, em breve, a velha ordem seria substítuida por uma nova. Num período fortemente politizado, ninguém percebeu a linguagem alegórica de Crowley, que nunca teve a política em mente, e julgaram que se tratava de propaganda comunista disfarçada.
Acabou dessa forma o sonho da "Abadia de Thelema". Proibido de pôr os pés na Itália, Crowley escreveu vários poemas anti-Mussolini; contudo, inversamente às suspeitas deste, ele nunca foi comunista, nem sequer socialista. Mas, apesar disso, também desprezou fortemente os fascistas: antes de ser expulso de Itália já se referia a eles nos seus escritos como os «banditi».          

2 - Inversamente à imagem que foi popularizada, Aleister Crowley nunca foi satanista

Aleister Crowley foi um magneto de controvérsia e a imprensa criou-lhe uma imagem exagerada de indivíduo perigoso e perverso. O jornal inglês John Bull, em especial, criou em 1923, na sequência dos "escândalos" perpetrados na "Abadia de Thelema", a mais colorida sequência de epítetos que Crowley teve: «Wizard of Wickedness» (17 de Março), «Wickedest Man in the World» (24 de Março), «King of Depravity» (11 de Abril) e «The Man we'd Like to Hang» (19 Maio). Quando Betty May abandonou a "Abadia", depois da morte do marido, vendeu ao jornal inglês The Sunday Express, por uma boa quantia de dinheiro, um relato difamatório e delirante, em primeira mão, sobre o sacrifício de um gato num ritual satânico na "Abadia", revelando que o marido tinha morrido por beber o sangue desse gato - mais tarde, arrependida, escreveu várias vezes a Crowley, pedindo-lhe desculpas, mas o mal já estava feito. A verdade é que Crowley nunca foi satânico, nem satanista, pese o facto de muitas correntes que professam estas orientações se dizerem inspiradas na sua figura - na realidade, inspiradas pela imagem "cartoonesca" de Crowley, criada pela imprensa.
No sistema mágico e filosófico de Crowley (Thelema) abundam as referências anti-cristãs e anti-clericais, mas Satanás nem sequer está representado de forma simbólica, quanto mais de maneira preponderante. A disciplina de Thelema faz-se de referências que extravasam completamente o espectro das fontes judaico-cristãs e nem de longe forma um corpo antagónico ao cristianismo por via inversa, como o satanismo teísta cifra. É preciso considerar que Aleister Crowley foi um caso paradigmático no ocultismo ocidental do século XX, em virtude da sua educação clássica e percurso de vida muitíssimo viajado: ele recuperou de fontes díspares ocidentais e orientais - a astrologia, a cabala, a magia enoquiana, os mitos egípcios, a alquimia, o I Ching, o budismo, o taoísmo, o yoga - aquilo que mais lhe interessou para criar uma nova filosofia "mágica", mas iniciática, que, pode dizer-se, começa com a escrita de The Book of the Law, mas foi sendo desenvolvida e modificada quase até ao final da sua vida, como se percebe pela publicação póstuma de Magick Without Tears, um livro muito mais luminoso e positivo que The Book of the Law. Às vezes, até se tem a impressão de que Crowley, na tónica que coloca no rigor científico - no método da experimentação empírica e da repetição de resultados -, numa abordagem racional e pragmática às práticas mágicas, se aproxima mais de um ponto de vista ateu ou agnóstico do que de um ponto de vista crente no sobrenatural. De facto, ele escreveu, diversas vezes, que se se fizer determinada acção (mágica) ocorrerá um determinado resultado (mágico), mas que esses fenómenos mágicos são fenómenos naturais: apenas ainda não se encontram explicados pela ciência. Afirma-o, entre outros textos, no Liber DCCCLX:
«I further take this opportunity of asserting my Atheism. I believe that all these phenomena are as explicable as the formation of hoar-frost or of glacier tables. I believe "Attainment" to be a simple supreme sane state of the human brain. I do not believe in miracles; I do not think that God could cause a monkey, clergyman, or rationalist to attain. I am taking all this trouble of the Record principally in hope that it will show exactly what mental and physical conditions precede, accompany, and follow "attainment" so that others may reproduce, through those conditions, that Result. I believe in the Law of Cause and Effect.» [Sublinhado meu.]
De qualquer das formas, na visão de Crowley, a magia não deve servir para alcançar objectivos imediatos, mas servir de caminho, de via iniciática, para alcançar-se um grau, um horizonte, mais elevado, mais nobre, que é o da transformação espiritual do indivíduo; transformação a que ele chamou, a dada altura, de «conversação com o Sagrado Anjo da Guarda»: um elemento mais evoluído que a carne e que está presente em todos os indivíduos. Ao longo da vida, Crowley foi desconstruindo o significado de «Sagrado Anjo da Guarda» e acabou por identificar o seu com a inteligência preternatural que lhe ditara o The Book of the Law, no Cairo, em 1904: a misteriosa presença que baptizou de Aiwass e que, para ele, não era nenhum espírito, mas uma inteligência extra-dimensional, à semelhança dos Chefes Secretos da Ordem Hermética da Aurora Dourada ou os Mahatmas da Teosofia de via blavatskyana.
O facto de Aleister Crowley se ter intitulado "Besta 666" nada tem a ver com adoração pelo Diabo, porque ele bem sabia que o número 666 nada tem a ver com Satanás ou com satanismo, mas que significa, na cabala, "Espírito do Sol". No livro bíblico Apocalipse (nome que apenas significa «revelação do que está oculto»), é referido que «o número da Besta é o número de um homem e esse número é 666», porque, de facto, esse é mesmo o número do Homem, já que este foi criado por Deus no Sexto Dia da Criação, como pode ler-se no Génesis. As interpretações erróneas que colam este número ao satanismo são completamente espúrias e nada têm a ver com o significado original dessa referência. A prova de que Crowley sabia muito bem destas relações autênticas (ao contrário dos seus epígonos contemporâneos) é que numa sessão de um processo judicial que moveu contra Nina Hamnett por difamação, respondeu desta maneira ao procurador que lhe perguntou qual era o significado do nome "Besta 666": «Significa apenas Luz do Sol. Pode chamar-me Pequeno Raio de Sol».        

