segunda-feira, 28 de setembro de 2009

O "cinema" está de volta

«O 'direito do primeiro ocupante', embora não seja mais real que o 'direito do mais forte', não se torna um verdadeiro direito até que se institua a propriedade. Cada homem tem um direito natural a possuir aquilo que precisa (...) Como pode um homem ou um povo usurpar um vasto território e manter afastados todos os outros, senão pela usurpação criminosa - já que o acto privaria o resto da humanidade do abrigo e da comida que a Natureza tem para dar, a todos em comum?»
Jean-Jacques Rousseau, Du Contrat Social: Ou Principes du Droit Politique.


Iniciar um comentário ao filme District 9, de Neil Blomkamp, com um excerto de O Contrato Social, de Jean-Jacques Rousseau, é correctíssimo e depois de verem o filme irão perceber porquê, já que ele pode ser entendido como uma alegoria sobre os terrores do regime sul-africano segregacionista do Apartheid (Blomkamp, que é branco, nasceu na África do Sul e não é inocente a escolha do enredo de District 9 se desenrolar nesse território). Porém, o filme é vasto o suficiente para permitir outras leituras.

Há mais de vinte anos, desde a estreia de Aliens, de James Cameron, que eu não via um filme assim.
District 9
não faz concessões, a não ser a de querer manter as emoções e o intelecto do espectador ao rubro. Não se vislumbram nenhuns momentos de comic relief, nem sidekicks adolescentes, muito menos a montagem frenética - devedora dos videojogos - que, infelizmente, se tornou mandatória naquilo que é suposto ser um blockbuster de acção. Na verdade, a estreia de Blomkamp (29 anos de idade) como realizador parece ter andado a vogar no limbo (como a nave extraterrestre de District 9) durante a segunda metade dos anos oitenta e a década de noventa do século passado para, neste momento, nos cair em cima. E que falta nos fazia!

Há pertinência, poesia e rebeldia em District 9. Das verdadeiras.
Há referências explícitas (sem caírem na foleirice do pastiche, note-se, o que é notável) a cineastas como Cameron, Cronenberg, Verhoeven, Carpenter e ficamos a pensar que este era o tipo de filmes que eles deviam andar a fazer.

Várias vezes se usa o adjectivo "clássico" para cifrar a suposta qualidade de obras nossas contemporâneas, mas este será um dos raríssimos casos em que essa palavra é a única que serve de classificação: District 9 é um clássico. Em parelha com The Descent, de Neil Marshal, (este título no género do Horror), consiste num filme moderno que é capaz de se transcender e encontrar um lugar perene na memória cinematográfica (como Aliens, The Fly ou Robocop fizeram). É claro que os detractores dos ditos géneros menores continuarão a dizer cobras e lagartos deste género de filmes, mas são eles, mais que os outros, considerados "eruditos", que nos mostram soluções para os nossos problemas e os comentam com uma força e pertinência que não se encontra em mais lado nenhum.

Vão ver District 9, já! Não hesitem nem por um segundo.
É o cinema "a sério" (adulto, violento, inteligente) que está de volta.

domingo, 27 de setembro de 2009

O processo

O realizador de cinema Roman Polanski foi detido na Suíça e aguarda a extradição para os EU, por culpa de um mandato de captura emitido, em 1978, no decurso de um processo em que foi acusado de violação de uma menor. A história deste processo não consiste em nenhuma novidade para quem se interessa por cinema, e pelo cinema de Polanski, em particular, mas talvez nenhum cinéfilo esperasse que ele fosse, finalmente, capturado, passados todos estes anos.
Aparentemente, a partir de agora, vai passar o resto da vida dele na prisão.

Não vou discorrer sobre se Polanski merece (ainda) ser castigado ou não por esse suposto crime que cometeu, há mais de trinta anos, e cujas circunstâncias se encontram documentadas em diversas fontes disponíveis - de modo que qualquer interessado na matéria pode informar-se e formular a sua própria opinião. Talvez ele mereça ser preso, talvez não: avaliar isso compete a quem de direito, claro está. Mas se não tenho opinião sobre isso, tenho uma opinião sobre outra coisa.

