sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Alguns livros publicados em 2011...

...que eu recomendo. Li outros que recomendaria, de igual modo, mas não foram publicados em 2011. Desde literatura contemporânea a divulgação científica, história a literatura de viagens, as minhas escolhas de livros publicados em 2011 são as seguintes:



Literatura contemporânea: The Tiger's Wife, de Téa Obreht.

A escritora norte-americana Téa Obreht (nascida em Belgrado) mata dois coelhos com uma cajadada: em primeiro lugar, ganha com distinção a categoria de Most Shaggable Writer e, em seguida, demonstra que a idade de um escritor não é desculpa para se escrever lixo. Com apenas vinte e seis anos de idade, Obreht escreveu um livro ao qual não falta nada e que, neste momento, já é um clássico no seu próprio tempo. O escritor alemão Thomas Mann ganhou em 1929 o Prémio Nobel da Literatura com o romance Buddenbrooks: Verfall einer Familie (Buddenbrooks: Declínio de uma Família), publicado em 1901 quando tinha apenas vinte e seis anos de idade (começou a escrevê-lo aos vinte e um) - é evidente que não comparo Obreht com Mann, apenas reforço a ideia de que a idade de um autor não interessa nada para a qualidade da obra: quem é bom, tanto é bom aos vinte e seis anos de idade, como aos sessenta e seis e quem é mau aos vinte e seis anos continuará a ser mau daí em diante. Não existem escritores em potência: existem escritores, ponto. The Tiger's Wife é enigmático, elegante, esquisito, encantador e apesar de ter sido escrito por uma jovem louríssima que, à primeira vista, mais parece ter saído de um casting para o programa A Casa dos Segredos (as aparências iludem - nunca se esqueçam), não consiste em "literatura de mulheres" ou "para mulheres" (seja lá isso o que for): é "apenas" literatura - da melhor que aí anda - e isso basta-lhe.



Literatura Fantástica: Eutopia: A Novel of Terrible Optimism, de David Nickle.

Sem dúvida, um dos mais bem escritos livros de literatura fantástica editados em 2011. Depois de escapar por uma unha negra a um linchamento às mãos do Ku Klux Klan, o protagonista
Dr. Andrew Waggoner (um médico negro) é envolvido na estranha comunidade Eliada, situada no estado norte-americano de Idaho e feita à medida por métodos eugénicos, que se propaga "pacificamente" na periferia de uma floresta ameaçadora, na qual misteriosos autóctones consanguíneos andam à solta. Em paralelo, o jovem Jason Thistledown vê-se, com estupefacção, como o único sobrevivente de uma doença temível que eliminou todos os habitantes da sua vila de Cracked Wheel, no estado vizinho de Montana. Enredado na comunidade de Eliada, Thistledown alia-se a Waggoner para descobrir as razões da sua sobrevivência. Eutopia: A Novel of Terrible Optimism é gothic as fuck e uma sofisticada peça de ficção de horror. Pensem em Lovecraft, pensem em Stephen King, pensem em Dan Simmons... e passem-nos ao lado para ler o canadiano David Nickle, que os mete a todos no bolso - mas à vontade - com este tour de force perturbador e pertinente.



Literatura Fantástica: Os Anos de Ouro da Pulp Fiction Portuguesa: Os Melhores Contos do Século XX (Organização e introduções de Luís Filipe Silva).

Fabuloso livro que, com engenho e bom-gosto, cria o ilustre passado ficcional da pulp fiction portuguesa. Com edição e design de Luis Corte Real (editor da Saída de Emergência, que publica este volume) e organização e introduções de Luís Filipe Silva, Os Anos de Ouro da Pulp Fiction Portuguesa é uma antologia superior: visualmente é espantosa, plena de
irrepreensíveis reproduções gráficas ao estilo das mais aparatosas revistas pulp, e as introduções que a pontuam são, por si só, extraordinárias peças de ficção que, no cômputo, perfazem uma cativante galeria. Tudo em Os Anos de Ouro da Pulp Fiction Portuguesa é fresco, vivo, apaixonante. O futuro da literatura fantástica portuguesa, por mais negro que venha a ser, nunca será tão sombrio quanto seria se não tivesse este fictício passado glorioso para servir-lhe de horizonte da memória. E, com efeito, que melhor passado para um género literário que um passado ficcional? Precisávamos dele.



Não-Ficção: Moby Duck:
The True Story of 28,800 Bath Toys Lost at Sea and of the Beachcombers, Oceanographers, Environmentalists, and Fools, Including the Author, Who Went in Search of Them, de Donovan Hohn.

Um genuíno e belíssimo trabalho de jornalismo de investigação, sem pretensões a ser lido como um romance ou coisa análoga, escrito com muita inteligência e coração. Com efeito, não há nada, mas mesmo nada, em Moby-Duck que seja mau, pedante, tíbio, afectado, preguiçoso, mal-intencionado ou cínico. Consiste num livro rigoroso, no que diz respeito ao discurso científico - sem alegorias ou facilitismos baratos que tornem simplório o fascinante conteúdo técnico - sobre a manufactura de 28 800 criaturinhas plásticas (os chamados Friendly Floaties, que caíram de um cargueiro no Oceano Pacífico quando a embarcação navegava em direcção aos Estados Unidos), sobre a odisseia oceanográfica através dos tempos e sobre a análise da poluição dos mares. E, ao mesmo tempo, no modo autêntico, liberto de tiques de vedetismo, como Hohn expõe a sua trajectória pessoal e a dos seus comparsas honorários na busca pela verdadeira história dos Friendly Floaties, invocando autores como Melville e Conrad, entre outros, é capaz de oferecer um cunho poético à investigação, ancorada em incursões históricas por clássicos mitos teriomórficos, pelo contemporâneo glamour da publicidade e, sobretudo, por uma prosa cuidada, assinalada em apontamentos de grande delicadeza. Um triunfo.



