terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Sobre teorias das conspirações


Seria inevitável não circularem pela Internet as mais diversas teorias das conspirações sobre o assassinato dos colaboradores do semanário satírico francês Charlie Hebdo e episódios subsequentes, ocorridos no mesmo dia (7 de Janeiro). Uma dessas teorias descabeladas relaciona-se com o polícia alvejado a sangue-frio na cabeça pelos terroristas e insiste que este agente não foi ferido e que o acontecimento foi encenado, guindando-se a conclusão no facto de não se ter visto a cabeça do homem a rebentar com o disparo. É preciso não se perceber nada sobre projécteis e tipos de munições. Eu não sei se o polícia foi atingido na cabeça ou em outra parte do corpo (pelas costas ou no pescoço), mas, independentemente disso, balas de tipo full metal jacket (usadas em armas de assalto, como as AK47 empunhadas pelos terroristas) caracterizam-se, precisamente, por não se fragmentarem dentro dos alvos atingidos -- pelo contrário, atravessam-nos sem provocarem grandes danos e com feridas de entrada e saída muito pequenas. Foi um tipo de projéctil criado na segunda metade do século XIX (pelos franceses, curiosamente) e popularizado internacionalmente depois da primeira Convenção de Haia (1899) ter proibido o emprego de balas de tipo dum dum, que se fragmentam facilmente dentro dos alvos, abrindo-lhes feridas de saída muito grandes pelas quais espirra com aparato toda a matéria orgânica entretanto liquefeita pelos estilhaços. Por conseguinte, aquilo que se vê no vídeo corresponde completamente ao efeito de um tiro dado (na cabeça ou em outra parte do corpo) com uma bala de tipo full metal jacket, característica das armas AK47: um tiro "limpo", sem espirro de sangue e matéria orgânica.

O problema das teorias das conspirações é que são construídas com base em pouquíssima informação -- e informação errada (deliberada ou acidentalmente). Com efeito, as teorias das conspirações esgotam-se no enunciado: nunca comportam muito texto, digamos assim, porque isso seria o desvirtuamento da sua teleologia. São ideias atractivas por culpa da simplicidade e fortíssima carga emocional (a tónica é sempre colocada na emoção e não na razão), mas não são corroboradas por provas que atestem a sua veracidade. Assim, são apenas ruído. Não existirá, creio, um perfil-chave para os crentes em teorias das conspirações, mas colocarei a hipótese -- verosímil, à luz dos dados -- de serem indivíduos que se colocam contra o sistema primeiro e fazem as perguntas depois. Há casos de crentes em teorias das conspirações cujas vidas são, irremediavelmente, transtornadas pela espiral de desconfiança em que estas ideias auto-referenciais os vão entrecendo, mas a maioria apenas procurará as emoções fortes do chamado entretenimento barato. As teorias das conspirações fazem parte do campo dos pseudoconhecimentos, juntamente com a teoria da génese extraterrestre, por exemplo. São atalhos de pensamento que confortam aqueles que não têm tempo para reflectir e aqueles que não têm capacidade para pensar muito -- o que vai dar ao mesmo, bem vistas as coisas.