Polanski é um artista. Deixou-nos obras belíssimas que, de certeza absoluta, serviram de inspiração a centenas de pessoas e a outros artistas. Mais que isso, sempre foi um realizador que desbravou caminho com os seus filmes, mostrando que fazer cinema podia e deveria ser um exercício pertinente de imagem e linguagem. Estamos a falar do homem que realizou The Fearless Vampire Killers, Repulsion, Rosemary's Baby, Tess, The Pianist, The Ninth Gate, Pirates, entre tantos outros. Portanto, a minha primeira pergunta é a seguinte: o nosso mundo não seria um pouco mais pobre sem estes filmes? E sem aqueles que Polanski ainda poderia realizar, daqui em diante? Teria valido a pena deter Polanski, em 1978, sabendo que, dessa forma, ele nunca nos poderia ter dado The Pianist, por exemplo, um filme que, provavelmente, contribuiu mais para criar um mundo justo e com melhor memória que qualquer pena de morte ou de prisão perpétua já sentenciadas?

Eu não sei se Polanski merece ser preso (ainda) ou não.
Só sei é que o mundo é um lugar melhor com ele cá fora. Disso, tenho a certeza.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

MUCHA - Lançamento

Mucha, o meu novo álbum de banda desenhada, ilustrado por Osvaldo Medina e Mário Freitas, está quase a chegar: o lançamento será no sábado 24 de Outubro, às 16H00, no Fórum Luís de Camões, espaço onde irá realizar a 20ª edição do Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora. O álbum também será alvo de uma exposição temática, com as pranchas originais e outras surpresas.
Uma edição da Kingpin Books.


terça-feira, 22 de setembro de 2009

Eles comem tudo, eles comem tudo...

(Da esquerda para a direita: João Seixas, Ricardo Duarte (o moderador da tertúlia), Rui Pedro Baptista
que, infelizmente, nesta imagem não aparece, e eu.)


... eles comem tudo e não deixam nada.
Nada?!
Nada como uma vampirada em pleno período de campanha eleitoral, desta feita na Praça Luís de Camões, promovido a nova zona erógena de Lisboa desde que castraram o Bairro Alto. Depois de uma dose de cultura alucinante, oferecida de bandeja por mim, por João Seixas e Rui Baptista, por cortesia da Editora Objectiva que se lembrou de organizar este excelente espaço de convívio em volta dos livros, o público ficou exangue. A conversa sobre vampiros na literatura fez-se com o livro A Estirpe, de Guillermo Del Toro e Chuck Hogan, como eixo. Eu já li e recomendo: é uma história intensa, com substrato referencial e, felizmente, sem o sentido de humor adolescente de "coisas" que por aí andam a sair ao Sol e que - essas sim! - metem medo pelos motivos errados. Ora quem trata os vampiros por tu não irá ter medo nenhum d'A Estirpe; pelo contrário, vai divertir-se e ficar à espera do próximo volume.

(Da esquerda para a direita: João Seixas, Ricardo Duarte, Rui Pedro Baptista e eu.)

domingo, 20 de setembro de 2009

A Conspiração dos Antepassados

Neste mês comemora-se o septuagésimo nono aniversário da visita que o mago inglês Aleister Crowley fez ao poeta português Fernando Pessoa, em Lisboa. Esta ocasião lembrou-me de avisar que a edição especial do meu romance A Conspiração dos Antepassados (Saída de Emergência, 2007), sobre esse encontro (e não só) que já teve duas edições, vai sair no primeiro semestre do próximo ano, mesmo na peugada do meu novo romance que será editado para meados de Fevereiro.

