Mostrar mensagens com a etiqueta O Evangelho do Enforcado. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta O Evangelho do Enforcado. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 31 de maio de 2021

Sobre as dalmáticas azuis de São Vicente nos ditos Painéis de São Vicente de Fora

É fascinante a recente descoberta (notificada no jornal Público do passado dia 25 de Maio) de que nos painéis ditos de São Vicente de Fora, de autoria atribuída ao artista Nuno Gonçalves, o protagonista em duplicado (vulgarmente identificado como sendo esse santo) já envergou numa fase preliminar paramentos pintados de azul.
 
Na peça em que se dá prova do novo facto é lembrado que no Livro de Horas de D. Duarte existe uma iluminura na qual São Vicente também veste uma dalmática azul — mas no mesmo livro outras figuras, superiores e inferiores ao estatuto do mártir de Saragoça, vestem igualmente de azul; desde a Virgem (como seria de esperar), como alguns camponeses e até os sicários do rei Herodes. Criado no primeiro quartel do século XV (entre 1400 e 1430) na cidade de Bruges, este códice expressará ainda a trecentista cromofilia flamenga que mutaria de gosto no decurso da centúria seguinte, em que o azul foi, progressivamente, sendo substituído pelo preto como a cor aristocrática, por excelência — moda que se espalhou e perdurou por quase toda a Europa durante boa parte da Época Moderna. Aliás, já no século XVI, a rainha Isabel I de Inglaterra proibiu o uso da cor azul. No setentrional cosmos protestante, o preto é, superlativamente, a cor moral. (Na verdade, a afirmativa emergência do preto como a cor mais digna do espectro pode ser traçada desde a promulgação de certas leis trecentistas e quatrocentistas contra o luxo: as leis sumptuárias que tinham como objectivo regular o vestuário e os acessórios.)
 
De facto, o azul foi uma cor impopular — e até observada com desconfiança — ao longo de grande parte do período denominado de Idade Média: arreigadas aos costumes greco-romanos, as cada vez mais consolidadas elites reais e respectivas nobrezas privilegiavam a tríade clássica de branco, vermelho e preto, reservando, por vezes, algum destaque para o verde; nas representações artísticas, inclusive, o azul é inexistente — até como cor do céu. Foi, certamente, por via da indústria do pastel dos tintureiros, muitíssimo utilizado nas manufacturas de vitrais e de objectos de vidro que o azul, em principal nas primeiras décadas do século XII, foi associado nas igrejas à Luz Divina, como uma manifestação visual da imaterialidade. Para a nova associação contribuiu o pensamento gótico do abade Suger; com efeito, é a partir do tempo de Suger, do dealbar do Gótico, a Arte da Luz, que o azul logra sobrematizar o próprio manto mariano (que até à data era, muitas vezes, preto) e até transmutar-se em cerúleo avatar de França: a cor da corte e da nação. Não obstante, nesse período a popularidade do azul não se traduziu na sua celebridade — e permaneceu fora da paleta de outros reinos. Quanto a paramentos, o azul não se inscreveu como cor litúrgica no catolicismo, ou seja no Rito Romano; sem embargo de se encontrarem vestes cerimoniais azuis, por exemplo, na igreja de Inglaterra do século XIV, ainda em fase de difusão insular do Gótico.
 
O azul foi, em suma, uma cor de tradição francesa e flamenga — e neste caso até finais de Trezentos. Para a Flandres, e não só, o século XV já era o do preto. Assim, as dalmáticas azuis de São Vicente nos painéis consistem num “mistério” estimulante e que, certamente, vem sugerir interpretações que até agora têm estado em suspenso: uma delas, que eu não defendo (faltam elementos), mas que mantenho sem nenhuns problemas em aberto, é a de que os Painéis de São Vicente não são portugueses e podem, inclusive, representar uma camarilha de figurantes cuja identidade de grupo nos escapa à decifração. Lembre-se que Francisco d’Ollanda — que viu os Painéis na Sé de Lisboa e escreveu sobre eles — descreve esta obra como sendo insigne em «tempo mui bárbaro», porque na altura da sua concepção (século XV) os artistas portugueses só queriam imitar o estilo flamengo e desconsideravam o italiano: ora, na sua óptica, os ditos Painéis de São Vicente da Sé iam em sinal contrário, aproximando-se da arte italiana e não da flamenga — como exsuda do políptico aqui sob observação, que nos mostra toda uma gramática visual e encenação flandrinas.
 
(Abaixo segue a imagem de um excerto das notas finais do meu romance O Evangelho do Enforcado (Saída de Emergência, 2010), nas quais reflecti, precisamente, sobre a problemática da identificação das personagens dos Painéis e a proveniência destes.
Este texto foi publicado originalmente no passado dia 28 de Maio na minha página de Facebook.)

 

 

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Recordando os três santos mártires de Lisboa


Porque hoje vieram à conversa os três santos mártires de Lisboa, Júlia, Máxima e Veríssimo, publico aqui um excerto de um texto inédito que escrevi sobre eles. Os meus leitores que se lembram das versões ficcionadas que criei destas personagens no meu romance O Evangelho do Enforcado (Saída de Emergência, 2010) poderão, assim, complementar esses constructos com esta perspectiva factual e histórica (além da leitura, claro, dos apêndices do romance, que também contém muita informação).

