segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Jogo de RPG baseado no meu romance "Batalha"



«Um jogo de simulação narrativa de Ricardo Tavares
baseado no livro Batalha de David Soares.»

Descobri hoje que fizeram um jogo de RPG baseado no meu novo romance Batalha.
Chama-se Animais Como Nós e foi criado por Ricardo Tavares: nesta ligação, podem descarregar as regras e o tabuleiro em PDF.



Entrevista com David Soares sobre "Batalha"

No passado dia 17, a convite da Livraria Bertrand, estive no Castrum Bar, em Castelo Branco, para apresentar o meu novo romance Batalha (Saída de Emergência, 2011). Nessa altura, fui entrevistado pelo jornalista Tiago Carvalho para o jornal regional Povo da Beira. Essa conversa, publicada no passado dia 23, pode ser lida na transcrição que se segue.


«O fenómeno religioso observado pelos animais

Um dos mais conceituados autores portugueses de literatura fantástica, David Soares, esteve em Castelo Branco, no passado dia 17 de Agosto, para apresentar o seu quarto romance, Batalha. O escritor, que soma distinções da crítica nacional e internacional, conversou com o "Povo da Beira", à margem da sessão de autógrafos promovida pela livraria Bertrand e pelo Castrum Bar, nas Docas.


Povo da Beira (PB) - Comecemos pelo novo livro. De que fala o “Batalha”?

David Soares (DS) – É um romance de literatura fantástica que fala sobre o fenómeno religioso, observado do ponto de vista dos animais. Na essência, é uma história alegórica que parte desse ponto de vista, não só para tentar perceber como nós funcionamos perante o sentimento do transcendente, do divino, como também para explorar as relações que existem entre vários sistemas de crenças, o modo como as sociedades se erguem e desaparecem. É também um romance que se preocupa muito com a linguagem.

PB - Prossegue os seus temas de eleição?

DS - Todos os meus romances fazem parte de um mesmo universo autoral, cujos temas basilares são o fantástico, o oculto, a história. O romance “Batalha” inscreve-se nesse universo, mas, por ter animais como personagens principais, foge um pouco à linha dos romances anteriores. Há uma grande alegoria que vai buscar material às mitologias maçónicas e alquímicas, e também à tradição mágica portuguesa e às nossas lendas populares.

PB - Porquê animais? Possibilita ir-se mais longe?

DS - Falar pela voz dos animais é uma boa forma de falar sobre os nossos próprios assuntos e as nossas próprias preocupações. Garante um distanciamento que nos faz observar as coisas de um modo muito mais isento. E isso é importante para se chegar a conclusões pertinentes e importantes. Neste caso em particular, o distanciamento resultante de falar do fenómeno religioso a partir da voz dos animais permitiu introduzir a minha própria voz, que, no que diz respeito à crença, está bastante distante destes assuntos do fenómeno religioso. Foi uma forma que encontrei de reunir essas duas vozes.

PB - Como funcionam as duas vozes?

DS - Apesar de escrever sobre estes temas, em que o fantástico se entrosa com o oculto, o hermetismo, o mitológico, não tenho crenças no sobrenatural, nem no religioso, nem na vida após a morte. Enquanto indivíduo, sou ateu. Mas a minha voz autoral dirige-se para estes assuntos, gosto de falar deles. O ponto de vista dos animais no livro “Batalha” é um ponto de vista distante, um pouco como se fosse o meu.

PB - Criar deuses e religiões é algo muito humano…

DS - Do ponto de vista científico será legítimo questionarmos se os animais têm religião? Bom, o certo é que está provado pela neurociência que os animais têm superstições, criam rotinas e vícios. Nesse sentido estão em sintonia connosco. Agora, para darem o passo além e acreditarem numa religião, seria preciso que os animais tivessem consciência da sua própria mortalidade, coisa que poderão não ter. Aquilo que separa uma religião de outra crença partilhada é que uma religião promete a salvação após a morte.

PB - O entrosamento da ficção com a história obriga a uma grande pesquisa?

DS - Sim. A pesquisa é feita toda no início. Proponho-me a escrever sobre determinado assunto, tento ler tudo o que encontrar sobre ele e depois começo a organizar a história. É delineada em esqueleto, num organigrama rigoroso, que é seguido à risca na fase da escrita. É raro desviar-me desse esqueleto, embora haja sempre espaço para o improviso.

PB - O género fantástico nem sempre é bem visto. Os prémios que o David ganha tornam-no um representante desta literatura?

DS – Antes de mais, infelizmente o mercado do fantástico, nos últimos dez anos, tem sido abanado por alguns fenómenos de mediatismo, cá e lá fora, em áreas que não passam pela literatura. E esse mediatismo cria algumas modas. As modas têm um lado bom, que é introduzir algumas pessoas a géneros que não conhecem, mas têm o reverso que é fazer com que todos os produtos desse género tenham de ser iguais, o que rouba diversidade e espontaneidade. No entanto, não olho para mim como sendo representante de nada. Faço o meu trabalho o melhor que consigo e tento fazer obras que não me envergonhem quando as for revisitar. O género fantástico tem uma vantagem: se as coisas forem bem feitas, os livros dificilmente se deixam datar. Para mim é muito importante criar um livro que perdure no tempo, que conserve a frescura.

PB - Além do romance, tem outras áreas literárias em que investe, não é?

DS - Na essência, sou um escritor e trabalho com linguagens literárias. O romance, o conto, o ensaio e a escrita de banda desenhada são linguagens que pertencem ao espectro das linguagens narrativas. Mesmo a banda desenhada, que é narrativa antes de ser visual. Nesse sentido, o trabalho que desenvolvo em cada linguagem é enriquecedor porque vai alimentar formas de fazer coisas noutras áreas.»