3 - Aleister Crowley foi fortemente anti-clerical, mas a sua ideia do nascimento do Novo Éon está impregnada de Joaquinismo

No início do século XIII, já a reforma de Císter ia a meio-gás, o movimento milenarista medieval reforça-se inesperadamente com o desenvolvimento do Joaquinismo: corrente criada em volta das ideias do frade cisterciense calabrês Joaquim de Fiore, falecido em 1202 (a Calábria é a biqueira da "bota" italiana e nessa altura fazia parte do reino da Sicília). Em essência, o modelo milenarista joaquimita consiste numa visão macro-histórica das origens e destino da humanidade, formada por Três Idades, à semelhança da Santíssima Trindade: a pretérita Idade do Pai (os eventos narrados no Antigo Testamento), a presente Idade do Filho (os eventos narrados no Novo Testamento e a Era da Igreja) e a vindoura Idade do Espírito Santo (um período emergente de profunda contemplação espiritual, perfeição e paz). Joaquim de Fiore criou esta doutrina através do estudo do livro Apocalipse e calculou que a Idade do Espírito Santo despontaria em 1260. Três anos depois dessa data, no Sínodo de Arles, o Papa Alexandre IV condenou o Joaquinismo como sendo uma perigosa heresia. Por que é que uma Idade do Espírito Santo, plena de profunda contemplação, perfeição e paz, consistia numa perigosa heresia? Embora a profunda contemplação, a perfeição e a paz joaquimitas fossem conceitos com os quais, em princípio, a Igreja não teria grandes dificuldades em lidar, Joaquim de Fiore também profetizou que a Idade do Espírito Santo traria o desmantelamento definitivo de todas as estruturas eclesiásticas - e isso é que a Igreja não podia tolerar; daí a condenação tout court do Joaquinismo (na verdade, o Papa Inocêncio III já o tinha condenado, mas apenas em parte, em 1215, no IV Concílio de Latrão). Independentemente disso, o Joaquinismo fez furor entre os franciscanos, que sempre foram, de certa forma, bastante anti-institucionais e, ao longo dos séculos vindouros, o milenarismo joaquimita provou ser um poderoso algoritmo, capaz de adaptar-se e dar sentido a um florilégio estonteante de ideias milenaristas de várias proveniências. Entre elas, o milenarismo crowleyano.
Não reste dúvidas que a narrativa apocalíptica de The Book of the Law (até este título é o mesmo nome que os judeus dão ao Pentateuco) é, em essência, uma nova versão do velho ideal milenarista, apocalíptico - em maior espessura, do milenarismo de recorte joaquimita. Na visão milenarista de Aleister Crowley, desenvolvida em The Book of the Law, pedra basilar do edifício de Thelema, as Três Idades são as seguintes: a Idade da Mãe (uma idade que simboliza uma hipotética madrugada histórica matriarcal, cujo narradora é Nuit, a deusa egípcia da Noite), a Idade do Pai (a idade das religiões patriarcais e monoteístas, cujo narrador é Hadit, noivo de Nuit) e a Idade do Filho (o Novo Éon, o início de uma nova idade cósmica, narrada por Ra-Hoor-Khuit, jovem deus rebelde e vingativo, identificado com Harpocrates: o deus grego do silêncio, baseado nas representações infantes do deus egípcio Hórus, o Sol recém-nascido). Assim, pode também dizer-se que Nuit é identificada com Ísis e Hadit com Osíris. Neste modelo milenarista contemporâneo, sincrético, a energia iconoclasta e indomável da juventude, representada pela Idade do Filho, combate com violência o poder institucional e autoritário, mas decadente, moribundo, da Idade do Pai. É, de facto, uma narrativa "revolucionária" que instiga uma mudança violenta contra o estado das coisas - daí, na altura, ter sido entendida como propaganda radical de esquerda. Para Crowley, o advento do Novo Éon, do qual ele se apresentou como profeta, na mesma linha dos profetas veterotestamentários e de Cristo, seria uma ruptura violenta acompanhada de terramotos e guerras. Quando os efeitos catastróficos se dissipassem, instalar-se-ia, como esperado e costumeiro nas ideias milenaristas, a iluminação (thelemita) num período solar de progressão espiritual.

