terça-feira, 10 de junho de 2014
«Terminal Tower» de André Coelho e Manuel João Neto
sexta-feira, 9 de outubro de 2009
Crítica a "Scorpio Rising" (e não só)

Sob o olhar de Pires, cujo Scorpio Rising consiste na publicação em livro da sua tese de mestrado em Estudos Americanos (Universidade Aberta), é nos mostrado que a cultura americana existe, de facto, mas que se trata de uma cultura ready made, usada na maioria das vezes como aríete.
Em conversas com amigos costumo dizer-lhes que a cultura americana até parece ser de esquerda, pois dirige-se sempre à ruptura e à mudança, mas isso, num país que ainda por cima não nenhumas tradições nem partidos de esquerda, pode ser entendido como um quadro fortalecido por imensos factores: a própria adolescência do país, quando comparado com a vetusta Europa (em sentido figurado: quem é que quer ser "de direita" aos quinze anos?), a constatação de que foi colonizado por peregrinos de raiz protestante que têm um pavor ingénito a tudo o que cheira a institucional e o isolamento geográfico face ao continente europeu.
Penso que é essa desconfiança sentida por qualquer espécie de cartilha institucional que faz da cultura americana uma espécie de "fartar vilanagem" pop: tudo é descontextualizado, tudo é dissolvido, interrogado e coagulado em novos formatos e linguagens. É por essa razão que, por exemplo, no filme Scorpio Rising assistimos a um entretecimento entre as iconografias nazi, gay e cristã, numa amálgama que nunca poderia ter sido sequer pensada por um europeu de 1964, ano em que esse filme de Anger foi realizado. Um escritor como Burroughs, para citar outro exemplo, nunca poderia ter nascido na Europa, assim como Anger é um cineasta essencialmente americano. Hoje em dia, com a velocidade a que se processam os cruzamentos de referências, as coisas não serão bem assim, mas nos anos sessenta, época em que não existiam os meios de comunicação e disseminação de mensagens que possuimos à nossa disposição, este carácter distintivo entre aquilo que é um modo de pensar europeu e um modo de fazer à americana apresentava distinções bem definidas, até conservadas sob visões mais ou menos preconceituosas sobre o que é a Alta ou a Baixa cultura.
Por conseguinte, ao ler Scorpion Rising de Pires de comigo envolvido numa espécie de debate muitíssimo interessante, porque nem sempre concordei com as propostas da autora, mas, ao mesmo tempo (e é para isso que servem os livros) também encontrei matéria de reflexão. A conclusão é que Scorpio Rising faz bem à cabeça: está muito bem feito, com uma sólida argumentação e ainda melhor documentado. É sempre um grande prazer ler livros escritos por quem sabe do que está a falar e Pires é um bom exemplo dessa premissa. Todavia, não existe em Scorpio Rising um único pensamento que se aventure a "sair da caixa". Uma consequência da sua prévia encarnação enquanto tese (nas quais quase nenhum raciocínio pode ser formulado sem ser apoiado por documentos existentes)? É possível - e esse é o ponto fraco de Scorpio Rising. Os pontos fortes são os momentos em que Pires discorre sobre Arte Popular, Arte Pop, culturas mainstream e underground, linguagem cinematográfica e a herança de Anger.
Entre outros excertos de mérito, posso citar este: «A falta de impacto comercial do cinema alternativo reside no condicionamento alienante das massas populares do cinema mainstream financiado por produtores, políticos e lobbies económicos a quem não convém a abertura das "portas da percepcção" (cf Aldous Huxley) desse público, preferindo o êxito fácil de melodramas sentimentalistas, pornografia e comédias de baixo coturno, divulgadas pelos mass media - um quase terrorismo cultural totalitário que tem contaminado a Cultura Popular. Pelo motivo acima apontado, o cinema de vanguarda é visto pelo público como um alienígena subversivo e complicado de entender, algo que está acima do comum espectador, como por vezes se ouve em sondagens de rua. Contudo, convém não generalizar em termos de qualidade, que todo o cinema vanguardista é bom e que todo o cinema tradicional é mau. Assim como foi dito em relação às subculturas juvenis, nem todas tiveram qualidades positivas pois nada fizeram para apresentar soluções alternativas ao Sistema. Também é importante registar que sem cinema mainstream não teria havido cinema avant-garde, pelo que foi possível a este ir ao fundo das questões high/low cultures, sem entraves económicos, políticos e artísticos» (pgs. 120-121).
Neste excerto encontram-se várias questões importantes que podem ser dirigidas, também, à literatura.
O livro Scorpio Rising é, pois, uma bela proposta conjunta da Chili Com Carne e da Thisco, que vale muito a pena ler e cujo tema de análise abre canais de comunicação para outros assuntos. Um título que foi referenciado na revista Os Meus Livros deste mês.
Não posso deixar de destacar o excelente design de edição (João Cunha) para a luxuriante capa ilustrada pelo artista João Maio Pinto. Anger iria gostar...
O título, que também é o de uma música da banda-sonora do filme Christmas on March (realizado e produzido pela banda The Flaming Lips) não é tão intrincado quanto os desenhos dendriformes de Maio Pinto, artista que tem um talento verdadeiramente paganiniano para desenhar cenas convulutas sem as transformar em objectos amorfos. Esta é, apenas, uma pequena amostra do seu belíssimo trabalho e capacidades artísticas, claro, mas sobre ela muito bem pensou Pedro Moura, crítico de BD que escreveu uma crítica a esta proposta de Pinto que eu vos convido a ler.