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

David Soares em Castelo Branco no dia 17 de Agosto


Na próxima quarta-feira, dia 17, às 21H00, estarei no mítico bar/galeria Castrum Bar, em Castelo Branco, para apresentar o meu novo romance Batalha (Saída de Emergência). A data consiste no aniversário do Castrum Bar que se associa às livrarias Bertrand nesta iniciativa. Apareçam: haverá bolo de anos, livros e um autor.

sábado, 13 de agosto de 2011

Hoje Como Ontem


Em meados do século XVIII, um grupo de tipógrafos que trabalhava à jorna na oficina do burguês Jacques Vincent, na Rue Séverin, em Paris, matou à paulada uma série de gatos; os apanhados vivos foram enforcados num julgamento satírico, nas traseiras da gráfica. Nicolas Contat, um dos dois organizadores do Grande Massacre dos Gatos, como ficou conhecido o episódio, deixou-nos um pormenorizado relato escrito, no qual assume a identidade fictícia de Jerome. Foi, nas suas palavras, a coisa mais hilariante que alguma vez aconteceu durante a estadia dele na Rue Séverin.

Este assunto foi analisado pelo historiador norte-americano Robert Darnton no livro The Great Cat Massacre, and Other Episodes in French Cultural History (1984), onde se conclui que o caso, embora revestido de um certo sentimento de reprovação da parte dos desgraçados jornaleiros contra o patrão endinheirado, consistiu mais num acontecimento simbólico que numa proto-rebelião, à guisa de Revolução Francesa avant la lettre. Pese o truísmo de que os servos sempre desprezaram, em menor ou maior grau, os amos, os protestos sociais do Ancien Régime mantiveram-se sempre ao nível do "simbólico", pois a consciência de que seria possível a criação de outro sistema político, igualitário, era inexistente. Com efeito, o próprio Darnton, em The Great Cat Massacre, avança com a ideia de que a grande satisfação das classes mais desfavorecidas da Idade Moderna consistiu na humilhação das classes superiores, mas não na abolição destas. O desenvolvimento do massacre dos gatos na Rue Séverin só foi possível porque a tortura e morte ritual de gatos era já uma prática predominante; em principal, nas festas de São João Baptista, em que os infelizes felinos eram incinerados vivos em fogueiras quasi-inquisitoriais. Para tal, concorreram, de certeza, as crenças populares nas supostas aptidões dos gatos para fazerem mal ou as suas alegadas associações a práticas de bruxaria. Com base em diversos elementos causadores, interligados com religião e superstição, o gato foi seleccionado com especificidade como sendo um animal expiatório - e quando o senhor Séverin, mais a esposa, pediram aos empregados Jerome (Contat) e Léveillé que se livrassem dos gatos vadios que não os deixavam dormir com os seus miados incessantes, os dois aprendizes de tipógrafo decidiram realizar a tarefa ao estilo das copies que animavam os seus dias na oficina.

Carnavalescas, as copies eram arremedos de boçais peças teatrais com happenings, improvisadas com ruído e gargalhadas pelos tipógrafos e representadas, posteriormente, em repetidas vezes (daí chamarem-se copies) na oficina durante as horas de trabalho. Serviam, de igual maneira, como uma espécie de mnemónicas da própria cultura da compagnonnage tipográfica, que também estava sujeita a práticas de iniciação, promoção e julgamento: apesar de trabalhar com a palavra impressa, a "ordem" dos aprendizes e tipógrafos jornaleiros possuía uma distintiva cultura oral, associada à desordem, ao escárnio e à fête, manifestada em partidas e brigas nas tabernas e nas ruas.

Ora, foi o encontro da cultura oral dos tipógrafos jornaleiros (que, mais do que sentirem fidelidade para com a sua "classe social", mantiveram fortíssimos laços de fidelidade entre a sua classe profissional - à semelhança dos restantes ofícios da cidade), a cultura das brincadeiras ruidosas das copies, com a cultural popular predominante, aprovadora da morte festiva e cerimonial de gatos, que permitiu o Grande Massacre dos Gatos: o enforcamento destes foi, pois, inspirado nos julgamentos ritualísticos ensaiados nas copies.

Adstringido no espaço e no tempo, o Grande Massacre dos Gatos não manifestou nenhum descontentamento social generalizado, nem nasceu no seio de uma rebelião. Foi um fenómeno sub-cultural, complexo, é certo, mas simbólico em vez de ser político.

O mais cómico é que, no melhor estilo truculento das copies, foi Contat quem subiu durante noites seguidas ao telhado dos aposentos do patrão e se pôs a imitar um gato, para não o deixar dormir.


Imagem: First Stage of Cruelty, William Hogarth (1751). Primeira gravura de uma tetralogia que demonstra, em registo satírico, a violência popular (e não só) de um típico bairro do Norte de Londres: St. Giles.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

"O Pequeno Deus Cego": novidades

O desenho e as cores de O Pequeno Deus Cego já estão terminados. Este álbum de banda desenhada, escrito por mim e desenhado por Pedro Serpa será lançado no próximo Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora, numa edição da Kingpin Books.

Consistindo numa alegoria passada no período da China "feudal", O Pequeno Deus Cego conta a história de Sem-Olhos, uma criança que poderá ou não ser um pequeno deus sobre a terra. Ao mesmo tempo que a mãe submete Sem-Olhos à violência das tradições locais, duas presenças misteriosas vão ajudá-la a descobrir a sua verdadeira origem.