4 - Aleister Crowley "democratizou" as práticas mágicas


No ínicio do século XX, Aleister Crowley quebrou laços com a Ordem Hermética da Aurora Dourada, na qual tinha sido iniciado poucos anos antes. Ele entrou para essa ordem numa altura em que ela estava a ser dividida internamente por culpa de um conflito pela liderança e essa conjuntura atribulada não foi de maneira nenhuma conveniente à sua integração. À parte disso, Crowley hostilizou-se rapidamente, a um nível pessoal, com alguns membros ilustres; entre os quais o poeta William Butler Yeats e o ocultista Arthur Edward Waite, co-criador do baralho de Tarot de Rider-Waite e tradutor para inglês das obras de Eliphas Levi. Em determinado momento, Crowley pôs-se do lado do líder da ordem, Samuel Liddell MacGregor Mathers, na batalha intestina pelo poder, mas não tardou a hostilizar-se com ele e, a partir daí, a saída da ordem tornou-se inevitável. No término de um período subsequente em que se dedicou ao alpinismo (liderou expedições pioneiras às montanhas Kangchenjunga, nos Himalaias, e Chogo-Ri, entre o Paquistão e a China), a viajar pelo Oriente, pelo Egipto e pelo México (onde também fez alpinismo), Crowley voltou a Londres e, a partir de 1907, com a colaboração dos amigos George Cecil Jones (outro dissidente da Ordem Hermética da Aurora Dourada) e John Frederick Charles Fuller, começou a desenvolver a sua própria fraternidade mágica/iniciática: a thelémica Argenteum Astrum (ou, simplesmente, A∴A∴), cujo lema era «The Method of Science, the Aim of Religion». Em pouco tempo, foi criado o órgão oficial de divulgação da ordem, intitulado The Equinox: uma revista corpulenta, bianual, repleta de artigos e ensaios sobre temas esotéricos. O primeiro número foi editado na Primavera de 1909 (o segundo número foi publicado, como é evidente, no Outono - daí o nome da revista). Certamente por despeito para com McGregor Mathers, The Equinox publicou bastante material referente à Ordem Hermética da Aurora Dourada, tornando público um vasto conjunto de referências que, até essa data, era coutada exclusiva dessa sociedade secreta. Na verdade, depois da Primeira Grande Guerra, numa estratégia de escapismo, a Europa devastada virou-se para o oculto e para o fantástico na literatura, nas artes e na vida privada. Toda a gente quis namorar com o oculto e a revista The Equinox foi, nesse aspecto, fundamental, porque havia popularizado, uns anos antes, todo um conjunto de temas e matérias-primas que, já embebidos no caldo cultural, foram instrumentalizados e transformados: a magia e as iniciações deixaram de ser algo mais ou menos aristocrático para, bem ou mal, serem adoptadas pelas massas. Após a Segunda Grande Guerra, o mesmo fenómeno escapista de procura pelo oculto, pelo fabuloso e pelo espiritual fortaleceu-se ainda mais e cristalizou, em definitivo, um pouco por todo o lado, durante o período psicadélico dos Anos 60 e o advento da chamada New Age. Sem a publicação seminal de The Equinox e as restantes obras de Crowley é provável que nada disto tivesse acontecido ou, então, que tivesse acontecido mais lentamente, de forma irregular.


