Chamo a atenção para este post do Luís Filipe Silva, que considerei pertinente e curioso. É a partir da sua leitura que teço a seguinte lucubração.
Nunca dei crédito à noção que as nacionalidades (conceito discutível - e inventado no século XVIII) se encontram imbuídas de características ingénitas; e o estudo da ciência e da história demonstra, sem espaço para dúvidas, que isso se trata de um mito bastante perigoso para a saúde. Mesmo assim, uma análise rigorosa talvez venha a descobrir que certos hábitos e ideais, quando transmitidos em jeito memético, tanto de modo horizontal como vertical, possam operar efeitos que, à falta de melhor adjectivação, sejam entendidos como manifestações atávicas. A imitação de comportamentos é um mecanismo natural da nossa espécie.
Costuma dizer-se que o "Problema Português", como aparece descrito na comunicação social, se relaciona com o atavismo: que somos saudosistas e indolentes; sonhadores e poetas. Enfim, um sem-número de buzzwords, que, demasiadas vezes, até são instrumentalizadas para nos fazer acreditar que se tratam de pedaços da nossa personalidade e conduzir-nos a determinados comportamentos.
Parece que uma das faces do nosso atavismo é, como muito bem escreveu o Luís, a falta de atrevimento para agarrar no passado e olhá-lo de outras maneiras.
Quando eu era miúdo não queria tocar na história de Portugal, nem com uma vara de cinco metros, por culpa da educação histórica, arreigada aos mitismos inventados pelo Estado Novo que as minhas professoras do ensino básico me apresentaram: os portugueses eram uns heróis, uns aventureiros e, sobretudo, uns beatos. Mais tarde, felizmente, descobri que as coisas, em última análise, se tinham passado de outro modo e comecei a gostar (e muito) de ler e aprender sobre a nossa história. Mais tarde, ainda, comecei a interrogá-la nos meus livros.
Na minha opinião, e já a exprimi de modo mais eloquente aqui, o problema da nossa, aparente, falta de imaginação e audácia literária reside no período demasiado longo em que este país esteve sob o jugo inquisitorial.
Não é novidade: é que nenhum país, no qual a influência da igreja católica seja, ou tenha sido, fortíssima, se encontra uma tradição de literatura fantástica. Este género literário, em qualquer das suas manifestações mais apuradas, é uma herança dos países de tradições religiosas protestantes. Dizer que aprovo uma religião em prejuízo da outra é não compreender o meu raciocínio: o que estou a fazer, espero, é a demonstrar que quando certos sistemas de pensamento, hostis à interrogação, à imaginação e ao livre discurso, se erguem, temos o caldo entornado.
Basta deitar o olho a essas excitantes fantasias que a máquina propagandista de Salazar inventou para nos fazer sonhar com um Portugal pequenino, rural, medieval. Olhar para pretéritas Ilhas Douradas, ao mesmo tempo que se despreza o mundo moderno, é uma característica fundamental do imaginário fascista: e a teocracia de Salazar foi um regime fascista; em muita coisa semelhante ao Estado Corporativo de Mussolini, mas com umas suásticas e umas Nossas Senhoras à mistura.
Nunca dei crédito à noção que as nacionalidades (conceito discutível - e inventado no século XVIII) se encontram imbuídas de características ingénitas; e o estudo da ciência e da história demonstra, sem espaço para dúvidas, que isso se trata de um mito bastante perigoso para a saúde. Mesmo assim, uma análise rigorosa talvez venha a descobrir que certos hábitos e ideais, quando transmitidos em jeito memético, tanto de modo horizontal como vertical, possam operar efeitos que, à falta de melhor adjectivação, sejam entendidos como manifestações atávicas. A imitação de comportamentos é um mecanismo natural da nossa espécie.
Costuma dizer-se que o "Problema Português", como aparece descrito na comunicação social, se relaciona com o atavismo: que somos saudosistas e indolentes; sonhadores e poetas. Enfim, um sem-número de buzzwords, que, demasiadas vezes, até são instrumentalizadas para nos fazer acreditar que se tratam de pedaços da nossa personalidade e conduzir-nos a determinados comportamentos.
Parece que uma das faces do nosso atavismo é, como muito bem escreveu o Luís, a falta de atrevimento para agarrar no passado e olhá-lo de outras maneiras.
Quando eu era miúdo não queria tocar na história de Portugal, nem com uma vara de cinco metros, por culpa da educação histórica, arreigada aos mitismos inventados pelo Estado Novo que as minhas professoras do ensino básico me apresentaram: os portugueses eram uns heróis, uns aventureiros e, sobretudo, uns beatos. Mais tarde, felizmente, descobri que as coisas, em última análise, se tinham passado de outro modo e comecei a gostar (e muito) de ler e aprender sobre a nossa história. Mais tarde, ainda, comecei a interrogá-la nos meus livros.
Na minha opinião, e já a exprimi de modo mais eloquente aqui, o problema da nossa, aparente, falta de imaginação e audácia literária reside no período demasiado longo em que este país esteve sob o jugo inquisitorial.
Não é novidade: é que nenhum país, no qual a influência da igreja católica seja, ou tenha sido, fortíssima, se encontra uma tradição de literatura fantástica. Este género literário, em qualquer das suas manifestações mais apuradas, é uma herança dos países de tradições religiosas protestantes. Dizer que aprovo uma religião em prejuízo da outra é não compreender o meu raciocínio: o que estou a fazer, espero, é a demonstrar que quando certos sistemas de pensamento, hostis à interrogação, à imaginação e ao livre discurso, se erguem, temos o caldo entornado.
Basta deitar o olho a essas excitantes fantasias que a máquina propagandista de Salazar inventou para nos fazer sonhar com um Portugal pequenino, rural, medieval. Olhar para pretéritas Ilhas Douradas, ao mesmo tempo que se despreza o mundo moderno, é uma característica fundamental do imaginário fascista: e a teocracia de Salazar foi um regime fascista; em muita coisa semelhante ao Estado Corporativo de Mussolini, mas com umas suásticas e umas Nossas Senhoras à mistura.