«É provável que o registo mais antigo sobre a lenda destes três santos mártires seja a narrativa contida no Martirológio do monge beneditino Usuardo, terminado em 875 (o livro, neste caso; embora o monge também tenha falecido nesse ano). Ora, cerca de dezassete anos antes, Usuardo esteve na península e não é nada extravagante que tenha recolhido informações sobre os cultos prestados aos mártires pelas comunidades cristãs do Al-Andalus; entre as quais, conjectura-se, a de Al-Uxbuna. A história desses três santos não é, em síntese, nem original, nem dissemelhante dos restantes relatos de martírios ocorridos durante o período das perseguições dioclecianas, como comprovam, por exemplo, as histórias de Santa Eulália em Mérida, São Félix em Gerona, Santa Engrácia em Saragoça, Santa Leocádia em Toledo, Santa Rufina e Santa Justa em Sevilha, São Vicente, Santa Sabina e Santa Cristeta em Ávila (os últimos, martirizados de modo análogo a Veríssimo, Máxima e Júlia, desempenham em Évora um papel muitíssimo semelhante a estes). Em síntese, é-nos contado como os três irmãos recusaram renegar a fé cristã diante das autoridades romanas e foram, em consequência, postos no potro, escarnificados com garras de ferro e decapitados. Segundo a lembrança popular, os corpos foram arrastados até à beira-rio (para um local onde hoje, em plena Calçada Ribeiro Santos, podemos erguer o olhar e ver, a Ocidente, as torres sineiras da igreja paroquial de Santos-o-Velho) e deitados à água, perto de Almada. Pese terem sido laçados a enormes mós, os corpos mutilados voltaram à margem onde tinham sido embarcados e, de imediato, uns devotos recolheram-nos numa rude ermida, por eles construída no cume da colina. Esse local de devoção divulgou-se e deu espaço a uma igreja que, supõe-se, serão as ruínas descritas por Osberno. Em similitude, também é tradicional contar-se que ainda não tinha assentado a poeira levantada pelos cruzados durante a conquista da cidade e D. Afonso Henriques já ordenava a reconstrução da igreja, mas, de facto, essas notícias não mencionam nenhumas relíquias. Estas surgiram mais tarde, referidas na doação que D. Sancho I fez dessa igreja à Ordem de Sant’Iago, em 1194, na qual expressou que era a casa em que repousavam os restos mortais de Veríssimo, Máxima e Júlia: «quorum corpora ibi requiescunt». Contudo, o culto das relíquias só ganhou dimensão no século XIII, com as diligências das freiras de Sant’Iago

(…)

o culto dos três santos mártires sobrepujou-se ao culto do próprio São Tiago, tornando-se um dos mais populares de Lisboa. Tão popular que, em 1470, D. João II mandou construir, sobre uma pequena ermida dedicada à Nossa Senhora do Paraíso, ao sítio de Xabregas, um novo mosteiro para as Donas (como também são chamadas as comendadoras de Sant’Iago), porque o de Santos se tornara pequeno: vinte anos depois, a 5 de Setembro, realizou-se a mudança na configuração de uma prodigiosa procissão que escoltou a transferência das relíquias dos três santos mártires para o lado oposto da cidade. Escreveu o cronista Rui de Pina que estas seguiram numa arca dourada e, com efeito, ainda estão guardadas numa arca dourada; decorada com as armas reais de D. João II, que se encontram entrelaçadas por uma intrigante composição artística, prefigurante dos acabamentos da moda manuelina. Esse novo convento não era o actual convento de Santos-o-Novo, embora este (mandado construir no início do século XVII por Filipe II de Portugal) se situe na vizinhança: em rigor, somente um pouco mais acima da velha Estrada do Vale de Xabregas, actual Calçada da Cruz da Pedra, onde está o arco da entrada com o brasão da ordem. É um mosteiro que tem a interessante particularidade de ser um dos únicos que não foi vandalizado depois de 1834: data da extinção das ordens religiosas. Nessa altura, apenas as ordens masculinas tiveram ordens de abandonar os seus ascetérios, porque o estado comiserou-se das monjas e convencionou que as sorores poderiam residir nos seus cenóbios até que a última freira falecesse. No entanto, não será exagero sugerir que o facto de este convento ter estado anexado à chancelaria das ordens militares (desanexou-se em 1934) ajudou, certamente, à conservação do espólio osteológico. Mas de que tipos de ossos estamos a falar?

As análises realizadas a essas relíquias demonstraram que a maioria dos ossos guardados na arca joanina nem sequer são humanos: são de cordeiro. Existem, na realidade, restos mortais – ossos e dentes – de, pelo menos, duas crianças e cinco adultos, mas todos do sexo masculino e com idades que vão dos sete aos oitenta anos. Estas ossadas foram datadas como pertencendo a um espectro compreendido entre os séculos VI e o X. O relicário também conserva um osso de vitelo, um osso de porco, dois ossos de coelhos e treze ossos de aves que não foram identificadas.» 


terça-feira, 26 de abril de 2016

Redescobrindo a Rua Nova dos Mercadores


No ano passado foi editado um excelente livro sobre a quinhentista Rua Nova dos Mercadores, em Lisboa, intitulado The Global City. On the Streets of Renaissance Lisbon, editado por Annemarie J. Gschwend e Kate J. P. Lowe (Paul Holberton Publishing). Nesse actualizado e apurado volume pode ver-se, no capítulo "Reconstructing the Rua Nova: The Life of a Global Street in Renaissance Lisbon", de Annemarie J. Gschwend (pp. 101-119), diversas primorosas reconstruções digitais da Rua Nova, feitas por Laura Fernández-González e Harry Kirkham, das quais mostro aqui dois exemplos. Escolhi essas imagens, porque me deixaram emocionado: em primeiro lugar, por consistirem em perclaras janelas para o passado de Lisboa, cidade a cujo estudo tenho devotado tanto labor e amor; em segundo, porque são instantâneos perfeitos da cidade que imaginei quando escrevi os meus romances Lisboa Triunfante e O Evangelho do Enforcado. Baseei as minhas descrições da Rua Nova em iconografia e relatos de época, mas observar como estas recentes reconstruções digitais da Rua Nova se aproximam muitíssimo do que escrevi é comovedor. Assim, para recordação ou descoberta de leitores e amigos, deixo aqui umas transcrições dos meus romances, ilustradas pelas reconstruções digitais da Rua Nova.

«Apesar da abundância de gente que enchera a arena do Terreiro do Paço para ver o combate dos colossos, a Rua Nova dos Mercadores estava pejada de pessoas aquela hora. O mercado da hortaliça e da fruta, mais o do pão, enchiam-se de citadinos que queriam comprar o maior número possível de alimentos antes que os preços voltassem a subir; os novos-ricos saíam e entravam nas joalharias e das ourivesarias, ora para comprar, ora para penhorar. A vozearia de comerciantes e clientes ecoava pelas arcadas harmoniosas que serviam de lojas e sustinham os edifícios de três andares; nas paredes coloridas podia ver-se palavrões e caricaturas garatujadas a carvão e giz. A estrada de terra batida estava atulhada de detritos e emporcalhada pela água suja que as escravas despejavam para o chão, mas em nenhum lado o pivete era pior que na praça e no açougue – era impossível não passar pelas bancadas do peixe e da carne sem ficar sujo de sangue e escamas. Vendilhões ambulantes furavam caminho entre os indivíduos, incluindo os magríssimos mestiços do Norte de África que deambulavam com um pequeno forno de ferro à cabeça e assavam línguas de borrego por três reais e meio; traziam-nas dentro de um saco que levavam as costas, mas também cozinhavam a carne e o peixe que os clientes compravam no mercado. Quando o elefante invadiu a rua ninguém deu por ele até se ouvirem os gritos das primeiras pessoas a serem empurradas.»
(In SOARES, David, Lisboa Triunfante, Parede, Saída de Emergência, 2008, pp. 268-269.)

