sexta-feira, 22 de abril de 2016

Sobre gatos


Em movimentações semiaéreas, impressas em claudicantes carimbadas, os gatos suplantam o cingel gravítico, dardejando que nem intenções interrompidas; suspensos em translúcidos tótemes, sobreexpostos no mesmo pensamento – como meditações de prata numa placa de cobre, negativas e positivas em velocíssima alternância.
Quem modelou de que substância os vorazes sicários das selvas, oxidados em ferrugentas variegações de castanho e laranja e negro, que povoaram os pesadelos dos nossos pré-históricos precedentes? Quem afeiçoou de que espécie desses celerados aqueles pequenos e peludos duendes que, ronronando, nos escondem os sapatos e nos roubam os corações? Cães são lobos bebés, mas gatos não são leões infantis – são um segredo. Do mesmo modo que na mitologia Deus se tornou Cristo para descobrir o que significava ser-se um homem, os gatos são a forma que a cólera da Natureza encontrou para conciliar-se: de não sentir vergonha de ser dócil; para, em preciosos instantes, íntimos e nocturnais, ser capaz de dormir entre as presas.