5 - O maior elo de ligação entre Aleister Crowley e Fernando Pessoa foi a paixão pela pseudonímia

Surpreendentemente, Fernando Pessoa e Aleister Crowley tinham bastantes coisas em comum: ambos foram criaturas moldadas por um rigído sistema educacional britânico, sob o qual era mal visto os rapazes demonstrarem as suas emoções (um sistema que fez Crowley explodir e Pessoa implodir); e ambos partilharam o mesmo sentido de humor truculento, o interesse pelas letras e pelo oculto. Para Fernando Pessoa, a iniciação era «uma admissão à conversação com os anjos» e a poesia o canal que conduzia a essa iniciação; tal como para Aleister Crowley o canal para a conversação com o Sagrado Anjo da Guarda era a magia. Mas a maior afinidade entre eles foi, certamente, a paixão pela pseudonímia: Fernando Pessoa criou dezenas de «heterónimos», personagens literárias com biografias, personalidades e estilos autorais distintos, com as quais assinava a maioria dos seus escritos; e Aleister Crowley criou dezenas de pseudónimos para assinar os artigos e ensaios que publicou em The Equinox e diversas personagens com as quais escrevia sobre si próprio nos seus livros. Já em criança, Fernando Pessoa criava personalidades fictícias para assinar pequenos versos, composições ou, simplesmente, para vestir essas peles em brincadeiras com os irmãos: Chevalier de Pas, Capitão Thibeaut, Quebranto Oessus ou Adolph Moscow são algumas das personagens da infância pessoana. Já em adulto, em Lisboa, Fernando Pessoa iria assumir uma espécie de metempsicose zoomórfica através da figura do Íbis: ave pernalta que na mitologia egípcia é avatar do Deus Toth, o criador da escrita e da magia. Durante algum tempo, quando saía com a família, costumava parar de repente na rua para assumir a postura do Íbis, recolhendo uma perna e encostando o dedo ao nariz, para enorme embaraço de quem o acompanhava - era uma pantomima quasi-ritualística, à guisa de santo-e-senha de sociedade secreta. Aleister Crowley tinha, também, uma brincadeira de rua com a qual espantava os amigos e que consistia em seguir um indivíduo escolhido aleatoriamente e imitar-lhe na perfeição os movimentos; quando atingia essa sincronia, simulava uma queda, de repente, e divertia-se imenso a ver o fulano a desequilibrar-se, em grande confusão, sem perceber que força misteriosa o tinha feito tropeçar. Com todas estas afinidades é espantoso que Fernando Pessoa e Aleister Crowley não tenham ficado mais amigos, aquando do encontro de ambos na Lisboa de 1930. É que apesar das semelhanças, existia uma enorme diferença: Crowley era um homem do mundo, um viajante, um extrovertido; Pessoa era um cidadão do imaginário e só viajava por algumas ruas da Baixa Pombalina. Nem Pessoa seria capaz de acompanhar Crowley, nem Crowley seria capaz de ficar quieto para fazer companhia a Pessoa. Vejam bem como uma única diferença pode escavar um fosso tão grande entre duas almas tão parecidas.

