sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Votos para 2012


O ano de 2011 já se roja até à região antárctica do calendário para morrer, qual floco de cotão empurrado por baixo da porta, mas será 2012 o annus horribilis profetizado tanto pelos extintos Maias como pelas Sibilas contemporâneas do comentário público?

A verdade assustadora não é a de que vem aí o Apocalipse, nem a de que ele já chegou sem darmos por isso: é a de que nunca existiu outra coisa -- vivemos no eschaton todos os minutos de todos os dias. É por isso que não compreendo o pessimismo. Na verdade, também não compreendo o optimismo, porque ambos se apoiam na esperança: um na esperança de que será tudo mau e o outro na esperança de que será tudo bom. Sou ateu: não me norteio por virtudes teológicas. Oriento-me pela realidade e ela demonstra que o mundo só adquire significado se nós lho imprimirmos. Gravidade, electromagnetismo, força fraca e força forte: estes são os pilares do universo -- quatro, claro. Frias forças físicas. Mas existe uma quintessência radiante, muito mais transcendente: a nossa imaginação.

Todos os dias nos dizem que não podemos imaginar.
Que não podemos sonhar.
Dizem-nos tantas vezes que, às tantas, alguns indivíduos dão por si a acreditar nisso. É uma tragédia.

Na peça Cymbeline (1611) de William Shakespeare, a deleitosa Imogen é o epítome da beleza e da generosidade -- ela é tão celeste que é quase exosférica. Mesmo assim, o marido, Posthumus, não parece satisfeito e aceita a aposta que Iachimo propõe, de que é capaz de seduzir-lhe a mulher. É claro que Imogen, puríssima, é imune a essas manivérsias, mas Iachimo é engenhoso o suficiente para lhe entrar no quarto enquanto ela dorme, semi-nua, e descobrir o sinal que têm num seio. Quando descreve o sinal a Posthumus, este acredita que a mulher deixou-se corromper por Iachimo e ordena a um criado que a mate.

Nós não podemos ser os Posthumus das nossas Imogens. Das nossas imaginações.

É natural que, às vezes, nos sintamos inseguros, como Posthumus, diante da imensa grandeza, da imensurável nobreza da imaginação, e achemos que não merecemos tão refinado ouro. Nos nossos momentos mais negros até sentimos vergonha daquilo que temos de melhor -- e deixamos que os Iachimos da vida, os humanóides que lucram com a miséria e com o desespero, nos enxovalhem as mentes. Nesses casos, os cornos nas nossas testas não são os do adultério, que, como se viu, nunca aconteceu: são os das bestas muares; daquelas que se deixam encaminhar pelos demagogos, venham eles de onde vierem.
São sempre homens inferiores.
A razão pela qual se dedicam a apagar as chamas da imaginação é porque sabem que só elas podem mudar o mundo. A austeridade não mudará o mundo. Comprar produtos por um euro para vendê-los por dois não mudará o mundo. Só a Arte pode mudar o mundo, porque só ela nos mostra que é possível. E é possível: todos os mais progressivos e luminosos períodos da história foram tempos de profundas mudanças culturais, científicas e artísticas. Só a cultura pode mudar o mundo.

Por conseguinte, os meus votos para 2012 são os seguintes: sejam imaginativos, sejam criativos, sejam mais inteligentes, nobres e generosos do que foram este ano. Leiam mais livros, visitem mais museus, ouçam mais música, vejam mais beleza. Não acreditem quando vos disserem que imaginar não é possível, porque não é verdade.
É uma mentira descarada: na peça, ninguém foi capaz de matar Imogen. Ela sobreviveu.

Ela vive. Ela vive.

(Imagem: Imogen, Wilhelm Ferdinand Souchon. 1872.)