«Casas de pedra e madeira erguiam-se voltadas para o rio Tejo, tão tortas quanto as próprias elevações sobre as quais se equilibravam; em direcção à linha da água, a pouquíssima distância das muralhas coroadas de líquenes, as ruas estreitas tornavam-se exíguas e a imundície sedimentava-se em estratos graúdos que encapotavam o chão de terra batida. Algumas artérias de maiores dimensões, como a eritematosa Rua Nova, possuíam pavimentos; mesmo assim, se apresentassem uma cota mais elevada, os caminhos calcetados costumavam ser cobertos com areia para que as ferraduras das bestiúnculas não deslizassem nas lajes de pedra. O barulho era ininterrupto: sinos e chocalhos vascolejantes, guinchos das rodas de carroças e carretas, cerca de quarenta mil pessoas a conversar, a berrar e a rir. Baratas saltavam de frinchas. Cães bebiam os próprios reflexos em poças de água choca. Homens agarravam em copos de vinho.
(…)
'A alma é um mecanismo, sujeita aos fins para os quais foi criada', pensou Nuno, ao caminhar sozinho pelas ruas de Lisboa, pela primeira vez em cinco anos. 'Essa é uma verdade que deve ser levada muito a sério.' O Sol forte magoava-lhe a vista, mas que dor tão doce era essa. Como mel – e tão dourada quanto ele. 'Acho que… que vou passar na Rua Nova.'
Encontrou uma nova Rua Nova, pintada de tons quentes e cheia de casas soberbas, suportadas por arcadas que ainda luziam dos polimentos; o pavimento era o mesmo, contudo – sujo como o fundo de um barril. Observou os rostos dos indivíduos como se fossem criaturas de outro mundo: até eram, pois o mundo dele ruíra com a velha rua e com o regedor.
Aquela Lisboa e aquele tempo não lhe pertenciam.
Pôs-se de frente para o sitio onde ficava o seu armazém e descobriu que fora ocupado por uma nova casa. Passou por baixo do arco e olhou para cima: viu um pombo a dormitar em cima de um capitel; a sombra era fresca e o ar, recheado de ruídos cristalinos, cheirava a fruta fresca.
'Como é que posso voltar a ser um pintor?', pensou Nuno, pousando a mão num pilar e sentindo a pedra fria. 'Estive separado da minha mão durante cinco anos…' Olhou para o fundo da rua apinhada de gente. 'Como é que vou recuperar os jeitos dessa vida?'»
(In SOARES, David, O Evangelho do Enforcado, Parede, Saída de Emergência, 2010, pp. 74-75, 337.)




segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Dez Coisas Que Desconhecem Sobre Lisboa

 
Para satisfazer os leitores que, pontualmente, me enviam emails ou mensagens de Facebook com perguntas sobre assuntos relacionados com Lisboa que leram nos meus romances ou que encontraram em outras fontes, lembrei-me de compilar uma pequena lista de dez informações históricas sobre Lisboa que, provavelmente, poucos conhecerão. Cada um dos dez temas aqui apresentados é importante o suficiente para exigir um artigo mais extenso, mas, para já, ficam servidos por estes breves apontamentos que, espero, sejam do vosso gosto. Assim, convido-vos à descoberta de... 

Dez Coisas Que Desconhecem Sobre Lisboa

1 - Lisboa é mais velha que Roma


De acordo com os mais antigos vestígios arqueológicos encontrados nas explorações do claustro da Sé, Lisboa foi fundada por viajantes fenícios. Em rigor, foi fundada por indivíduos provenientes de uma ou de várias das muitas cidades-estados portuárias que formaram a civilização canaanita (Tiro, Sidon, etc.), porque a palavra «fenício» é apenas uma alcunha que deriva do nome grego «phoiníké» que significa, mais ou menos, «avermelhado»: uma alusão ao corante púrpura que aquela civilização ficou famosa por extrair de um pequeno molusco marinho, chamado murex, usado para tingir tecidos e vestes destinados à realeza. Os fenícios navegaram para longe em busca de estanho para fazerem bronze (o bronze é um metal dúctil que se obtém misturando estanho com cobre) e a Península Ibérica sempre foi rica em estanho. Foi, pois, em 1200 a.C. (século XIII a.C.) que os navegantes fenícos fizeram um pequeno posto comercial no território que, mais à frente, se haveria de chamar Lisboa. Por outro lado, Roma só foi fundada em meados do século VIII a.C. (cerca de 753 a.C.).

2 - Ninguém sabe de onde veio o nome «Lisboa»

A verdade é que não sabemos de onde vem o nome «Lisboa». Uma hipótese que tem sido esquecida é a de que, na foz, o Tejo costumava ser chamado de Lisidan ou Lusidan: nomes cujo prefixo «Lis», de raiz indo-europeia e que se encontra, também, com menores variações no galês e no bretão, poderão significar «brilhante» ou «luminoso». Porém, uma hipótese mais credível é a de que «Lisboa» provém de um nome fenício: «alis ubo», que significa «enseada amena». Na passagem do século III para o II a.C., no contexto das Guerras Púnicas, os romanos conquistaram aos cartagineses a Península Ibérica, a que chamaram Península Hispânica («ibérica» era uma designação grega, mas, nesta altura, «hispânica» nada tinha a ver com «Espanha») e foi nessa sequência de eventos que a primitiva "Lisboa" se transformou num município romano, a que se deu, depois, o nome oficial de Felicitas Julia Olisipo, adoptando o topónimo existente. A ideia tão romanceada de que foi fundada por Ulisses, aquando dos seus dez anos de errância marítima (terminada a guerra de Tróia), que a terá baptizado de Ulisippo, é uma fantasia que nem na etimologia se sustenta, pois, em grego, Ulisses chama-se Odysseus e é evidente que desse nome nunca poderia ter derivado o de Ulisippo. O nome «Lisboa» provém directamente de «Lixbõa»: a versão árabe do acusativo da palavra romana «Olisipo», que é «Olisipona».