6 - Fernando Pessoa era vaidoso e vendia livros velhos para comprar roupas novas

A imagem de um Fernando Pessoa farroupilha, divulgada em grande medida pela popular biografia escrita pelo seu amigo João Gaspar Simões, é romântica, mas não corresponde à realidade. É verdade que Fernando Pessoa passou muitas vezes por dificuldades económicas e que acumulou dívidas de grandeza considerável, mas, felizmente, nunca se viu numa situação de miséria. De facto, nos períodos de maior aflição financeira, não teve pudores em vender livros já lidos, de modo a reunir algum dinheiro: grande parte gasto na compra de roupas novas e acessórios diversos nas mais requintadas casas de Lisboa, como a Camisaria Pitta. Os depoimentos de familiares e amigos são unânimes em esclarecer que Fernando Pessoa «andava sempre bem arranjado», «sempre de camisa muito bem engomada» e que «gostava de vestir com um certo rigor». Ele foi aquilo que na gíria da altura se chamava um "janota", mas ser um janota não era nada barato e sabe-se que Fernando Pessoa até teve uma conta muito esticada num dos mais conceituados alfaiates da cidade, a casa Lourenço & Santos, Lda. Aliás, é o próprio Fernando Pessoa que nos revela, às tantas - com humor -, a sua vaidade, numa passagem que deixou no diário, na entrada escrita a 30 de Novembro de 1915: «À noite fiquei satisfeito por ouvir duas referências diferentes (do Côrtes-Rodrigues e do Perdigão) ao facto de eu estar bem vestido (Oh! Eu!)». Acrescente-se nesta altura que, em Março de 1935, Fernando Pessoa recebeu a quantia de 5000$00 pelo prémio literário Antero de Quental, atribuído pelo Secretariado de Propaganda Nacional e concedido à sua obra Mensagem, publicada no ano anterior a 1 de Dezembro. Ora, oito meses depois de receber esse dinheiro, Fernando Pessoa viria a falecer no Hospital São Luís dos Franceses, no Bairro Alto (provavelmente de pancreatite). Seria reconfortante pensarmos, nós que somos seus admiradores, que Fernando Pessoa viveu os seus últimos meses num justíssimo desafogo que nunca conhecera, mas o facto de ele ter morrido sem deixar dívidas demonstra que gastou grande parte do prémio a saldá-las.

