No regresso a casa, vi um gato morto. Pendente a um pilar, com a cabeça
virada para a entrada de um edifício, parecia uma encomenda macabra,
motejado por moscas, das quais, se bem olhei, só uma era varejeira;
volumosa, plúmbea, como uma venefícua semente de arsénico, de toxicidade
ainda mais acirrada pela halitose adipocerina.
Imóvel, o gato
assemelhava-se a uma grande pedra forrada de porriginosas peladas — um
borralhado mineral, quasi-lunar de tão craterizado. Talvez fosse
uma mascote incapaz de sobreviver na rua; talvez fosse vadio. Na mesma
calçada onde suam as solas de turistas e sobre a qual guincham,
desquiciadas, as rodas dos carrinhos dos carteiros, jazem corpos
secretos, de perdida temporalidade. O sol ilumina-os sem lhes tocar, em
deferência, pois na luz não se acredita em nada. Só no escuro se
acredita na morte. Os cadáveres preferem as sombras.