3 - Lisboa não tem sete colinas

A ideia de que Lisboa foi fundada sobre sete colinas é uma invenção para inscrevê-la no rol de importantes cidades clássicas que arrogaram a tradição, mais ou menos poética, de terem sido fundadas sobre sete colinas, como Roma, Jerusalém ou Meca. Na verdade, é uma tradição que menoriza Lisboa, porque esta nunca teve, apenas, sete colinas: Lisboa tem onze colinas. Numa delas (um extinto vulcão pré-histórico), fica o Forte do Marquês de Sá da Bandeira (Forte da Serra de Monsanto), na freguesia de Benfica, que é o local mais alto da cidade, a quase 230 metros de altitude (são 227 metros); muitíssimo acima do Castelo de São Jorge - tantas vezes laureado, injustificadamente, como sendo o local mais alto da cidade. O bairro mais alto da cidade também não é o Bairro Alto, mas o de Campolide, com o qual rivalizam as cotas mais elevadas das zonas de Telheiras e de Carnide.

4 - Lisboa sempre foi uma cidade multicultural

Não pensem que só agora é que Lisboa é uma cidade multicultural. Aliás, uma das melhores provas de que Lisboa, mesmo após a reconquista, manteve o multiculturalismo que lhe era reconhecido, ou seja as suas matrizes judaicas, árabes e outras, é a de que demorou trinta e dois anos a receber foral de D. Afonso Henriques, desde 1147 até 1179. O que é que isto significa? Significa, provavelmente, que Lisboa precisou de trinta e dois anos para reunir um número satisfatório de cristãos, porque, em regra, somente com uma comunidade importante de cristãos podia ser autorizada a criação de câmaras para as cidades se governarem a si próprias (este foral foi, todavia, antecedido por outro, passado em 1170, que concedia direitos e deveres aos mouros que moravam em Lisboa, o que consiste numa estratégia inédita de protecção e fixação numa cidade de uma importante força de trabalho). Por outro lado, isto também indica que a população de Lisboa continuava, ainda assim, a ser pouco numerosa, tal como no período romano. Sabemos que a lotação do teatro romano, descoberto na encosta do Castelo de São Jorge, depois do Grande Terramoto de 1755, era de cinco mil lugares e tinha, apenas, 60 metros de diâmetro - não chegava a ser um teatro de dimensões médias. Fica a informação de que quem entregou Lisboa, em 469, aos Suevos, grupo multi-étnico vindo da zona do Mar Báltico, foi o governador romano Lusídio. Todavia, os suevos não gozaram nada da cidade, porque foram, ainda nesse ano, expulsos pelos Visigodos: outro grupo multi-étnico, oriundo do Norte da Europa. Estes nomes colectivos (visigodos, ostrogodos, suevos ou vândalos, por exemplo) são nomes artificiais, criados por conveniência pelos romanos (principalmente) para designar bandos, clãs, famílias e outros tipos de sociedades itinerantes compostas por indivíduos muito diferentes entre si, de diversas descendências, muitas delas já romanizadas, e que se juntavam, normalmente, em volta de líderes carismáticos. Por essa via, iam-se homogenizando e adquirindo traços culturais e religiosos característicos, mas nunca foram verdadeiros "povos".

5 - Os santos patronos de Lisboa não são São Vicente, nem Santo António

No mínimo, os padroeiros originais, cujo culto se manteve vivo até meados do século XVII. Esses são os santos gémeos São Crispim e São Crispiniano, dois curtidores martirizados na cidade francesa de Soissons, a mando do imperador Diocleciano. O seu culto é celebrado a 25 de Outubro pela Igreja Católica. Quando D. Afonso Henriques conquistou, finalmente, Lisboa, no dia 25 de Outubro de 1147, devotou-a aos santos gémeos desse dia. O Museu da Cidade (Palácio Pimenta) conserva em exposição permanente uma bela tela seiscentista, de artista anónimo, que decorou a Ermida de São Crispim, nas Escadinhas de São Crispim, perto da encosta do Castelo de São Jorge, e que mostra a conquista de Lisboa a ser observada pelos dois gémeos do alto das nuvens. No livro «Os Painéis de S. Vicente de Fora», Theresa M. Schedel de Castello Branco propõe a tese de que a personagem representada duas vezes no célebre políptico do Museu da Arte Antiga de Lisboa, vulgarmente entendida como sendo S. Vicente, é, na verdade, um retrato de São Crispim e de São Crispiniano. Foi nessa tese, e na de que a personagem duplicada é uma representação do Infante D. Fernando, o Infante Santo (avançada por José Saraiva), que me baseei para escrever sobre os Painéis ditos de São Vicente no meu romance «O Evangelho do Enforcado» (Saída de Emergência, 2010), no qual D. Fernando é um fervoroso devoto dos santos gémeos e, por isso, o irmão D. Pedro representa-o dessa forma, em duplicado, no políptico que manda pintar para homenageá-lo.

6 - O retrato mais antigo de Lisboa não está em Lisboa

Está em Cascais, no Museu-Biblioteca Condes de Castro Guimarães. Consiste numa iluminura quinhentista, de autor anónimo, integrante na versão mais antiga do códice «Crónica del Rei D. Afonso Henriques, Primeiro Rei Destes Reinos de Portugal», do cronista Duarte Galvão, e que mostra uma imagem do cerco castelhano no Rio Tejo em 1384. Entre o episódio representado na iluminura (imagem no início deste artigo) e a sua data de realização encontra-se um intervalo de cerca de 130 anos e a probabilidade da cidade desenhada se assemelhar à Lisboa dessa época é muito ténue.

7 - Lisboa nunca foi a "cidade branca"

O filme «Dans la Ville Blanche» (1983) de Alain Tanner, com uma bela fotografia de Acácio de Almeida, terá repopularizado junto de algum público estrangeiro a ideia romântica de uma Lisboa luminosa, mediterrânica, indolente, mas essa ideia não poderia estar mais longe da verdade. De facto, até ao terramoto de 1755, Lisboa foi uma cidade de irregularíssima construção medieval, românica e gótica, com ruas muito estreitas e edifícios altos cheios de balcões e sacadas (cuja construção os reis, desde D. Afonso III, nunca foram capazes de uniformizar), pelo que dificilmente a luz do Sol iluminaria, como hoje, grande parte da vida urbana. Se viajássemos no tempo até à Lisboa do passado ficaríamos muito surpreendidos ao descobrir o quão escura ela era. Recorde-se que as construções de estilo românico, como as igrejas - e Lisboa sempre teve inúmeras igrejas - mais as fachadas de algumas casas, eram pintadas com cores fortes e decoradas com frescos. Não temos razão nenhuma para pensar que Lisboa seria uma cidade formada por casinhas brancas, como as das localidades mediterrânicas, até porque a matriz de Lisboa não é apenas mediterrânica, mas atlântica - muito mais rica e multicultural. Lisboa só se tornou verdadeiramente solar, cheia de luz e espaço e edifícios de cores claras, com o traçado urbano regular planeado pelos arquitectos pombalinos na reconstrução da cidade após o Grande Terramoto.