7 - Fernando Pessoa foi um inventor amador

Uma das actividades mais ignoradas pelo público a que Fernando Pessoa se dedicou foi a de inventar novidades - algumas surpreendentes - que pretendia patentear e comercializar. A maioria desses inventos, como os inventos de Da Vinci, nunca saíu do papel, mas entre eles contam-se, por exemplo, um projecto para um novíssimo tipo de carreto para máquinas de escrever, uma inovadora pasta para guardar documentos, um inédito anuário comercial, o Anuário Sintético, nova versão de umas Páginas-Amarelas, e até interessantes jogos temáticos de mesa, sobre futebol, críquete e, ainda, astrologia. Porém, um dos inventos que mais galvanizou Fernando Pessoa foi uma espécie de "carta-sobrescrito" que, segundo suas palavras, seria «a morte do envelope». Após várias experiências, chegou a um feitio que o satisfez e que descreveu com minúcia para efeito de registo de patente (que, provavelmente, nunca pediu). Consistia numa folha de papel dividida em seis partes: na primeira, escrever-se-ia o endereço do destinatário da carta; na segunda, o do remetente; e as restantes partes destinar-se-iam à escrita da mensagem. Esta "carta-envelope" inventada por Fernando Pessoa prefigura, de modo estupendo, o célebre aérogramme (aerograma) que seria comercializado poucos anos depois. Com um bordo gomado que, dobrado e colado, permite salvaguardar de olhos alheios aquilo que nele for escrito, o aerograma é uma única folha - carta e envelope, em simultâneo - que, como o nome indica, se envia por correio-aéreo. Foi desenvolvido pelos exércitos, durante a Segunda Grande Guerra, mas, em seguida, popularizou-se com êxito pela sociedade civil. Se Fernando Pessoa tivesse patenteado o seu invento da "carta-envelope", seria conhecido hoje, justamente, como poeta e como inventor - como inventor do aerograma, pelo menos. Então e o seu futebol de mesa?... Segundo a versão oficial, o futebol de mesa (os matraquilhos) foi inventado em 1921 pelo inglês Harold Searles Thornton, mas, na verdade, os nobres europeus já jogavam uma espécie de futebol de mesa nos salões dos seus palácios, desde meados do século XVIII (numa das salas do Convento de Mafra pode ver-se uma dessas mesas setecentistas de matraquilhos, com intrigantes figuras esculpidas em madeira), logo não podemos atribuir esta invenção a Fernando Pessoa, como lhe poderíamos facilmente atribuir a do aerograma. Compreendam que um homem, por mais genial que seja, não pode estar sempre à frente do seu tempo.

8 - Foi o slogan criado por Fernando Pessoa para publicitar a Coca-Cola que fez com que esta bebida fosse proibida em Portugal

Em 1925, o empresário Manuel Martins da Hora fundou a Empresa Nacional de Publicidade (a primeira agência de publicidade portuguesa), com a colaboração de Fernando Pessoa (segundo as suas palavras até foi Pessoa «a tratar disso» - calcula-se que se referia à "papelada") e com capital social da parceira norte-americana General Motors, mas o empreendimento com a empresa automobilística não arrancou e, seguidamente, fundando uma nova parceria, Martins da Hora tornou-se o representante português da agência internacional de publicidade John Walter Thompson (JWT), mantendo Fernando Pessoa como colaborador (uma colaboração que durou até Setembro de 1935). Por alturas de 1928, Carlos Eugénio Moitinho de Almeida, que também era patrão de Fernando Pessoa, tornou-se o agente português da marca Coca-Cola (conta da JWT) e o poeta foi incumbido de criar a propaganda comercial do refrigerante. Para o efeito, inventou o slogan «Primeiro, estranha-se. Depois, entranha-se». Porém, o médico e professor Ricardo Jorge, na altura Director de Saúde de Lisboa, não apreciou a truculência de Fernando Pessoa, que considerou ser uma descrição fidelíssima do modo insidioso como o organismo se viciava em drogas - primeiro estranhava-as, depois ganhava-lhes habituação: em suma, o slogan pessoano expressava «a toxicidade do produto», derivada do infame composto de coca. Por ter-se alarmado com o slogan inventado por Fernando Pessoa, Ricardo Jorge confiscou o produto e mandou-o atirar ao mar, proibindo taxativamente a introdução da Coca-Cola no mercado português. Somente quarenta e nove anos depois, em 1977, é que essa bebida começou a ser comercializada em Portugal - já com o malquisto slogan de Fernando Pessoa completamente esquecido. 

