quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O Idiota, ou Aquele Sem Grande Experiência de Vida

De maneira geral, ignoro a estupidez quando ela passa por mim, mas há coisas que eu tenho mesmo de comentar, como esta resposta que o escritor português de literatura fantástica Fábio Ventura deu a um repórter que o entrevistou para o jornal A Voz de Quarteira.

O jornalista pergunta «O Fábio nunca pensou em escrever livros em outro género literário?» Fábio Ventura responde que «Sim, mas isso é algo que será feito a seu tempo (...) A minha carreira literária ainda só tem um ano e meio (...) Fico feliz por ter começado pelo Fantástico, uma vez que é o meu género preferido, mas também porque é um género adequado a alguém da minha idade que ainda não tem muita experiência de vida» [sic].

A pergunta feita pelo jornalista revela, entre outras coisas, o desconhecimento de que o Fantástico não é um género infantil, nem algo vergonhoso que é preciso extirpar de maneira a ganhar credibilidade no mundo das letras. Os escritores de literatura fantástica são-no porque as suas vozes autorais assim os cunham. Não nascem em viveiros, nem o Fantástico é uma estufa-creche onde eles amadurecem antes de irem escrever para os cultivados terrenos da literatura séria e adulta. Se Fábio Ventura, autor do díptico (e detrítico) Orbias, composto pelos títulos As Guerreiras da Deusa e O Demónio Branco, pensa assim, como se pode ler na resposta que deu, é uma prova definitiva, cabal, peremptória, determinante e deprimente de que ele não conhece, não compreende e não sabe escrever literatura fantástica.

Uma opinião estúpida e um livro mau fazem um estrago muito maior que o bem que uma opinião esclarecida e um livro bom podem fazer, por isso torna-se imperativo desmistificar palavras do jaez das de Fábio Ventura.

O Fantástico não é imaturo e não está em crescimento.
Só é imaturo quando há escritores que escrevem maus livros (decalcados da série de anime Sailor Moon, por exemplo) e só está em crescimento para os distraídos que, desconhecendo a sua existência, o descobrem de repente. (Já escrevi sobre esse fenómeno aqui: http://cadernosdedaath.blogspot.com/2010/10/o-fantastico-em-crescimento-um.html).
O Fantástico é. Ponto.
Tem os seus problemas, é certo, mas acreditem que ser imaturo e adequado a gente sem experiência de vida não é de certeza absoluta um deles.

Não conheço o Fábio Ventura, nem nunca falei com ele, mas digo-lhe aqui, olhos nos olhos, que ele devia ter vergonha de dizer estes disparates que em nada credibilizam o Fantástico diante do juízo dos seus detractores.

Mas o problema da existência de escribas como o Fábio Ventura (e outros como ele, não se iludam: basta fazerem uma breve pesquisa na Internet para encontrar opiniões semelhantes às do Fábio, ditas por outros jovens "escritores" portugueses de literatura fantástica que têm surgido nos últimos dois ou três anos) está, também, na atitude acrítica dos elementos pertencentes ao círculo do fantástico português que os promovem, os encorajam e lhes dão voz.
O Fantástico português está a precisar de uma meia-dúzia de Gordons Ramsays que lhes digam "Não prestas", "Não sabes escrever", "O teu livro é uma trampa", "Desaparece".

A culpa também é dos leitores de má qualidade que lêem livros de má qualidade e enchem o ego dos escritores de má qualidade.
A culpa também é das editoras que, pelas mais variadas razões, editam este tipo de livros e fabricam estes pseudo-escritores.
A culpa também é das vanity-presses que publicam o lixo que as editoras a sério não querem publicar.
A culpa é, em suma, da cultura de tolerância ao mau em que estamos todos envolvidos.

Acho que é preciso mudar de atitude e passarmos todos a ser mais inteligentes, mais exigentes e mais sofisticados. Sobretudo, o círculo do Fantástico português precisa de ser mais crítico e menos complacente com estas personagens que sem conhecerem o Fantástico, sem terem nenhuma relação com o Fantástico, querem servir-se dele para se catapultarem para um serôdio sonho literário no campo da literatura "respeitável".