O reconhecimento do indivíduo como sendo um amigo resulta de alcançar-se uma especial transcendência sem a qual não existe integração do outro. A minha perspectiva, que é a de alguém que estuda o Humano e o Não-Humano em todas as acepções, é a de que essa integração só acontece quando o indivíduo perde a forma e se abstractiza em pura ideia.
Com efeito, percepcionamos a nossa própria forma de maneira parcelar, abstracta ou até invisível — um mapa mais completo é sempre uma forma imanente do espelho, da fotografia, feitiços que evidenciam a realidade de o Eu ser transparente, amorfo, interior, secreto, arisco a representações. Olha-se para o espelho, olha-se para a fotografia e pensa-se que o Eu não está nessas imagens: de algum modo, no acto da estampagem, ele fugiu, metamorfoseou-se, disfarçou-se ou converteu-se em algo com que não nos identificamos verdadeiramente. O fantasma da Mente, essa chispa frágil a que chamamos o Eu abandonou essas intersticiais representações, se é que, alguma vez, tenha nelas residido. Vemos e sentimos através do Eu, da nossa identidade, da nossa história pessoal, mas não o vemos: é uma película imaterial, incicatrizável.
Assim, essa espectral e coloidal entidade, sem forma, talvez simbólica, mas certamente metafísica, só entende, só comunica, através da linguagem da diafanidade — gramática de celofane, segundo a qual o Humano e o Não-Humano são rebatidos num único e unidimensional plano de existência. Aí, o Ele não tem forma: tal como o Eu, ele transforma-se em pura ideia; e, como tal, é integrado na nossa identidade como um Amigo, como indissolúvel parte de nós.
Inseparável do Sujeito, do Eu, o Ele é observado na sua dimensão simbólica, metafísica, fantástica. Em particular, o Não-Humano, porque exige uma maior faculdade de abstractização, uma maior sensibilidade — um maior talento. A maior alegria de integrar o Não-Humano na nossa transparência, na nossa invisível plasticidade, esse domínio de fantasia e sonhos — onde se voa e se vence a Morte, ambas capacidades não-humanas — é vê-lo a aproximar-se não como Não-Humano, mas como Amigo.
Sem forma, sem qualquer substancial, palpável, catalogável subdivisão, mas tão incorpóreo e simbólico quanto o Eu, do qual é agora inseparável.
A maior emoção, a maior felicidade é a de não ver um animal, não ver quatro patas, não ver um cão ou um gato ou uma ave, não ver formas, não ver pêlo nem penas, mas ver um Amigo.