Sempre considerei o Super-Homem como sendo uma personagem cheia de enorme potencial mítico, mas nunca a vi escrita ou representada de um modo que fosse ao encontro dessa possibilidade, ficando-se a maioria das bandas desenhadas e das adaptações cinematográficas ao nível da exploração, às vezes mais e às vezes menos, ingénua dos efeitos espectaculares dos super-poderes. Não entendo a sobrevalorização dos filmes realizados por Richard Donner e Richard Lester, em 1978 e 1980, respectivamente (fui ver o segundo ao cinema, quando estreou em 1981), que são puros exercícios caricaturais - bem sei que os tempos eram outros, mas, ainda assim, contêm elementos que já eram imperdoáveis no início dos anos 80 - além de que Margot Kidder interpreta uma péssima Lois Lane. (Quanto às terceira e quarta partes, nem vale a pena falar sobre elas.) Em seguida, o filme de Bryan Singer, de 2006, em vez de procurar um novo caminho, insiste em resgatar da arca circense alguns elementos campy já apalpados por Donner, embora os apresente com uma sofisticação que está ausente nos filmes de 1978 e 1980.
Na minha visão, o Super-Homem é uma personagem crística: em linhas gerais, é alguém que foi enviado para a Terra por uma civilização física e tecnologicamente mais avançada que a nossa, ao ponto de um indivíduo vulgar dessa sociedade ser como um deus quando comparado connosco; e, adoptado por um casal terrestre, é educado como uma criança comum até dar conta das suas origens e poderes. Cristo é uma manifestação carnal do divino que está - que quer - entender o que consiste, afinal de contas, ser-se humano. Mas se Cristo - sobrenatural - é uma personagem que almeja descobrir o que é o sofrimento e o que é a morte, condições ausentes na sua esfera de origem, o Super-Homem - orgânico - parece imune a tudo. O seu papel não é tornar-se um homem para compreender o que é ser-se humano: é inspirar os homens a tornarem-se, aos poucos, deuses. É, como Cristo, uma representação do arquetípico Deus-Sol.
Neste momento, ainda não sei se o novo filme sobre o Super-Homem, que estreia hoje, realizado por Zack Snyder, vai nessa direcção, mas seria interessante que fosse, em vez de investir na bonomia de Feira Popular; que, ao que parece, ainda provoca nostalgia a muita gente, no sentido em que as críticas negativas que o filme já teve são unânimes em desgostar dele porque, aparentemente, não tem humor, nem cenas românticas (no sentido mais elementar da palavra, presume-se). É a tal sobrevalorização dos protótipos donnerianos e lesterianos, que, no meu entender, é incompreensível.
Mas apesar de ainda não ter visto o filme, já ouvi a banda-sonora e é refrescante constatar que o tom da música é muito mais etéreo do que bombástico, o que me parece uma decisão adequadíssima, à luz do que escrevi acima. Assim, deixo duas ligações: uma para a banda-sonora integral e outra para um dos temas que mais me chamaram a atenção.