História: Cristianismo Iniciático, de António de Macedo.

Como classificar este livro de António de Macedo? Monumental? É um bom começo. Uma profunda e meticulosa perspectiva história sobre o gnosticismo e as influências ditas esotéricas nas tradições crísticas que, em simultâneo, desmistifica e esclarece. Numa divisão do capítulo cinco, intitulada "Um Pouco de História Contrafactual", Macedo cria uma peça de história virtual na qual especula sobre qual seria o estado da cultura ocidental se essas influências "esotéricas" não tivessem existido: quão pobre seria, de facto. Embora o título do livro seja Cristianismo Iniciático, o texto não se esgota nesse tema: é, pois, um verdadeiro mapa para as origens do mundo ocidental contemporâneo e a erudita escrita de Macedo é exacta como a agulha de uma bússula. Um livro magnífico, escrito por um dos nossos mais brilhantes polímates.



Política e Estudos Sociais: The Origins of Political Order: From Prehuman Times to the French Revolution, de Francis Fukuyama.

Nesta primeira parte de uma obra dedicada às origens e ao futuro do fenómeno político, o politólogo norte-americano Francis Fukuyama apresenta-se como um homem novo, liberto da tónica neo-liberal. Uma excelente e erudita mistura de teoria política, história e filosofia que, de certeza, meteu medo a quem tem uma visão meramente economicista do mundo e pensou ter um aliado em Fukuyama. Nesta altura em que o ensino da filosofia foi extinto dos currículos e o da história é considerado como não sendo estruturante, este opus de Fukuyama, que ainda tem como "quarta coluna" a ciência, é um tóteme de tinta ainda fresca que testemunha a vitalidade dessas disciplinas. Uma análise audaz, cuja conclusão aguardo com expectativa.



Divulgação Científica: The Hidden Reality: Parallel Universes and the Deep Laws of the Cosmos, de Brian Greene.

Acho que The Elegant Universe (1999), livro de estreia do físico norte-americano Brian Greene é um livro extraordinário - temerário, até -, mas a obra seguinte, The Fabric of the Cosmos (2005), é exageradamente reader friendly para o meu gosto: demasiadas alegorias baseadas em americana para tornar perceptíveis, ao leitor leigo em física, conceitos complexos como a teoria de cordas e a estrutura das dimensões paralelas. Felizmente, em The Hidden Reality, Greene recupera o estilo seco do seu primeiro trabalho, oferecendo mais uma visão desafiante da(s) realidade(s). Na página 163, o próprio autor pergunta com ironia «Is this science?» - citando Jack Nicholson em Batman (1989), eu respondo que "I don't know if it is, but I like it". (Leiam The Elegant Universe primeiro, contudo.)



Esoterismo: Quando o Xamã Voava: Sonho, Erotismo e Morte no Xamanismo, de Gilberto de Lascariz.

Embora seja natural incluir este livro na categoria supracitada, ele apresenta-se mais como uma análise histórica - e erudita - sobre o fenómeno xamânico, desde as suas origens até às formas nas quais se manifesta presentemente. Com uma força, eloquência e sentido poético que não são habituais na maioria dos autores que se dedicam à escrita de livros esotéricos, Lascariz apresenta uma visão simultaneamente histórica e pessoal sobre o xamanismo (o verdadeiro, de raiz siberiana), assente na experiência, no rigor documental e no fulgor ferino da imaginação.



Literatura de Viagens: Estonia: A Ramble Through the Periphery, de Alexander Theroux.

A mulher do escritor norte-americano Alexander Theroux, a pintora Sarah Son-Theroux, viajou até à Estónia, ao abrigo de uma bolsa atribuída pelo Programa Fullbright, e ele acompanhou-a durante parte da estadia, aproveitando para estudar o país e anotar algumas considerações. Na sua estreia na literatura de viagens, o género habitual do seu irmão mais novo e mais célebre Paul Theroux, Alexander Theroux apresenta-se com um estilo surpreendentemente acessível (acessível em padrões "alexandertherouxianos"), mas não menos enciclopédico. Sem nunca perder o Norte (trocadilho intencional), Theroux usa a Estónia como pretexto para ensaiar os mais diversos temas - e se nem sempre concordo com as suas opiniões, é sempre um prazer imenso lê-las, em virtude da solidez e honestidade intelectual com que as fundamenta. Um bom livro para quem quer iniciar-se sem grandes espaventos na escrita deste verdadeiramente genial autor, mas que não possui nem a força nem o resplendor dos seus maravilhosos romances.




Teatro: O Sangue e o Fogo, de António de Macedo.

As três peças teatrais da autoria de António de Macedo que, neste volume, se reúnem sob a designação O Sangue e o Fogo podem ser lidas, de facto, como variações de um tema principal. Plenas de significado esotérico, pedem para ser cotejadas com três estágios da Grande Obra: nigredo, albedo e rubedo. A última peça, sobre as consequências da descoberta do registo da voz do Cristo histórico num artefacto de barro, no qual o estilete do oleiro fez de agulha de um gravador de discos de vinil, é de antologia.
Inteligente, inventiva e até insolente, esta ficção fantástica de teor alquímico vai transformar as vossas almas.