Para quem já leu A Conspiração dos Antepassados, deixo a menção que a edição especial terá algumas surpresas... Para quem ainda não leu, e deseja descobrir que motivos terão levado Aleister Crowley a encontrar-se com Fernando Pessoa, e o que é que o mito sebástico e a obra do artista renascentista português Francisco D'Ollanda têm a ver com isso, deixo um convite para que o leiam e o levem com vocês para casa (façam, pois, o download do primeiro capítulo).

Aproveito, também, para divulgar a entrevista que dei ao site O Major Reformado, de Nuno Hipólito, aquando da publicação da primeira edição do romance.

Para terminar, e para quem se interessa sobre a vida e a figura de Aleister Crowley, ficam dois excertos de uma palestra que eu dei no Fórum Fantástico (evento organizado pela Associação Épica) e que se dedica a divulgar o género Fantástico nas artes. A palestra teve como tema as ligações entre as personagens principais do romance, assim como exposições sobre temas do esoterismo português e europeu que se relacionam com a narrativa (os excertos foram filmados por Miguel Garcia).



quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Animais novos (e velhos)

Duas criaturas novas que eu adquiri. O novo livro de Richard Dawkins, The Greatest Show on Earth: The Evidence for Evolution e...

... o romance 2666 de Roberto Bolaño.

Estou ansioso em relação aos dois, claro, mas como Bolaño é, ainda, animal criptozoológico no meu biblestiário (e Dawkins é velho conhecido, lido e relido e trirelido) é sobre ele que a curiosidade se debruça de modo mais inquisitivo: será tão bom como andam por aí a dizer?... É capaz, é capaz, mas de autores geniais estão as minhas estantes cheias, dos mais obscuros aos mais afamados, por isso a concorrência vai ser forte. É a tal lei da selecção natural de que falava Darwin. Hum!... Dawkins e Bolaño... Faz todo o sentido, pelos vistos. Ou fará. Depois de ler, logo vos direi.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Afiem os dentes!


No próximo fim de semana (dias 19 e 20), a editora Objectiva promove um evento ambicioso: dois dias, ininterruptos, dedicados aos livros e às conversas que os orbitam, pelas vozes de autores, editores e leitores. Trata-se, pois, de um encontro que os bibliófilos e os curiosos de ocasião não devem perder, na Praça Luís de Camões.

No âmbito deste evento, e na noite de sábado para domingo, a partir das 23H30, irei participar numa tertúlia literária, cujo tema são os vampiros: A Literatura Fantástica e o Universo Vampírico.
Em conjunto com João Seixas, Maria do Rosário Monteiro, Rui Baptista e Pedro Sena Lino, a conversa terá como mote a edição portuguesa do livro A Estirpe (The Strain) do realizador de cinema Guillermo del Toro e do escritor Chuck Hogan, primeira parte de uma trilogia sobre uma epidemia de vampirismo.
Recebi o livro hoje e pelo que já li parece-me bem feito, com todas as coisas nos sítios certos. Tem, também, um certo ambiente construído "à maneira antiga", que deverá casar muitíssimo bem com o dinamismo que a narrativa principal promete.

Amantes de literatura de horror, fãs de histórias com vampiros ou, simplesmente, insones que andem a velar pelo centro da cidade, são bem-vindos. Haverá, certamente, lugares para todos.

De quinta-categoria

Já alguém ouviu falar no escritor canadiano Robertson Davies (1913-1995), autor de inúmeros romances, contos, ensaios e libretti?
Até há poucos dias, este autor era, para mim, um desconhecido, até que um email que me foi enviado por um site onde, normalmente, costumo comprar livros antigos mostrou-me uma lista de recomendações, nas quais figurava a Trilogia de Depford de Davies. A descrição intrigou-me, de imediato, e mandei-a vir. Acabei de ler o primeiro livro da trilogia, intitulado Fifth Business, e fico feliz por revelar que se trata de um livro absolutamente extraordinário.

