Nas últimas semanas, a praxe académica tem permanecido como tema central na comunicação social, transmitida nos horários nobres de noticiários televisivos e destacada nas primeiras páginas dos jornais, assim como debatida em diversos locais na Internet.
Sou e sempre fui antipraxe, nunca conseguindo observar na praxe nada de atractivo e edificante. De maneira geral, os blocos noticiosos têm classificado a praxe académica como sendo um ritual iniciático ou, no mínimo, como sendo um ritual parainiciático, mas acho que essa denominação é forçada. É provável que quando os indivíduos adjectivam determinadas operações com a palavra iniciação estejam a pensar num significado mais próximo da ordenação. No meu ponto de vista é este o significado que os praxistas (palavra que existe, pelo menos, desde meados do século XIX) atribuem à praxe quando insistem que consiste numa cerimónia que integra novos alunos na hierarquia académica.
A ordenação tem como objecto a incorporação do indivíduo numa determinada ordem e existem ordens muito variadas, como religiosas, militares, civis, honoríficas, esotéricas e, aparentemente, académicas. Ora, a iniciação, por seu turno, pressupõe uma aprendizagem gradual de um conjunto de conhecimentos exclusivos de um círculo restrito; ou seja, um florilégio de ensinamentos que tanto podem ser de índole profissional como puramente filosóficos. Por exemplo, as ordens chamadas de esotéricas são, em regra, iniciáticas, porque os novatos, mais do que meramente ordenados, são iniciados na aprendizagem de saberes que são privilégios dessas ordens. Nesse sentido, os infindos rituais de iniciação existentes são, geralmente, alegóricos ou simbólicos em relação aos saberes ditos esotéricos de cada ordem em particular. Possuem uma coerência semântica e discursiva correspondente com o seu próprio universo.
De sinal contrário, a praxe académica mostrada na comunicação social e que também pode ser presenciada na rua é sincrética, findando-se numa ordenação muitíssimo elementar, feita de retalhos grosseiros da mais boçal cultura popular, na qual se conjugam brincadeiras próprias de recreios de liceus com o rigor violento das recrutas. Somente por mimetismo superficial a praxe - na tónica que coloca numa espécie de catecismo da humilhação e na exibição escatológica de um tipo de sexualidade herdado do marialvismo - poderá ser confundida com iniciação, porque a praxe é um fim em si mesma e não determina nenhum percurso individual de transformação ou conhecimento. Apelidar a praxe de ritual iniciático é emprestar-lhe um cunho que ela não tem, nem nunca teve. Creio que o fenómeno da praxe é, particularmente, merecedor de crítica no que diz respeito ao contexto das universidades públicas, porque se estas são públicas dispensam quaisquer pseudo-rituais de ingressão e de passagem.
A vida é única e curta. Há quem ganhe tempo a aperfeiçoar-se e a buscar conhecimento e há quem perca tempo a embrutecer-se e a buscar o entretenimento - aqui, infelizmente, muitas vezes à custa dos outros.