sexta-feira, 26 de junho de 2009
Feira Laica para todos

A feira abre às 14H00, nos dois dias. Fecha às 21H00 no Sábado e às 19H00 no Domingo.
Não faltem!
quinta-feira, 14 de maio de 2009
Recomendações culturais a não perder

O livro será apresentado por Carlos Vidal (crítico de arte) e Fernando Cerqueira (co-editor).
A capa é da autoria do ilustrador João Maio Pinto.

A primeira das novíssimas Conferências de Lisboa é assegurada pelo historiador José-Augusto França, um luminoso pensador. A conversa começa às 18H00 e a entrada é livre.
Acompanhem o site do evento para ficarem a saber quais serão os convidados e os temas das futuras palestras.
terça-feira, 21 de outubro de 2008
Banda Desenhada alternativa

As bandas desenhadas de Marcos Farrajota fascinam-me. Suspeito que a arte dele afaste alguns leitores, amantes de um traço mais perfeito (seja lá isso o que for…), mas eles é que ficam a perder: a perder histórias recortadas por um humor brut, mas inteligente. Na verdade, o registo autobiográfico das bandas desenhadas que se podem ler em Noitadas, Deprês e Bubas, resgatadas de fanzines e reeditadas em boa hora, tem uma lucidez desarmante.
Vocês sabem o que eu penso das histórias autobiográficas (e o Marcos, também...), logo a minha aprovação deste florilégio de deambulações nocturnas, episódios boémios e personagens bizarras pode surgir como uma surpresa, mas, de facto, não há motivo nenhum para se surpreenderem: é que as histórias, autobiográficas que sejam, são mesmo boas. E honestas! No meu glossário, a honestidade intelectual conta muito.
A personagem Marcos Farrajota observa o mundo à distância, mas não com cinismo; prefere ver a participar, é certo, pelo menos no que diz respeito a comprometer-se com cretinos, mas não tem medo de sujar as mãos quando o prémio vale a pena. E se, às vezes, acaba por ser desiludido, fala sobre isso com uma candura que não seria de esperar em apontamentos desta natureza. Mais: quando fala, fá-lo com piada. As histórias de Noitadas, Deprês e Bubas são divertidíssimas.
Não fazia ideia que o dilema entre comer ou não comer meia-dúzia de migalhas de pão poderia ser tão dilacerante, nem estava à espera de encontrar uma exposição tão transparente sobre um acto solitário (ainda bem...) de onanismo... Isto, meus amigos, não é a BD autobiográfica comum que aborrece e desanima: é na minha opinião, pura “BD Gonzo”, híbrida entre o egocentrismo de Hunter S. Thompson e a semi-psicopatia de Larry David.
Felizmente, é, também, um documento importante para se compreender o modo como a BD alternativa portuguesa deve bastante ao trabalho de Farrajota, tanto no que diz respeito à sua divulgação, como à inspiração. Eu bem sei que o Marcos gosta de apresentar as bandas desenhadas dele como peças brutas, mas no que diz respeito ao saber-fazer, elas pouco têm de “bruto”: estão muitíssimo bem elaboradas. Ele sabe, mesmo, contar uma história e isso é que faz uma boa BD.
Bem-vindos ao mundo da personagem Marcos Farrajota. Vale bem a pena conhecê-la.