Já há algum tempo que não lia um livro tão bom.
Mágico, irónico, inteligente, surpreendente, são palavras que, na ressaca da leitura, me parecem todas ineficazes para evocar os sentimentos que esta obra incitou.
A história tem início na aldeia canadiana de Depford, cadinho em que são formadas as personagens que iremos seguir ao longo de três volumes, cada um concentrado em demonstrar a vida de uma das três personagens que esteve envolvida num bizarro acidente: um miúdo atirou uma bola de neve a outro, mas este esquivou-se e o projéctil atingiu uma mulher grávida, provocando um parto prematuro. O bebé, nascido quatro meses antes do tempo, sobreviveu e, passados uns anos, tornou-se um famoso ilusionista. O miúdo que atirou a bola escamoteou a culpa da memória e transformou-se num riquíssimo homem de negócios. O labéu caiu, pois, no colo daquele que se esquivou. Roído pelas dúvidas e pelos remorsos, a personagem principal de Fifth Business, o professor universitário e hagiógrafo extraordinário Dunstan Ramsay, vai tornar-se o protector da mulher lesada, ao mesmo tempo que vê nela uma espécie de santa. Será que é mesmo?

O título Fifth Business alude à designação dramatúrgica pela qual são chamadas as personagens que estão ao serviço da fluidez narrativa de uma peça teatral: não são as principais, nem as secundárias, quanto muito podem chamar-se as de "quinta categoria". Ou seja, no pequeno drama que consiste o incidente da bola de neve, Ramsay vê-se como uma personagem de quinta categoria: alguém essencial ao desenvolvimento dos acontecimentos, sem dúvida, mas que se encontra à margem dessas minuciosidades. Será que é assim? Será que a leitura que a personagem faz de si própria corresponde à realidade? E, se não corresponde, porque é que ela pensa dessa forma?

Fifth Business contém passagens excepcionais, assim como monólogos inesquecíveis, vindos das bocas das mais excêntricas criaturas, como, por exemplo, o padre jesuíta que se torna amigo de Ramsay. Descobri numa pesquisa que fiz no Google que existe uma edição - algo obscura? - deste romance em português do Brasil (O Quinto Personagem), mas, mesmo assim, penso que não será errado dizer que ele é um tesouro (infelizmente) ainda por descobrir. Quem souber ler em inglês, descubra-o na versão original, já! Neste preciso momento. Vão à Amazon ou a outro site qualquer do mesmo género e comprem Fifth Business sem hesitar.

Não se trata de um romance de literatura fantástica, mas o tom e os acontecimentos aproximam-no com elegância desse género, deixando magia nas pontas dos dedos, mais ou menos parecida com o pó das asas de uma borboleta. É um livro bom que se farta. É um livro como já não se fazem. É, de certeza, "aquele" livro que vocês querem ler.
M-a-r-a-v-i-l-h-o-s-o-!

(Assim que tiver lido os volumes seguintes da trilogia irei escrever sobre eles.)

sábado, 12 de setembro de 2009

Madeira!

Hoje à tarde fui dar um passeio a pé e entrei numa livraria da minha vizinhança, a qual não visitava há uns meses, e, de modo descontraído, agarrei num dos livros de literatura fantástica, escrita por novos autores portugueses, que foi publicado há pouco tempo. Li a contracapa, a primeira página e não precisei de ler mais nada para perceber que aquilo era mau. Desculpem lá a arrogância, mas já leio há anos suficientes para perceber quando um livro é bom ou mau.

Não vou revelar o nome do livro, do autor nem sequer o da editora, porque, para ser sincero, não sou crítico e não me fica bem estar a ir mais longe do que estou a ir, mas, para ser sincero outra vez, não posso deixar de expressar a minha opinião sobre o que está a suceder no campo da literatura fantástica escrita e editada em português. Vou ser o mais sintético possível, porque aquilo que tenho para dizer resume-se em poucas palavras.

