terça-feira, 27 de setembro de 2016

Ruínas



No último par de dias tenho passado ao longe por um local de Lisboa que é muito especial para mim e é com amargura que suspeito que está a ser mutilado com demolições, na perspectiva de obras de remodelação. Tenho aprendido com o tipo de brutalidade inveterada da natureza que esta é, de facto, a infelicidade de residir num local - neste caso, numa cidade - que é, em simultâneo, entidade co-responsável num tempo e num espaço e álbum de memórias: indivíduo e pólis consorcizam-se, pois, em frágil polisarcia - fortuita e rúptil como um sonho que se deslaça com o despertar. Em confronto com essa frígida crueldade, que é a da indiferente calandragem das eras, só a cultura pode remir uma mente ferida. Nesta incerteza, evoco palavras que já plasmei em outra ocasião, também sobre memória, cidade e indivíduo; sobre aquilo em que consiste esse laço precioso entre um território e o nosso ser.