Este estuosíssimo Dia Mundial da Poesia parece ter sido criado
ad
hoc (ou seja, com o significado de
em específico - e não com o de
arbitrariamente, como, infelizmente, se costuma dizer) para que eu
divulgue as minhas traduções das poesias tafófilas, pertencentes à
chamada
Graveyard School,
que li na minha palestra, dada na passada sexta-feira, na
Fundação Marquês de Pombal, no âmbito da programação da terceira sessão da segunda edição do ciclo de palestras sobre terror
Sustos às Sextas.
Assim, publico agora algumas das peças lidas e apresentadas nessa
altura, assim como um dos excertos que não tive oportunidade de ler; em
breve, seguir-se-ão os restantes.
Neste primeiro grupo seguem dois
excertos da obra
Night Thoughts (1742) do clérigo e poeta inglês
Edward Young e dois excertos da obra
Meditations Among the Tombs
(1746) do clérigo e escritor inglês
James Hervey.
«Morte!, grã proprietária de todos! É tua regalia
espezinhar os impérios e extinguir as estrelas.
O próprio sol, por tua permissão brilha;
hás de extirpá-lo de sua esfera, um dia.
Porquê, oberada com tal saque soberano,
disparar tantas flechas a um alvo humano?
Porquê os peculiares rancores contra mim?»
«O que é o próprio mundo?, o teu mundo? – Um túmulo.
Onde está, pois, um pó que nunca viveu?
A pá e o arado perturbam os nossos antepassados;
do mofo humano colhemos o pão de cada dia.»
«Céus! A cena infunde respeito!, como é severa a penumbra! Aqui é a
perpétua escuridão; e é de noite, mesmo ao meio-dia. Tão pesarosa é esta
solidão! Nem um vestígio de gaia comunhão, onde a tristeza e o terror
parecem ter feito a sua temida morada. Ouçam!, como a cúpula oca ressoa a
cada passo. Os ecos, tanto tempo adormecidos, são, agora, despertados;
e, em suspiros, lamentam-se ao longo das paredes.
Um feixe ou dois
de luz abrem caminho através das grades, reflectindo o brilho mais fraco
dos pregos dos caixões. Muitos destes tristes espectáculos, meio
escondidos pelas sombras, e só vagamente vistos entre o crepúsculo
funesto, adicionam um horror profundo a este tipo de mansões lutuosas.
Perscruto por entre as inscrições, que mal vislumbro, e descubro que são
os restos mortais de gente rica e famosa. Nenhuns mortos vulgares estão
aqui depositados. Os mais ilustres e de honrada ascendência reclamaram
este espaço para seu último refúgio. E, de facto, eles conservam uma
umbrosa pré-eminência: organizados em desanimada disposição, sob os
arcos deste amplo sepulcro, repousam numa espécie de pompa silenciosa;
enquanto os cadáveres mais humildes, sem cerimónias, descem até as
pedras da cova.»
«A mortalha e o caixão são a derradeira
fronteira de todos os desígnios terrenos. Neles, os filhos do prazer
dirão o último adeus aos seus queridos deleites; nunca mais serão
ungidos de perfumes, os sensualistas, nem coroados de botões de rosas.
Jamais cantarão mais melodias ao violino, nem pandegarão novamente em
festins de vinho. Em vez de terem mesas sumptuosas, com doçuras
deleitosas, esses pobres voluptuários serão, eles mesmos, banquetes para
engordar insectos: os répteis regozijarão com suas carnes e os vermes
farão deles as suas delícias. Na mortalha e no caixão também fracassará
a beleza – a beleza brilhante perderá o lustro. Oh!, como as suas rosas
murcharão e os seus lírios definharão nesse solo sombrio! Veja-se como o
grande nivelador derrama desprezo sobre aqueles que nos encantaram os
corações; como transforma em deformidade aquilo que, antes, cativara o
mundo.
Pudesse, então, o amante ter uma visão da sua adorada,
outrora formosa – que inesperada surpresa o assaltaria! "Será que este é
o ente que eu, não há muito tempo, admirava apaixonadamente? Eu
costumava dizer que ela era divinamente bela e pensei que ela seria um
pouco mais do que mortal. (...) Como é que isto, que apenas há algumas
semanas era adorável aos sentidos, pode agora ser tão insuportavelmente
repugnante? Onde estão as bochechas coradas? Os lábios coralinos – onde?
Para onde foi o ebúrneo pescoço no qual a melena encaracolava em cachos
reluzentes? (...) Assombrosa adulteração! Felicidade enganadora!
Carinhosamente, andei eu maravilhado com este meteoro cintilante: ele
brilhava e eu, pensando que para o bem, confundia-o com uma estrela. Que
desgraçado sobejo, caído de uma esfera que não era à sua! Tudo o que
posso entrever dele é esta massa pútrida."»