terça-feira, 25 de julho de 2023

Marginália e Imaginário virtual no site da revista LOUD!


 Lembro aos meus leitores que no site da revista LOUD! poderão acompanhar a minha rubrica mensal Marginália e Imaginário, na qual escrevo sobre aspectos, acontecimentos e personagens pouco conhecidos, além de episódios insólitos e extraordinários da historiografia. 

Este mês, por exemplo, apresento-vos os Gatos Instruídos, mas no arquivo poderão ler ou reler muitos outros artigos e histórias.

Sobre a Amizade

O reconhecimento do indivíduo como sendo um amigo resulta de alcançar-se uma especial transcendência sem a qual não existe integração do outro. A minha perspectiva, que é a de alguém que estuda o Humano e o Não-Humano em todas as acepções, é a de que essa integração só acontece quando o indivíduo perde a forma e se abstractiza em pura ideia. 

Com efeito, percepcionamos a nossa própria forma de maneira parcelar, abstracta ou até invisível — um mapa mais completo é sempre uma forma imanente do espelho, da fotografia, feitiços que evidenciam a realidade de o Eu ser transparente, amorfo, interior, secreto, arisco a representações. Olha-se para o espelho, olha-se para a fotografia e pensa-se que o Eu não está nessas imagens: de algum modo, no acto da estampagem, ele fugiu, metamorfoseou-se, disfarçou-se ou converteu-se em algo com que não nos identificamos verdadeiramente. O fantasma da Mente, essa chispa frágil a que chamamos o Eu abandonou essas intersticiais representações, se é que, alguma vez, tenha nelas residido. Vemos e sentimos através do Eu, da nossa identidade, da nossa história pessoal, mas não o vemos: é uma película imaterial, incicatrizável.

Assim, essa espectral e coloidal entidade, sem forma, talvez simbólica, mas certamente metafísica, só entende, só comunica, através da linguagem da diafanidade — gramática de celofane, segundo a qual o Humano e o Não-Humano são rebatidos num único e unidimensional plano de existência. Aí, o Ele não tem forma: tal como o Eu, ele transforma-se em pura ideia; e, como tal, é integrado na nossa identidade como um Amigo, como indissolúvel parte de nós.

Inseparável do Sujeito, do Eu, o Ele é observado na sua dimensão simbólica, metafísica, fantástica. Em particular, o Não-Humano, porque exige uma maior faculdade de abstractização, uma maior sensibilidade — um maior talento. A maior alegria de integrar o Não-Humano na nossa transparência, na nossa invisível plasticidade, esse domínio de fantasia e sonhos — onde se voa e se vence a Morte, ambas capacidades não-humanas — é vê-lo a aproximar-se não como Não-Humano, mas como Amigo.

Sem forma, sem qualquer substancial, palpável, catalogável subdivisão, mas tão incorpóreo e simbólico quanto o Eu, do qual é agora inseparável. 

A maior emoção, a maior felicidade é a de não ver um animal, não ver quatro patas, não ver um cão ou um gato ou uma ave, não ver formas, não ver pêlo nem penas, mas ver um Amigo.


Velhos são os trapos

 

A melhor conclusão para a saga de Indiana Jones já foi realizada em 1989 e intitula-se Indiana Jones and the Last Crusade: em cerca de duas horas de duração, esse filme dá-nos a ilusão de que se esteve uma tarde inteira na sala de cinema — e eu, por acaso, vi-o no cinema (nunca esquecerei a bicha enorme para os bilhetes, que dava a volta ao quarteirão — coisas que hoje parecem pertencer à Antiguidade escavada pela personagem). Os três primeiros filmes de Indiana Jones têm em comum uma sequenciação fora-de-série e um sentido grandioso do espectáculo que, hoje, também parecem ser relíquias de tempos idos: até Indiana Jones and the Temple of Doom (o menos bem conseguido dos três, acho eu) abre com uma espantosa e perfeitíssima sequência musical que transporta de imediato para uma dimensão superior de espectacularidade. Outra característica que infelizmente também parece perdida algures num armazém cheio de caixotes é a intensidade (e violência) das cenas de acção e as pequenas bizarrias que nelas iam aparecendo e que somadas agigantavam os filmes para um patamar mítico. São apenas algumas características a que a saga nos habituou e que não estão presentes em Indiana Jones and the Dial of Destiny.

Este quinto e último capítulo da saga de Indiana Jones apresenta-se, felizmente, como uma nova aventura a sério e não como um patusco filme de homenagem à la Indiana Jones and the Kingdom of the Crystal Skull, mas o reiterado receio de fazer um filme tão politicamente incorrecto (e intenso) quanto os primeiros transforma o que poderia ser um desfecho grandioso para esta querida personagem num filme que, infelizmente, não se distancia muito de outras fitas actuais de acção e aventura, conservando, ainda assim, um encantador charme nostálgico que só peca por não ser ininterrupto. Que saudades do ritmo vertiginoso e imprevisível dos três primeiros filmes e da fotografia gritty, mas luxuriante de Douglas Slocombe.