8 - D. José I proibiu o delito olisiponense de pendurar cornos nas portas das casas

Ao longo das eras, o humor popular sempre foi desbragado, grotesco e parodiante. Sabemos que algumas peças humorísticas de teatro representadas no teatro romano de Lisboa se cifravam por um cinismo atroz, mas foram elas que fizeram rir com vontade e alarido os primitivos espectadores olisiponenses (hoje teríamos alguma dificuldade em rir dessas histórias). Nesse sentido, o povo sempre cultivou um humor desafiante à norma, mas "rasca", longe dos gostos mais sofisticados da elite que, muitas vezes, nem sequer gostava de rir, porque o riso, provocando uma reacção física, ao contrário de uma reacção puramente intelectual, não era coisa adequada a um cavalheiro distinto, no pleno controlo das suas emoções. Um dos passatempos preferidos do povo lisboeta nos finais do século XVII e na primeira metade do século XVIII (as fontes históricas não permitem, com efeito, recuar mais do que isto) era pendurar cornos nas portas das casas, dando a entender aos transeuntes que nelas habitavam homens cujas esposas praticavam adultério. Existem relatos que nos dizem que esta brincadeira ganhou contornos muito sérios, de verdadeira obsessão. Algo existiu no espírito da época que fez com que chamar "cornudo" a um vizinho fosse o epítome do bom humor e tão grave se tornou esse bom humor que, no dia 15 de Março de 1751, o rei D. José I viu-se obrigado a intervir e assinou uma lei que proibia o delito de pendurar cornos nas portas. Foi uma das primeiras leis que promulgou, posto que só foi coroado em Setembro do ano anterior. A iniciativa de parar com a «devassa de pôr cornos» adquire, assim, uma urgência que nos confunde, verdadeiramente, mas vale a pena especular sobre que leis e assuntos nós devotamos toda a importância e que, no futuro, serão (como a "lei dos cornos") considerados insignificantes, esquisitos ou abjectos. (No meu romance «Lisboa Triunfante» [Saída de Emergência, 2008] esta temática é desenvolvida no início do terceiro capítulo «O Reino do Sol».)

9 - As marchas populares de Lisboa só foram inventadas no século XX

As Marchas Populares, em que diversos bairros de Lisboa competem, mediante grupos de amadores que apresentam na rua coreografias de inspiração castiça, não têm nenhuma tradição popular anterior à sua criação em 1932: ano em que esse cortejo se realizou pela primeira vez. Apenas três bairros foram a concurso nessa altura (Alto do Pina, Bairro Alto e Campo de Ourique), mas outros três (Alfama, Alcântara e Madragoa) juntaram-se-lhes somente a título participativo. Os seis grupos desfilaram pelas ruas de Lisboa e terminaram no Parque Mayer, em frente ao Teatro Capitólio. Antes das Marchas Populares, existia o costume da chamada Marcha ao Flambó, aportuguesamento da francesa Marche aux Flambeaux: pequeno cortejo brejeiro, sem nenhuma encenação ou orientação temática que encarnasse as ditas características dos vários bairros lisboetas, como as marchas intentam. Especula-se que talvez tivesse sido um resíduo da passagem dos militares franceses no nosso país, aquando das invasões napoleónicas, que costumavam organizar essas coreografias "vadias", com tochas acesas nas mãos. Por outro lado, a Festa do Entrudo também era muitíssimo popular e nos tempos da Primeira República os desfiles carnavalescos que tomavam de assalto o Rossio surpreendiam pela sofisticação dos carros e das máscaras. Até que ponto a Marcha ao Flambó e a Festa do Entrudo, festejadas com balões de papel, flores, arcos e fogos-de-vistas, influenciaram a génese das Marchas Populares é conjectural, mas antecederam-lhes e possuem uma estética similar. O pai das Marchas Populares foi o cineasta lisboeta José Leitão de Barros, que aproveitou a existente tradição popular da festa de Santo António para lhe adicionar uma espécie de selo folclórico. Íntimo de António Ferro (o criador do Secretariado da Propaganda Nacional), Leitão de Barros imaginou as Marchas Populares como sendo a resposta a um desafio que lhe foi lançado por Campos Figueira, director do Parque Mayer, que também patrocinou a produção do evento. Na altura, Barros mantinha o cargo de director do Diário de Notícias, no qual trabalhava o jornalista e olisipógrafo Norberto de Araújo (co-fundador do grupo Amigos de Lisboa, do qual também foi sócio fundador o artista Almada Negreiros), que viria a ser autor das letras mais conhecidas das Marchas Populares (com músicas de Raul Ferrão), como «Lá Vai Lisboa», «Olha o Manjerico», «Marcha dos Centenários» e «Noite de Santo António».

10 - O mais antigo brasão em pedra de Lisboa está no chafariz do Largo do Andaluz

O chafariz do Largo do Andaluz foi um bebedouro estratégico na via medieval mais importante que entrava em Lisboa, pelas Portas de Santo Antão, e que, até aí, seguia sobre uma velha estrada romana. (A Rua das Portas de Santo Antão foi a artéria mais importante do centro de Lisboa até à construção da Avenida da Liberdade, caindo desde essa altura em rápida deterioração.) O chafariz funcionou até 1945 e ainda existe (embora, remodelado, pouco se assemelhe ao original), ostentando o brasão da cidade de Lisboa e a pedra de armas de D. Afonso IV; na legenda que os acompanham pode ler-se «Na era de 1374, o concelho de Lisboa mandou fazer esta fonte a serviço de Deus e do nosso Senhor Rei Dom Afonso, por Gil Esteves, tesoureiro da dita cidade, e Afonso Soares, escrivão. A Deus graças.» Em rigor, a data de construção do chafariz é 1336. Porquê? Porque é sempre preciso subtrair trinta e oito anos às datas portuguesas inscritas antes de 1422 d.C., porque só nesse ano (a 22 de Agosto) é que D. João I decretou que se passasse a usar o calendário cristão em vez do juliano para assinalar a passagem dos anos. Assim, a chamada Era Hispânica, em vigor na Península Ibérica desde o século V, foi substituída pela Era Cristã: nesse sentido, o ano de 1460 da Era Hispânica passou a datar-se como sendo o ano de 1422 da Era Cristã. A transição de uma era para a outra não foi fácil e durante muito tempo não faltou quem continuasse a datar os acontecimentos pela Era Hispânica; mesmo os indivíduos mais eruditos, como o cronista Gomes Eanes de Zurara que descreveu, erroneamente, a conquista da cidade norte-africana de Ceuta como tendo ocorrido no ano de 1450 (em «Crónica da Tomada de Ceuta»). Só com a introdução do calendário gregoriano (a 15 de Outubro de 1582) se estabeleceu em definitivo o dia 1 de Janeiro para marcar o início do ano. O brasão de Lisboa que pode ver-se no chafariz do Largo do Andaluz é o mais antigo brasão - em pedra - que existe na cidade. O brasão mais antigo de todos está no Convento de Santos-o-Novo e consiste numa impressão lacrada num documento datado de 1233.

