
Andar  a pé por uma cidade antiquíssima, como Lisboa, é meio-caminho andado  para se sentir uma tristeza profunda pela efemeridade do nosso próprio  mundo: onde estão os nossos sítios, os nossos mortos, esses pontos de  contacto entre o nosso coração e o território? Como continuar a  caminhar, quando grande parte do que amámos já se foi embora?  Quem estuda a história não se pode dar ao luxo de ser nostálgico, mas  eu não sou historiador, sou escritor e por isso posso ser nostálgico à  vontade. E nem toda a tristeza é má. Continuam perto de nós, essas  âncoras de osso e pedra, de palavra e memória - camufladas no  território, como um vasto sistema nervoso sob os músculos. Continua-se a  caminhar, porque o território é tudo o que existe: é tudo o que sempre  existiu e continuará a existir; mesmo depois das mortes daqueles de quem  gostamos e da ruína dos locais onde vivemos. Somos sílabas e iluminuras  num texto redigido pelo tempo sobre a terra que nos viu nascer, como  tinta sobre um pedaço de papel. Nós secamos, como a tinta - embaciamos. O  território fica - mas nós ficamos nele. Ressequidos. Translúcidos. Como  folhas mortas. Não há nada mais para além disso.