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terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Nota sobre o Absoluto


 
Ao ler neste momento sobre o problema filosófico do Absoluto, lembrei-me, de modo absoluto (isto é, acabado em si mesmo, não-contingente), de determinados espaços que vi poucas vezes na minha infância, mas que sempre considerei fascinantes: a estância e a drogaria. Na minha geografia mental, eles nunca contêm pessoas (tal como as melhores pinturas de Hammershoi), somente um florilégio de objectos e briquebraques, como espelhos, escovas, panos, louças; ali, na estância de atmosfera seca — tão grande que parecia uma imperfeição para a qual a ortogonal malha cosmopolita consistia em pérola — estão suspensas sobre o longo balcão de madeira dezenas de alfaias esqualomórficas, lemniscatas de ferro e cobre cujo uso nunca determinei: que estranha física, aquela que elevava o metal ao tecto e agarrava papel, areia e plástico ao chão, nas formas mais dóceis e perceptíveis de lixas, serraduras e mangueiras. Porém, na recendente drogaria todos os artefactos derivavam uns dos outros, em estonteante reprodução assexuada — amebas de vidro e tecido, de borracha e cortiça, dispostas nas escadas, nas paredes e nas portas. Infenitesimais parafusos coabitavam com colossais misturadoras de cimento, cujo antracíticos ventres davam ares de gigantes caldeirões caligráficos numa lista medieval. Cheira a cera e a suor e a farinha creme que se desprende de contraplacado serrado vai misturar-se como cacau em pó com a luz projectada da rua pela porta. E, no entanto, não existem pessoas nestes espaços atafulhados. Todos os sons, cores e formas estão lá por si só. E ao lado da caixa registadora vê-se um calendário cheio de pó e lascas de ferrugem: sem utilidade num espaço intemporal que é o da mente, é livre para existir por si mesmo, sem a contingência que o unia à marcação do tempo. Tóteme do absoluto num interior tão desértico e relevante quanto uma paisagem marciana.
 
 

domingo, 11 de dezembro de 2011

Portas brancas


As Portas Brancas
(1905) do pintor dinamarquês Vilhelm Hammershoi (1864-1916), um dos meus artistas preferidos. Os quadros de Hammershoi são esmagadores. Neles, inversamente ao que possa parecer, não há lugar para a minimidade, nem para elipses: a solidão vocifera e predomina em tudo. Aqui, sim, mais do que em Munch, se grita de modo ensurdecedor.


Aceita-se o truísmo de que vivemos na era da imagem, mas, na verdade, como lhe damos pouca importância. Valorizamos as imagens em movimento de algum cinema e da televisão, mas o poder que operam sobre nós é somente um poder orgásmico, reduzido no tempo e na topografia. A apreensão epifânica de um verdadeiro significado (de natureza variável, conforme cada indivíduo) pertencerá, ainda, ao domínio da imagem parada, como a da pintura e da fotografia. Observar um quadro, como este de Hammershoi -- que é quase toreumatográfico --, é viajar para dentro dele, numa constelação fecundativa. Precisamos, talvez, nesta era das imagens, de redescobrir o valor delas.

sábado, 10 de dezembro de 2011

Novos monstros


Hoje sabemos quais são as formas que os monstros afigurados pela Razão podem assumir, mas ainda não sabemos em que feitios se manifestarão os monstros concebidos pela Emoção.

(Quadro: As Quatro Divisões, Vilhelm Hammershoi. 1914.)