sábado, 17 de novembro de 2012

Enantiomorfolagnia


Por mais califónicas que sejam as estultiloquências expressadas em volta dos Painéis, são mais os tirsóforos que os místicos: o mistério mantém-se. Até que, da belida, se lobrigue uma luz mais lúcida que nos lustre a todos.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Festival literário de Wroclaw 2012


Na bela cidade polaca de Wroclaw (pronuncia-se brotswaf), outrora capital da Silésia, ocorreu mais uma edição - a oitava - do Międzynarodowy Festiwal Opowiadania: ou Festival Internacional de Ficção Curta. Consiste num festival literário muito dinâmico e multilingue, em que os diversos escritores convidados, além de participarem em conversas com os leitores, realizam sessões de leitura em voz alta nas quais dão a ouvir as suas palavras nas línguas originais, enquanto é projectada, em simultâneo, uma versão em polaco desses textos. Entre outros autores, a edição deste ano (de 2 a 6 de Outubro) contou com as presenças de Valeria Parrella (Itália), Andrezj Stasiuk (Polónia), Colm Tóibín (Irlanda), além de mim. Para a sessão de leitura em voz alta, interpretei um trecho do meu romance O Evangelho do Enforcado (Saída de Emergência, 2010).

Esse trecho, que causou sensação, foi, ainda, publicado na revista literária Opowiadanie.

Deixo os meus votos de agradecimento à direcção (Marcin Hamkalo) e coordenação (Milka Jankowska) do festival, assim como ao Instituto Camões (José Carlos Costa Dias) e à embaixada de Portugal na Polónia. Ainda, um agradecimento especial a Weronica Murek: dziękuję.
     

No centro histórico da cidade, na Rynek we Wrocławiu (Praça do Mercado de Wroclaw).


Lendo um trecho de O Evangelho do Enforcado (Saída de Emergência, 2010) no auditório do Teatr Wspólczesny (Teatro Contemporâneo). «Os visitantes cheiravam Lisboa antes de lhe pôr a vista em cima. (...) Um fabuloso odor de "aqui e agora" que ia buscar essências pretéritas, fixadoras dos aromas do presente, para controlar os pensamentos dos lisboetas: o hipocentro da geologia temporal de Lisboa, impressa nas rochas, tijolos e ossos, reverberava sob a forma de lenga-lengas, cantigas estúpidas e orações de esperança. Ninguém, nem sequer um fungo, se dava ao trabalho de aprender alguma coisa com a presença do passado: e a cidade, de quando em quando, dava coices; deitava umas casas abaixo e reorganizava-se - ninguém me usa, clamava merismática.»


«Sob o solo: ruínas de uma grandiosa necrópole romana - o anfiteatro de Morta. Peças misóginas de teatro: "O poderoso Marte clama por Vénus, em segredo, enquanto lava, com lágrimas de mulheres, o seu rosto horrendo." E à superfície? Impermanência. Abortifacientes. Prejuízos post mortem


«Alquimia engendrada nos ventres públicos: respingos brancos em polpas carminas - do excremento à carne. E da carne ao excremento.»


Excepto a policromia, foi num prédio de apartamentos deste feitio que, na sua cidade alemã, Descartes experienciou três visões triunfais - triunfais à maneira "epifernandopessoana" - que mudaram a sua vida e o influenciaram a escrever O Discurso do Método. Tivesse morado em Wroclaw e quantas mais cintilantes visões haveria sonhado?


Wroclaw é conhecida por ser a "cidade dos gnomos": existem imensos, espalhados por todas as ruas e recantos. Apesar de figurarem num "mapa dos gnomos", tenho a ideia de que quem mora na cidade, mesmo há vários anos, ainda não descobriu todos: é um grande desafio.


Nesse sentido, Wroclaw é uma cidade amante da arte escultórica. Nesta imagem estou na antiga rua dos magarefes, que, hoje, é uma das principais ruas artísticas da cidade, cheia de galerias e estúdios de pintura e escultura. O galo faz parte de um conjunto escultórico que homenageia as espécies abatidas para consumo, ao longo dos séculos, naquela rua (imagem seguinte).


Estas lindas estátuas transmitem uma enorme ternura e, ao mesmo tempo, por se encontrarem no final da rua, um surpreendente humor deveras paraprodosquiano.


No mágico jardim botânico de Wroclaw, onde se encontra um magnífico lago com cascata. A serenidade que o local evoca é paradisíaca e lembrou-me, de imediato, a majestosa composição Five Variants of Dives and Lazarus de Ralph Vaughan Williams. Um lugar em que se respira paz e cultura: é um jardim destes que falece à cidade de Lisboa, para parafrasear Francisco D'Ollanda.




Há beleza nos milagres comuns. Para mim, um bom exemplo de um milagre comum é o café - e há muito bom café em Wroclaw: aromático e aveludado. Esta pequena pastelaria no centro da cidade tem uns cadeirões muito confortáveis.


A revista literária Opowiadanie.


Em polaco, O Evangelho do Enforcado diz-se Ewangelia Wisielca.


Apreciação crítica/apresentação do meu trabalho na brochura do programa do festival.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

"O Evangelho do Enforcado": excerto em 'spoken word'


Excerto em spoken word do meu romance O Evangelho do Enforcado (Saída de Emergência, 2010). Neste trecho, o ainda infante Nuno Gonçalves, mais tarde o pintor dos Painéis de São Vicente, encontra pela primeira vez a presença misteriosa que nunca mais o deixará em paz: o Geronte.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Um evangelho de cinco estrelas

A revista Os Meus Livros chega este mês ao nº100 e, para comemorar, apresenta uma compilação dos livros que foram premiados nas suas páginas com a classificação de 5 estrelas: entre eles está o meu O Evangelho do Enforcado (Saída de Emergência) - sendo que é o único livro português de literatura fantástica a fazer parte de tão ilustre lista, que reúne títulos publicados desde há vários anos, é obra.

