segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Sobre o Dia dos Namorados


Aproxima-se o dia de São Valentim, Dia dos Namorados, mas quantos namorados saberão que a data de 14 de Fevereiro é sua graças à crendice popular de que era nela que os pássaros escolhiam os companheiros de acasalamento?

Foi com base nessa superstição que o pioneiro poeta inglês Geoffrey Chaucer escreveu a provável primeira menção ao providencialismo valentino como sendo uma vantagem para angariar amantes: «For this was Seynt Valentyne's Day. / When every foul cometh ther to choose his mate» (The Parlement of Foules. 1381). Este poema conta como as aves se reuniam junto do templo de Vénus para se escolherem umas às outras, mas como é que estes volúveis amores ornitológicos se entreteceram com a severa hagiografia cristã?

A crença de que as aves tinham um dia próprio para encontrarem um par faz todo o sentido, naquilo que se sabe sobre as crenças populares medievais, nas quais o mundo natural se regia pela Lei de Deus e se os homens possuíam dias especiais, também os animais, parte integrante da criação, os tinham. Contudo, no relato da vida de São Valentim que pode ler-se no martirológio Legenda Aurea não se encontra nenhuma referência a qualquer papel de casamenteiro que ele pudesse ter desempenhado, tanto de homens como de pássaros. Na verdade, de qual São Valentim se está a falar? Existem vários. No mínimo, dois Valentins são fortes candidatos à celebração instituída para 14 de Fevereiro: 1) um físico romano e 2) um bispo da cidade de Terni; um foi martirizado em 270, outro em 197 e ambos foram enterrados na célebre Via Flamínia, embora não no mesmo sítio. Proliferam inúmeras especulações e anedotas sobre como São Valentim se poderá ter tornado o padroeiro dos namorados, mas nenhuma pode ser levada a sério.

Também se especula que o dia 14 de Fevereiro se tornou o Dia dos Namorados aquando da conversão que a Igreja Cristã fez no século V (494), transformando o festival romano Lupercália, celebrado com rituais de fertilidade, no dia de São Valentim. Mas isso também é um erro, porque o Papa Gelásio I converteu o festival Lupercália na Festa da Purificação de Maria. A tónica colocada na purificação justifica-se no facto de que Fevereiro tem origem no nome latino Februarius que significa mês das purificações, o último mês do antigo calendário romano. As festividades lupercalianas relacionavam-se mais com a prática dos sacrifícios purificadores do que com a luxúria, o que torna forçada a teoria de que este festival é o embrião do Dia dos Namorados. Na verdade, bem vistas as coisas, a primeira vez que o dia de São Valentim aparece combinado com a prática do namoro é no poema de Chaucer. Por conseguinte, foi ele que inventou a conexão, fundindo-a com a tal superstição popular sobre as alianças dos pássaros, para a colorir; ou ela já circulava, de forma oral, pois não existem registos escritos, no círculo restrito da cultura erudita coeva, sendo, nesse caso, provavelmente um produto das tardias tradições cavaleirescas que usaram o "amor" como alegoria para outros conceitos.

Seja como for, com a benção de Valentim ou sem ela, os pássaros não passam de répteis monogâmicos: poesia sauropsida! Chaucer iria gostar.

(Imagem: The Parliament of Birds, Carl Wilhelm de Hamilton (início do século XVIII).