Em primeiro lugar, tenho a ideia de que um género, enquanto identidade (à falta de melhor nomenclatura) de uma obra artística, deve ser avaliado pelos melhores trabalhos que os autores que nele encontram um modo de expressão têm para oferecer e não pelos piores trabalhos que, de uma forma ou de outra, acabam por vir à superfície. Penso que isto é importante, porque de outra forma será impossível mostrar ("convencer" é uma palavra com um lastro demasiado pesado) aos detractores do género Fantástico que ele serve de parteira a obras inteligentes, pertinentes e capazes de rivalizar com os melhores trabalhos acolhidos pela literatura dita erudita. Ou seja, não será, com certeza, com o tal livro que eu encontrei hoje à tarde que os académicos, os críticos ou até os leitores comuns, adversos ao género Fantástico, irão persuadir-se que ele serve de arauto a obras literárias capazes de prolongar o impacto da recepção após a leitura. Talvez nunca irão persuadir-se disso, até, mas, ao menos, dêem-lhes hipótese de mudarem de ideias.

Estou cansado de viver nestes tempos politicamente correctos em que tudo tem o mesmo peso e a mesma importância: não é verdade. As coisas não têm todas o mesmo peso. As coisas não têm todas a mesma importância.
Escolhas editoriais desta natureza, baseadas somente na percepção de que o género Fantástico atravessa um período de popularidade junto do público, sem quaisquer critérios que as orientem, ainda poderão vir a ter consequências aborrecidas daqui a uns tempos. Pelo que me diz respeito, ainda bem que a literatura fantástica atravessa uma fase de grande popularidade (acho que devia ser ainda mais popular), mas é preciso ter em mente que nem tudo aquilo que, à partida, se pode inscrever como literatura fantástica vale a pena ser publicado. Ou melhor: escrito.

Às vezes acho que ainda ninguém deu conta que estamos a falar de livros.
Não é suposto um livro ser uma coisa séria?
Mesmo um livro humorístico é uma coisa séria - eu acho que The Third Policeman, de Flann O'Brien, por exemplo, é um livro sério que se farta, apesar de ser humorístico. Eu acho que Jerusalem Poker, de Edward Whittemore é um livro sério que se farta, apesar de ser humorístico. Porque é que há outros livros que, mesmo não sendo humorísticos, como aquele que eu encontrei hoje, não são sérios?
Acho que a resposta é óbvia: porque os autores não se levam a serio.
Ora, se eles próprios não se levam a sério, porque carga de água é que os leitores devem levá-los a sério?
Porque é que os leitores devem pagar mais de vinte euros por um livro mau? Porque é que os leitores devem pagar mais de vinte euros por um livro mau que, flagrantemente, foi escrito por um autor que não conhece o género em que quer ingressar? Aliás, porque é que ele quer ingressar neste género, em primeiro lugar?
Eu acho que estas perguntas são importantes, porque acho que a literatura é uma coisa importante - não deve ser tratada com leviandade. Criar não deve ser tratado com leviandade.

Não tenho respeito por um escritor que queira escrever literatura fantástica e não conheça o género Fantástico. Vocês acham que um aspirante a escritor de literatura dita erudita é olhado com complacência pelos académicos quando demonstra ignorância sobre determinados autores que fazem parte do cânone? Então porque é que isso acontece no campo da literatura fantástica? Porque é que não insistimos que um escritor, um crítico, um editor - um leitor - de literatura fantástica deva conhecer os melhores representantes do género? Aliás, como é que alguém quer escrever literatura fantástica sem ter lido aquilo que outros escritores já fizeram?

