A emergência das
chamadas vanity presses no nosso
mercado do livro é um fenómeno intrigante, apenas compreensível quando cotejado
com a ignorância do público-leitor e dos aspirantes a escritores sobre como
funciona esse mercado, mas, também, com a complacência com que a sociedade portuguesa
contemporânea olha para o oportunismo e para a charlatanice – principalmente quando
estas defectividades usam gravata. É uma constatação que condiz com o facto de que
Portugal é o terceiro país mais corrupto da Europa Ocidental e o trigésimo
terceiro país mais corrupto do mundo. (Vale a pena reflectir sobre estes rankings vergonhosos.)
Esclarecendo quem não
esteja familiarizado com o tema, informo que uma vanity press é uma falsa editora literária à qual os pretendentes a
escritores pagam para que esta lhes imprima os manuscritos.
Segundo a Lei de Yog,
cunhada pelo autor norte-americano James D. MacDonald, «o dinheiro deve ir sempre na direcção do autor» – é uma estratégia
heurística que deveria servir de detector de embustes, mas há quem esteja
disposto a pagar quantias elevadas às vanity
presses (às vezes milhares de euros) para que o seu manuscrito seja impresso. Recuso a designação de publicado, porque, com efeito, não
existe publicação nenhuma nessa situação: por via de uma publicação, o livro
tem como destinatário um público-leitor; no caso de uma impressão feita por uma
vanity press, o livro tem como alvo o
próprio autor e os amigos dele, porque como não existe qualquer tipo de distribuição
do livro para as livrarias (ou verifica-se uma distribuição tão residual que
mais vale a pena dizer que ela não existe, de todo) estes é que têm de vender
(ou oferecer) os livros cuja impressão pagaram e que o autor, entretanto,
guardará numa arrecadação ou numa garagem.
Como o único objectivo
de uma vanity press é fazer dinheiro
à custa dos sonhos ou das vaidades dos candidatos a escritores (há quem seja
enganado, mas também há quem saiba muito bem ao que vai), não existe nenhum
filtro que decida quais os títulos que merecem ser impressos, facto que
concorre para que se crie uma bolha de títulos péssimos, sem nenhum valor literário
ou até sem um grau elementar de simples entretenimento. Sintetizando: se uma aparente
editora pede dinheiro a um autor para lhe publicar o livro, ela não é editora
nenhuma, mas uma vanity press – o
equivalente literário da sanguessuga.
Contudo, as vanity presses, em toda a sua
repugnância, não existem por virtude própria: existem para explorar o nicho de
mercado aberto por manuscritos de candidatos a autores recusados por editoras. Nesse imenso conjunto
de obras de mérito desigual exubera o lixo literário e manuscritos verdadeiramente
inqualificáveis, mas é verdade que também existe uma pequena percentagem de obras
interessantes. É lamentável que, por vezes, obras dessa natureza tenham de partilhar
o espaço de escritos tão revoltantes que só puderam ver a luz do dia porque alguém
pagou para que eles fossem impressos.
Leitores: não comprem
livros impressos por vanity presses.
Aspirantes a escritores:
não paguem para que os vossos manuscritos sejam impressos.