Segundo
a tradição, hoje, 4 de Setembro, assinala-se a efeméride do fim do
Império Romano do Ocidente. Em 476 (século V), depois de exilar o jovem
imperador Rómulo Augusto, Odoacro, o líder supremo das forças armadas
italianas, não elegeu outro imperador-fantoche, como fizeram os seus
antecessores, mas tentou convencer o senado romano e o Império Romano do
Oriente de que somente um imperador era necessário
para os dois impérios (já veremos porquê...) -- esse imperador seria
Zenão, na altura o imperador do Império Romano do Oriente. Assim,
Odoacro criou para si o cargo de governante italiano, em nome de Zenão:
ou seja, não se auto-intitulou imperador, mas designou-se patricius,
um título, aliás, já usado pelos alguns dos seus antecessores -- com a
novidade de que, dentro das fronteiras italianas, Odoacro passou a
intitular-se rex; por conseguinte, rei. Mesmo assim, as coisas não
são assim tão simples...
De facto, ainda havia um imperador do Ocidente: Júlio Nepos, refugiado na província romana da Dalmácia (de maiores dimensões que a actual Dalmácia, na Europa do Leste), da qual era natural. Ora, Nepos tinha sido o antecessor de Rómulo Augusto (entretanto exilado, como já vimos) e fora deposto de um modo comum no período em questão: o seu líder supremo das forças armadas, chamado Orestes, figura análoga a Odoacro, fez um golpe militar e pôs Rómulo Augusto, seu filho adolescente, no trono. Ora, Nepos, refugiado na Dalmácia, permaneceu nas boas graças de Constantinopla -- e, depois do assassinato de Orestes e do exílio de Rómulo Augusto, Zenão forçou Odoacro a reconhecer-lhe, pelo menos tecnicamente, a legitimidade. Ou seja: a estratégia de passar por cima de Nepos, querendo que Zenão se tornasse o único imperador não funcionou totalmente como Odoacro esperava.
No entanto, este, e outros líderes militares, conspiraram para eliminar Nepos e lá o conseguiram em 480, marionetando as tropas deste. Assim, será mais adequado dizer que o Império Romano do Ocidente terminou em 480. Contudo...
A verdade é que nem toda a gente percebeu que o velho sistema tinha desaparecido: as comunidades continuavam a sentir-se romanas, o comércio e as redes de interesses (privilégios dinásticos, sinecuras, etc.) continuaram, mais ou menos, na mesma, durante muito tempo -- as formas de governo e algumas leis é que iam sendo outras. Em principal, o Império Romano do Oriente não só não desapareceu, como se tornou ainda mais próspero -- e os bizantinos continuaram a chamar-se "romanos" até ao fim. No Ocidente, perduraram muitíssimos elementos do velho Império Romano do Ocidente -- alguns, ainda estão connosco. No entanto, é errado ver nesses casos uma continuidade entre o império romano e a Idade Média: as diferenças foram enormes; sobretudo a maior delas e aquela que, em muitos aspectos, condiciona o funcionamento da nossa contemporaneidade: a abrupta hierarquização da sociedade, baseada na militarização. O poder político romano não estava nas mãos dos militares, mas nas dos civis. O estabelecimento das comunidades "bárbaras", fortemente militarizadas e nas quais a conduta militar era o santo-e-senha da razão de existir, modificou profundamente a geografia política europeia e o espaço cultural europeu.