segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Descoberta a identidade de Jack, o Estripador?




Esta é uma fotografia de Dorset Street, no distrito londrino de Whitechapel, tirada em 1888: ano em que, de Agosto a Novembro, um assassino apenas conhecido pela alcunha de Jack, o Estripador, matou cinco prostitutas com elevado grau de selvajaria.

Vale a pena olhar para esta imagem por duas razões: 1) porque Mary Kelly, a última vítima canónica desse criminoso, e aquela cujo corpo foi mais severamente mutilado (quase para além da forma humana), foi assassinada aqui, na sua casa; e 2) porque é preciso recordar que este sítio e estas pessoas nada têm a ver com Hollywood ou com atracções turísticas contemporâneas - foram indivíduos reais e viveram em condições miseráveis. Os obstáculos das vidas destas mulheres poderão ficar melhor ilustrados pelo facto terrível de Catherine Eddowes, a quarta vítima, ter penhorado os sapatos nas vésperas de ser assassinada (o flagelo social do "pé descalço", como era conhecido em Portugal, ainda era um problema gravíssimo em meados do século passado em cidades como Lisboa e Porto, por isso pode ter-se uma ténue ideia de como seriam as reais condições de higiene e segurança na Londres vitoriana). Lanço luz sobre isto para desmistificar a pátina nostálgica que encortiça os crimes de Jack, o Estripador, que, avaliadas as coisas, foi, somente, um asqueroso assassino que predava os elementos mais frágeis da sociedade do seu tempo. Não existe nenhum glamour nisto.

Dito isto, a revelação feita recentemente pelo inglês Russel Edwards, um investigador amador, e pelo finlandês Jari Louhelainen, geneticista na universidade John Moores de Liverpool, de que Aaron Kosminski foi, de facto, Jack, o Estripador, é, em simultâneo, totalmente credível e altamente especulativa.

É verossímil, porque Kosminski, um polaco de religião judaica que, na altura dos crimes, tinha cerca de vinte a vinte e cinco anos de idade, sempre foi apontado pelas autoridades e pelos aficionados destes crimes como um dos suspeitos mais plausíveis. Até há um relato testemunhal, de Israel Schwartz, que relatou à polícia ter visto um homem parecido com Kosminski a atacar Elizabeth Stride, a terceira vítima, assassinada na mesma noite que Catherine Eddowes. No seu livro Mind Hunter, John Douglas, agente especial do FBI e um dos pais da contemporânea psicologia forense, estudou os ficheiros da Scotland Yard e concluiu que o suspeito mais provável de ser Jack, o Estripador, era Kosminski. Escreveu Douglas que «of all the possibilities we were presented, Kosminski fit the profile far better than the others». As informações disponíveis sobre Kosminski sugerem que ele foi um indivíduo bizarro e violento, obcecado com sangue menstrual e masturbação e que residia a cerca de quinze minutos a pé de quase todos os locais em que foram assassinadas as cinco vítimas canónicas de Jack, o Estripador. Será que foi ele que ejaculou no xaile descoberto por Russel Edwards e do qual Jari Louhelainen foi capaz de extrair vestígios de ADN e, ainda, vestígios epiteliais - com uma técnica nova, chamada "aspiração" (o nome induz em erro), desenvolvida pelo próprio? Xaile que, esclareça-se, terá pertencido ou a Kosminski ou a Catherine Eddowes e que foi guardado por um dos sargentos da polícia que descobriu o corpo, permanecendo como herança de família até ser comprado por Edwards?

Para ser honesto, do que li sobre as revelações extraordinárias de Edwards e Louhelainen, a história do xaile parece-me quase credível e, em última análise, estou aberto à possibilidade dela ser verdade. O meu cepticismo entra por outra via: a de que o ADN encontrado no xaile é mitocondrial e, sendo assim, dificilmente pode provar que Kosminski foi Jack, o Estripador. De facto, nem sequer pode provar que Kosminski agarrou no xaile, sequer.

Sem entrar em detalhes, o ADN mitocondrial é o ADN que se encontra nas mitocôndrias das células e é herdado por via materna. Também é muitíssimo resistente à passagem das eras: assim, é possível analisar vestígios forenses muito antigos e perceber se determinado suspeito poderá ou não estar relacionado com eles, mas esse reconhecimento é, com efeito, muito lato, porque o ADN mitocondrial não permite identificações personalizadas: apenas sugere que alguém de deteminada descendência está relacionado com os vestígios. No caso do xaile descoberto por Edwards não só Kosminski é um potencial suspeito, assim como uma porção muito numerosa de londrinos seus contemporâneos. Como pode ler-se no site do próprio FBI (eu poderia citar passagens do meu livro de biologia do ciclo preparatório, mas se o site do FBI está disponível à distância de um clique, para quê complicar): «Since mtDNA [ADN mitocondrial] is maternally inherited and multiple individuals can have the same mtDNA type, unique identifications are not possible using mtDNA analyses».

Em suma: o patético Aaron Kosminski é um suspeito perfeitamente credível, apontado tanto pela New Scotland Yard e pelo FBI como o provável Jack, o Estripador. Na verdade, muitos polícias vitorianos morreram convencidos de que esta personagem poderia mesmo ter sido Jack, o Estripador. No entanto, a história do xaile ejaculado descoberto por Edwards e a análise forense de Louhelainen são demasiado especulativas para serem aceites de imediato.