Parabéns à revista pela centésima edição!

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Tertúlia Literária do Clube ANA

No passado dia 29 de Abril, fui o convidado especial da Tertúlia Literária do Clube ANA (do aeroporto de Lisboa): encontro informal de autores com os leitores, que já contou com as presenças de Lídia Jorge e Rui Zink. O final desse dia esteve tempestuoso - logo adequadíssimo a uma conversa de três horas sobre o meu romance O Evangelho do Enforcado (Saída de Emergência, 2010).
Obrigado à Isabel Pina e restante organização pelo convite e pelo registo em vídeo de parte da tertúlia.



quarta-feira, 23 de março de 2011

Velha Rua Nova de Lisboa


Dois quadros apresentados ao público, em Novembro do ano passado, na exposição Marfins Cingaleses do Século XVI, no Museu Rietberg de Zurique, na Suíça, e disponibilizados pela curadora Ruth E. Bubb, da Sociedade de Antiquários de Londres, mostram visões da nossa Rua Nova pré-pombalina.
A similitude com o registo que António D'Ollanda (pai de Francisco D'Ollanda) nos deixou no quinhentista Livro de Horas de D. Manuel I, na iluminura de uma procissão fúnebre que ilustra um Ofício de Defuntos, é muito grande; em especial os característicos edifícios altos com as suas distintivas arcadas. Não é fácil contextualizar a tela que reproduzo acima, mas, atentando à profusão de sacerdotes inacianos, avanço com a hipótese de que é uma representação da Rua Nova em meados do século XVII ou nas primeiras décadas do século XVIII. O nosso século XVII foi tenebroso, social e culturalmente: um vazio de ideias e progressos, em contraste brutal com o que se passava ao mesmo tempo no resto da Europa e, também, em total oposição com os melhores anos do reinado manuelino.

Os quadros, que se encontravam numa casa senhorial inglesa, apresentam - para minha satisfação - imagens de Lisboa que vão ao encontro das descrições que se podem ler nos meus romances Lisboa Triunfante (2008) e O Evangelho do Enforcado (2010).

«Miranda sentia-se tão forasteiro como as negras que vendiam favas, camarões e chicharros cozidos e fritos pelas ruas, como os negros que andavam pela cidade com brochas e baldes de cal às costas ou como os mouros das galés. É que a "cidade das sete colinas" não se parecia nada com o resto do país; nem sequer com Coimbra que também era uma cidade grande. Portugal ajeitava-se num espaço peninsular exíguo em pequenos aglomerados de gente, mas Lisboa era gigantesca; um enxurro de todo o tipo de pessoas.
As casas de pedra preta do irregular centro gótico contrastavam com as moradias de três andares da Rua Nova dos Mercadores e da Rua Nova dos Ferros todas pintadas de azul, vermelho e amarelo; os vários arcos e portas da cidade possuíam santos, estátuas e brasões pintados de cores vivas. (...) Apesar da abundância de gente que enchera a arena do Terreiro do Paço para ver o combate dos colossos, a Rua Nova dos Mercadores estava pejada de pessoas àquela hora. O mercado da hortaliça e da fruta, mais o do pão, enchiam-se de citadinos que queriam comprar o maior número possível de alimentos antes que os preços voltassem a subir; os novos-ricos saíam e entravam nas joalharias e das ourivesarias, ora para comprar, ora para penhorar. A vozearia dos comerciantes e clientes ecoava pelas arcadas harmoniosas que serviam de lojas e sustinham os edifícios de três andares; nas paredes coloridas podia ver-se palavrões e caricaturas garatujadas a carvão e giz. A estrada de terra batida estava atulhada de detritos e emporcalhada pela água suja que as escravas despejavam para o chão, mas em nenhum lado o pivete era pior que na praça e no açougue - era impossível não passar pelas bancadas do peixe e da carne sem ficar sujo de sangue e escamas. vendilhões ambulantes furavam caminho entre os indivíduos, incluindo os magríssimos mestiços do Norte de África que deambulavam com um pequeno forno de ferro à cabeça e assavam línguas de borrego por três reais e meio; traziam-nas dentro de um saco que levavam às costas, mas também cozinhavam a carne e o peixe que os clientes compravam no mercado.»
(in A Lição de Arquitectura. Lisboa Triunfante.)

«A alma é um mecanismo, sujeita aos fins para os quais foi criada, pensou Nuno, ao caminhar sozinho pelas ruas de Lisboa, pela primeira vez em cinco anos. Essa é uma verdade que deve ser levada muito a sério. O Sol forte magoava-lhe a vista, mas que dor tão doce era essa. Como mel - e tão dourada quanto ele. Acho que... que vou passar na Rua Nova.
Encontrou uma nova Rua Nova, pintada de tons quentes e cheia de casas soberbas, suportadas por arcadas que ainda luziam dos polimentos; o pavimento era o mesmo, contudo - sujo como o fundo de um barril. Observou os rostos dos indivíduos como se fossem criaturas de outro mundo: até eram, pois o mundo dele ruíra com a velha rua e o regedor.
Aquela Lisboa e aquele tempo não lhe pertenciam.
Pôs-se de frente para o sítio onde ficava o seu armazém e descobriu que fora ocupado por uma nova casa. Passou por baixo do arco e olhou para cima: viu um pombo a dormitar em cima de um capitel; a sombra era fresca e o ar, recheado de ruídos cristalinos, cheirava a fruta fresca.»
(in Espadas: Surgite ad Judicium. O Evangelho do Enforcado.)


sábado, 19 de fevereiro de 2011

Crítica de leitor a...


...O Evangelho do Enforcado.

«A cada lançamento digo ao David que os seus leitores - incluindo a minha pessoa - estão mal habituados, e que pode ser difícil manter a fasquia que colocamos; mas somos sempre surpreendidos, a qualidade aumenta sempre. (...) Nota: é preciso ter cuidado que o David escreve mais rápido do que lemos!»

Ficam também as ligações para as críticas a Lisboa Triunfante e A Conspiração dos Antepassados, publicadas no mesmo weblog.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Duas críticas de leitores a...





Novos leitores descobrem estes romances e deixam-se encantar.
No próximo mês de Setembro, A Conspiração dos Antepassados fará quatro anos de publicação, num período de vida que conta com três edições, uma das quais prefaciada por António de Macedo, o que é uma honra.

