quinta-feira, 2 de abril de 2015

Manoel de Oliveira (1908-2015)



A última longa-metragem de Manoel de Oliveira, O Gebo e a Sombra (2012), que adapta uma peça teatral de Raul Brandão, é uma súmula espantosa do seu cinema, com um engenhoso equilíbrio imagético e verbal e uma fotografia lindíssima. A melhor homenagem que podem dar a Manoel de Oliveira é ver, rever e descobrir sempre coisas novas nos seus filmes: filmes que, sublinhe-se, recusam o mimetismo naturalista, sob o qual a arte tem de aproximar-se da vida. Não existem âncoras, no sentido de peso e de fixação que a palavra comporta, no cinema de Oliveira. Pode gostar-se menos ou mais da estética especial que ele inaugurou, ou apreciar-se mais uns filmes do que outros, como é natural, mas é inegável que Oliveira é um caso singular no cinema português e internacional. Poucos cineastas evocam, à partida, uma ideia análoga de liberdade cinematográfica, porque o cinema de Oliveira é totalmente livre. Talvez Kiarostami ou Dryer, que são os nomes que, neste momento, me surgem na lembrança (outros haverá, certamente). Empatizo totalmente com a estética oliveiriana, diga-se assim, de recusar liminarmente a velocidade: não a velocidade do dinamismo e da compreensão arguta, que essa está lá, mas a velocidade distractiva e superficial do frenético êxtase das montagens ultra-rápidas que nem sequer nos deixam observar convenientemente aquilo que está a ser mostrado. Entrar num filme de Oliveira é sempre entrar num espaço de pensamento, como num museu ou num templo: entra-se e cala-se para deixar falar a voz da inteligência. Quando se assimila esse preceito, o cinema de Oliveira é uma enriquecedora experiência.