Estou a olhar para as minhas estantes e vejo montes de livros que, de certeza absoluta, só meia-dúzia de gente deste país é que já os leu. Seria interessante perguntar ao autor do livro que eu encontrei hoje se já leu alguma coisa escrita por Gene Wolfe, Mervyn Peake, Michael Swanwick, Sinclair Lewis, Thomas Disch, John Wyndham, Alfred Bester, Clive Barker, William Hope Hodgson, Edward Carey, E. R. Eddison, Poppy Z. Brite, Thomas Ligotti, Shirley Jackson, Walter M. Miller e outros que eu poderia estar aqui horas a fio a transcrever. É que o género Fantástico não se resume à Juliette Marillier, ao Neil Gaiman e à Stephenie Meyer. Acho que está na altura de começarmos a levar as coisas a sério, se queremos que o género Fantástico seja olhado com outros olhos pelos leitores que o desdenham porque têm preconceitos, ideias feitas ou medo - porque não dizê-lo? - desse tipo de literatura.

Isto faz-me lembrar a velhíssima interrogação metafísica sobre se uma árvore que cai na floresta sem que ninguém esteja lá para ouvir faz ruído quando bate no chão...
Será que quando um livro mau é publicado, e não existam leitores capazes de perceber se ele é bom ou mau, ele é, de facto, mau?

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Três Mestres do Horror no MOTELx

Neste link podem ver alguns excertos da Masterclass de Stuart Gordon, moderada por mim. É bom ver que o cinema de horror e, neste caso, as reflexões que a ele vêm associadas e que as suas imagens suscitam são capaz de encher uma sala com ouvintes interessados.

Outro mestre do cinema de horror que o público teve o privilégio de ouvir foi António de Macedo, presente no festival para apresentar o seu filme A Maldição de Marialva: história passada no Portugal medievo e que se baseia numa versão beirã da lenda da Dama de Pé de Cabra. Um belíssimo filme, com uma fascinante fotografia, servido por uma reconstituição histórica tão arrojada quanto apurada. A cenografia engenhosa faz-nos acreditar que estamos, de facto, diante de um castelo e de uma aldeia do século X, quando, na verdade, a maioria das cenas foram filmadas em estúdio - um feito que, sem nenhum pudor, coloco em equivalência com a extraordinária recriação de Tânger feita em estúdio por David Cronenberg em Naked Lunch.

John Landis veio ao MOTELx para apresentar a versão remasterizada de An American Werewolf in London e para falar ao público numa Masterclass moderada por Filipe Homem Fonseca. Podem ver excertos dessa Masterclass aqui.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Horror à janela


O meu álbum de banda desenhada, Mucha, está quase pronto. É desenhado por Osvaldo Medina, arte-finalizado por Mário Freitas e será apresentado no próximo Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora. Uma edição da Kingpin Books, com introdução de Pedro Moura.

Mucha é um álbum que aguardo com entusiasmo. É uma história de horror maduro (adulto), sem concessões e momentos humorísticos para aliviar a tensão, desenhada ao estilo neo-gótico dos comics Tales From the Crypt e House of Mistery. Em suma: é feio, puro e duro. O que não desvirtua a mensagem que lhe está contida, mas essa descodificação é trabalho dos leitores.

O meu novo romance está acabado, como sabem, e será editado no início de 2010, provavelmente em meados de Fevereiro. Posso garantir-vos, meus leitores, que têm aqui muito que ferrar o dente: personagens complexas, um ambiente de cortar à faca e, claro, o rigor consorciado com o horror. Mas, até lá, Mucha faz-vos companhia.

Ontem fui à abertura do MOTELx e gostei do filme: Rogue, sobre um crocodilo gigante que come turistas atrás de turistas enquanto o Diabo esfrega um olho. O filme está bem feito, com sobriedade, e carrega em todos os botões certos. Depurado e esgrouviado, ao mesmo tempo - não é feito menor. Consultem a programação do festival, porque há muitas mais coisas imperdíveis que vocês, de certeza, vão querer ver.

Destaco as Masterclass dos realizadores Stuart Gordon e John Landis (sábado e domingo, às 19H15), porque acho que vale sempre (muito) a pena ouvir aquilo que os criadores têm para contar.
Uma nota para quem segue e gosta do meu trabalho (e, claro, do género do horror, na generalidade, e dos filmes de Stuart Gordon, como é óbvio): irei moderar a primeira Masterclass.