E neste primeiro semestre, pelas edições Saída de Emergência, será editado o meu novo romance.


quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

"O Evangelho do Enforcado" nos 'tops' de 2010 #2


O Evangelho do Enforcado (Saída de Emergência) continua a marcar presença nos tops que reúnem os melhores livros publicados em 2010.

Tops da crítica

PNET Literatura: Desenvolvendo as razões pelas quais escolheu os títulos que apresentou no seu weblog A Qualidade do Silêncio, o crítico Pedro Teixeira Neves escreve:
«Ofensa seria não referir (como muito boa e respeitada crítica não referiu) O Evangelho do Enforcado, de David Soares. Imaginação, história, bem escrever, muita emoção, eis um grande romance no chamado domínio do fantástico. A ler, a ler, a ler, sem qualquer preconceito de género. Deixe-se de ir pelo rebanho dos tops, insisto.»

Tops dos leitores

Lydo e Opinado: O leitor Tiago escolhe O Evangelho do Enforcado como o melhor livro português que leu em 2010 e sobre ele escreve o seguinte:
«A melhor leitura que tive de um autor português este ano. O romance histórico/ fantasia /terror passado na Lisboa Medieval, com todo um pano negro envolvendo os cenários, as personagens, as texturas das ruas e os cheiros fétidos... Não sabia que se escrevia fantasia a um nível tão avançado em Portugal. Detalhes meticulosos, pesquisa louvável, um sentido mórbido que não serve para o estômago de qualquer leitor, e uma re-invenção/interpretação histórica muito interessante, que deixam questões no ar. David Soares surpreendeu-me com força, abanou-me os ombros, e proporcionou-me uma leitura excelente.»

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

"O Evangelho do Enforcado" nos tops de 2010


O meu romance O Evangelho do Enforcado (Saída de Emergência), sobre os Painéis ditos de São Vicente, figura em alguns tops literários, portugueses e estrangeiros, que reúnem os melhores livros editados em 2010.

Tops da Crítica:

Revista Os Meus Livros - na revista Os Meus Livros deste mês, o crítico João Seixas apresenta O Evangelho do Enforcado como sendo um dos melhores livros de 2010. Ainda no seu top de cinco escolhas, pode-se encontrar A Luz Miserável.
E na mesma revista, também a crítica Mónica Maia apresenta O Evangelho do Enforcado como uma das suas escolhas na lista dos melhores livros de 2010.
(Lembro que O Evangelho do Enforcado foi O Livro do Mês na revista Os Meus Livros de Março: a ver nesta ligação.)

The OF Blog - o crítico norte-americano Larry Nolen elege O Evangelho do Enforcado como um dos melhores livros de Ficção Especulativa e ainda Ficção de Língua Estrangeira que leu em 2010.

A Qualidade do Silêncio - o crítico Pedro Teixeira Neves escolheu O Evangelho do Enforcado como um dos vinte melhores livros editados em 2010.


Tops dos Leitores:

NLivros -
o weblog NLivros apresenta dois romances meus no seu top de dez melhores leituras do ano: em segundo lugar está O Evangelho do Enforcado e em quinto A Conspiração dos Antepassados.

Os Devaneios da Jojo - o weblog Os Devaneios da Jojo apresenta O Evangelho do Enforcado no seu top de dez melhores leituras de 2010
.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Uma tarde no museu


Ontem, na companhia de um casal amigo, visitei o Museu Nacional da Arte Antiga para ver a exposição de pintura Primitivos Portugueses (1450-1550): O Século de Nuno Gonçalves, na qual se integram os trabalhos Painéis de São Vicente de Fora e Ecce Homo sobre os quais escrevi no romance O Evangelho do Enforcado (Saída de Emergência).

A minha intenção era começar a visita guiada pelo 3º andar do museu, dedicado à escultura, e onde se encontra a fantástica fonte bicéfala manuelina: um dos mais maravilhosos ícones da cidade.
Infelizmente, a exposição temporária ocupou o piso e as esculturas não podem ser observadas. Fiquei triste, porque queria mostrar a fonte aos meus amigos, mas haverá outra oportunidade. Entretanto, partilho uma imagem desse trabalho, de escultor anónimo e data incerta (datará do primeiro decénio do século XVI). Quantos outros trabalhos mágicos, desta natureza, teremos perdido ao longo dos séculos? Dá que pensar.

Aqui, D. Manuel I, o Venturoso, e provavelmente D. Maria (a sua segunda mulher, com quem casou em 1500), surgem como sendo as duas cabeças de uma serpente. Muito intrigante é a presença de dois brasões: a esfera armilar manuelina e o camaroeiro de D. Leonor, irmã mais velha do rei e viúva de D. João II.
Só existe mais um exemplo dessas duas empresas conjuntas e que é o Pelourinho de Óbidos. Por conseguinte, também se poderá especular que a cabeça feminina é a de D. Leonor.

Mesmo assim, D. Manuel I caracterizou-se por ser um rei que não teve amantes e por se fazer acompanhar por D. Maria em todas as ocasiões - conduta que não o poupou a que se dissesse em surdina que era um efeminado; já que, nessa altura, o costume mandatava que os mundos masculinos e femininos fossem duas realidades apartadas. Todavia, mesmo que a parcela feminina da enigmática escultura não seja D. Maria, isso não invalida o facto de que D. Manuel I e D. Maria deram feitio na vida diária a um verdadeiro rebis...

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

"Centenário" dos Painéis de São Vicente de Fora


Este ano comemora-se o centenário do restauro e apresentação pública dos conhecidos Painéis de São Vicente de Fora. Seria de esperar que a imprensa se lembrasse que este ano foi publicado, se não estou em erro, o ÚNICO romance português (também não existe nenhum estrangeiro) sobre os Painéis de São Vicente e o seu suposto autor Nuno Gonçalves. Ainda por cima, é um romance assente na melhor biografia disponível sobre a temática e que aprofunda com rigor e autenticidade a Idade Média portuguesa.

Todos os que ainda não o leram estão convidados a descobri-lo nesta ligação, na qual poderão ler um excerto generoso: http://www.saidadeemergencia.com/uploads/books/samples/dw5_Evangelho_enforcado.pdf

«A escrita eloquente, elegante e cativante, apoiada numa sólida estrutura narrativa, tornam a qualidade desta peça inegável. O interesse das temáticas e a imaginação com que são abordadas tornam-na indispensável.»
- Mónica Maia, in Os Meus Livros (ao escolher O Evangelho do Enforcado como Livro do Mês)

«É de recorte e lavra genial esta empreitada literária de David Soares.»
- Pedro Teixeira Neves, in Portal PNETLiteratura