9 - O livro Mensagem foi mal recebido pela Esquerda e pela Direita

A publicação do livro de poesia Mensagem, a 1 de Dezembro de 1934, vencedor do prémio Antero de Quental, atribuído pelo Secretariado de Propaganda Nacional, confundiu negativamente os admiradores de Fernando Pessoa e, também, os Situacionistas: estes, por seu lado, não gostaram do "nacionalismo místico" - esquisito - do livro, completamente apartado de substrato e referências políticas, tanto directas como indirectas, achando-o uma fantasia sem pés nem cabeça; e os outros não gostaram que Fernando Pessoa se estreasse em livro com um texto que, a seus olhos, o cunhava como apenas mais um Situacionista (quando morreu, as notícias do óbito nos jornais foram unânimes em descrevê-lo como «grande poeta nacionalista») e, ainda por cima, que era desprovido da inventividade de forma e linguagem já demonstrada nos vários trabalhos assinados com os seus heterónimos. Embora Fernando Pessoa fosse um desconhecido para a generalidade do público e invisível para grande parte da crítica literária, tinha muitos admiradores entre escritores e artistas, que o respeitavam e, em certos casos, o olhavam como um mestre. Este conjunto de seguidores desgostou muitíssimo da obra Mensagem, na qual não reconheceu o vanguardismo tão apreciado na restante obra de Fernando Pessoa. O próprio sentiu-se embaraçado pelas reacções negativas e tentou explicar-se sem grande êxito diante dos amigos: Mensagem não tardou a cair no esquecimento. Todavia, mais tarde, o livro foi recuperado por um público e por uma crítica despoluídos de fantasmas de época e hoje é justamente celebrado, paralelamente a Os Lusíadas de Luís de Camões, às obras de Fernão Lopes, de D. João de Castro e de António Vieira, como sendo o livro que melhor representa, nas suas dimensões históricas e míticas, aquilo que é Portugal - nome que esteve quase para ser o seu título. Obra aparentemente simples, escrita ao longo de duas décadas (começou a ser escrita em 1913), esconde na sua estrutura e ritmos uma enorme complexidade temática e filosófica que demonstra toda a cultura e inteligência pessoanas.

10 - Existe um retrato a óleo de Fernando Pessoa para o qual ele, de facto, posou 

Está exposto na Casa Fernando Pessoa, no bairro de Campo de Ourique, em Lisboa. É a imagem de Fernando Pessoa que podem ver reproduzida acima neste artigo: trata-se de um quadro a óleo, pintado em 1912 por Adolfo Rodriguez Castañé: artista do círculo de Almada Negreiros e Stuart de Carvalhais, que trabalhou como decorador e como ilustrador para publicidade. Também fez bandas desenhadas para o Pim-Pam-Pum! (suplemento do jornal O Século), colaborou com o Topa a Tudo e com a revista Seara Nova. Em 1912 e 1913, participou no primeiro e no segundo Salões de Humoristas de Lisboa. Pessoa foi seu amigo: encontraram-se muitas vezes nos cáfés de Lisboa que aquele costumava frequentar e também em casa de Almada Negreiros. Nasceu em Madrid, a 6 Fevereiro de 1887, mas veio aos cinco anos com os pais para Portugal: a mãe era soprano e o pai era arquitecto. Fernando Pessoa foi uma figura bastante caricaturada pelos seus amigos artistas, como Almada Negreiros e Alberto Cutileiro. Outro retrato de Fernando Pessoa feito por Castañé, mas caricatural, foi publicado, também em 1912, na primeira página do jornal República.