sexta-feira, 15 de junho de 2012

Excerto exclusivo de "A Lua do Loreto"


Segue-se um excerto exclusivo do texto A Lua do Loreto, uma necropsia da santidade e de Lisboa, que irei interpretar no primeiro espectáculo da Tertúlia dos Assassinos, no próximo dia 13 de Julho, organizado e musicado pelo extraordinário Charles Sangnoir. Sigam as novidades publicadas na página oficial da Tertúlia dos Assassinos (no Facebook) e apontem este dia nas vossas agendas: não faltem e passem a palavra.
«Circulares como um ponto final, embebidas em amnésico ruído de rua, as ruínas invisíveis dos Casebres do Loreto são uma Lua que ainda emulsiona os elementos de Lisboa: buzinas de automóveis, risos de mulheres, sabores artificiais provenientes de uma adjacente gelataria – mas também pedras extintas, sangue antigo – tão alucinatório quanto mênstruo estroboscópico – e surtos fantasmas de sofrimento.
Sob estes rios de turismo e alcatrão, lado a lado aos pisos inferiores do parque de estacionamento do Chiado, hibernam esqueletos de soldados ducentistas, alguns agarrando teimosamente a tecnologia do seu tempo: lâminas fósseis, exóticas quanto cascas de pré-históricos coleóides vampiromorfos, tão entorpecidas quantos os sestércios que polvilham como pimenta a sedimentar estratocracia da Praça de Luís de Camões. Pudendágrico, o vulto desse vate é um cenotáfio de seres esquecidos pelas gentes que, animadas por atavismo psicogeográfico, se conglutinam nas actuais noites de fins-de-semana para elucubrarem ébrios elmanismos: a topografia é destino e a freguesia da Encarnação é a morada celeste do satiríaco Bocage, que dela fez uma Nova Arcádia de deboche e deleitação.»

 (Imagem: desenho dos Casebres do Loreto, pelo olissipógrafo Júlio de Castilho.)