terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Em guerra com o epocalismo



Nas últimas semanas, passada a efeméride do armistício da Primeira Grande Guerra, tem-se difundido a ideia errada que essa foi a primeira guerra "moderna" ou "industrial", quando, na verdade, não foi nem uma coisa, nem outra, muito menos a primeira guerra "mundial".
Quanto à última classificação, essa deverá ser atribuída à Guerra dos Sete Anos, de 1756 a 1763, conflito que, à época, envolveu toda a Europa e as suas dependências ultramarinas, num inédito cenário global (a sátira Cândido, ou O Optimismo de Voltaire, publicada em 1759, tem como pano de fundo este confronto).
No que concerne aos primeiros dois epítetos, pertencerão à Guerra Civil Americana, de 1861 a 1865, na qual figuraram profusamente granadas, metralhadoras, bombas, caminhos de ferro, telégrafos, barcos couraçados e submarinos. Aquilo que esta guerra perde em expansão continental recupera em sanguinolência, pois também aqui se estreou o conceito de "guerra total" (embora sem esse nome, que só apareceria na Primeira Guerra Mundial).
Na realidade, a Primeira Guerra Mundial — espécie de grande guerra civil europeia — deixou ainda bastantes terrenos incólumes que, um pouco mais à frente, outra catástrofe de contornos maciços tratou de terraplanar sem piedade: o impacto — este, sim, autenticamente global — do 'crash' da bolsa de valores americana, cuja reverberação afectou economias que a Primeira Guerra Mundial não ameaçara drasticamente; e, sobretudo, teve um efeito devastador na economia alemã — mais que a obrigação de pagar as reparações de guerra estipuladas no tratado de Versalhes.
Para não complicar demasiado as coisas, nem sequer falei na Guerra da Crimeia, de 1853 a 1856...