O título do meu comentário sobre o livro Moby-Duck, de Donovan Hohn (Viking Press, 2011) refere-se ao capítulo quarenta e dois do romance Moby Dick, de Herman Melville, intitulado The Whiteness of the Whale - uma das minhas peças literárias preferidas, na qual Melville ensaia com mestria sobre as qualidades mais sinistras da cor branca, num rol de referências mitotémicas muito bem feito. Se a brancalidade da cor branca do cachalote perseguido por Ahab encerra, na mente do desesperado, mas temerário Ismael, uma série de ideias funestas que se apresentam como notas hariólicas sobre o destino da viagem amaldiçoada do baleeiro Pequod, então a amarelidade da cor amarela dos patos de plástico perseguidos por Hohn, também emite uma qualidade quasi-mítica, mas que comunica com um conjunto de valores positivos. É o próprio Hohn que, a dada altura, na página 224 do quinto capítulo de Moby-Duck discorre com propriedade sobre o porquê dessa amarelidade - e, também, sobre a origem do pato de borracha (ou plástico) enquanto brinquedo e enquanto símbolo cultural. A exposição destas ideias fecha com elegância uma parte importante da investigação (mas não a provação final) do jornalista: a visita à fábrica chinesa onde os patos foram produzidos. Patos que, em 1992, na companhia de castores vermelhos, rãs verdes e tartarugas azuis, compondo um total de 28 800 bicharocos de plástico, caíram de um cargueiro no Oceano Pacífico quando a embarcação navegava em direcção aos Estados Unidos. Durante mais de uma década, os Friendly Floaties, como a imprensa lhes chamou, circularam pelas águas agitadas do Pacífico, dando à costa nos locais mais inesperados, como as praias do Havaí, a costa do Alasca e a do estado norte-americano do Maine, o que significa que as quatro variedades de amiguinhos flutuantes foram capazes de contornar as passagens tempestuosas do Ártico até chegarem ao Oceano Atlântico. A viagem dos brinquedos pelos oceanos capturou as imaginações do público e dos oceanógrafos da altura e, passados pouco mais de dez anos, a de Hohn, que se despediu do emprego como professor para se tornar o cronista destes peregrinos acidentais: Ahab e Ismael, em simultâneo.
Moby-Duck é um triunfo.
É um genuíno e belíssimo trabalho de jornalismo de investigação, sem pretensões a ser lido como um romance ou coisa análoga, escrito com muita inteligência e coração. Com efeito, não há nada, mas mesmo nada, em Moby-Duck que seja mau, pedante, tíbio, afectado, preguiçoso, mal-intencionado ou cínico. Consiste num livro rigoroso, no que diz respeito ao discurso científico - sem alegorias ou facilitismos baratos que tornem simplório o fascinante conteúdo técnico - sobre a manufactura das criaturinhas plásticas, sobre a odisseia oceanográfica através dos tempos e sobre a análise da poluição dos mares; e, ao mesmo tempo, no modo autêntico, liberto de tiques de vedetismo, como Hohn expõe a sua trajectória pessoal e a dos seus comparsas honorários na busca pela verdadeira história dos Friendly Floaties, invocando autores como Melville e Conrad, entre outros, é capaz de oferecer um cunho poético à investigação, ancorada em incursões históricas por clássicos mitos teriomórficos, pelo contemporâneo glamour da publicidade comercial e, sobretudo, por uma prosa cuidada, assinalada em apontamentos de grande delicadeza.
Merecendo todos os elogios que eu lhe posso dar, Moby-Duck é, já nesta altura do ano, uma das minhas melhores leituras de 2011 - e o facto de vir a ser, sem dúvida, uma das melhores prosas de 2011, ainda por cima escrita não pelas mãos de um romancista, mas pelas de um jornalista, só reforça o carácter exótico que o livro inegavelmente possui.
De quando em quando há livros assim: que aparecem do nada, que nem um pato de plástico trazido pelas ondas. Ou, como escreve Hohn sobre uma gaivota boiando no breu, «Out beyond the edge of light, a glaucous gull floated contentedly on a swell, a white dot of sentience in the icy dark».
Moby-Duck é uma luz que boia brilhante no meio da mediania parda que é publicada todos os dias: mas uma luz amarela. E essa amarelidade, acreditem, é linda.
Moby-Duck é um triunfo.
É um genuíno e belíssimo trabalho de jornalismo de investigação, sem pretensões a ser lido como um romance ou coisa análoga, escrito com muita inteligência e coração. Com efeito, não há nada, mas mesmo nada, em Moby-Duck que seja mau, pedante, tíbio, afectado, preguiçoso, mal-intencionado ou cínico. Consiste num livro rigoroso, no que diz respeito ao discurso científico - sem alegorias ou facilitismos baratos que tornem simplório o fascinante conteúdo técnico - sobre a manufactura das criaturinhas plásticas, sobre a odisseia oceanográfica através dos tempos e sobre a análise da poluição dos mares; e, ao mesmo tempo, no modo autêntico, liberto de tiques de vedetismo, como Hohn expõe a sua trajectória pessoal e a dos seus comparsas honorários na busca pela verdadeira história dos Friendly Floaties, invocando autores como Melville e Conrad, entre outros, é capaz de oferecer um cunho poético à investigação, ancorada em incursões históricas por clássicos mitos teriomórficos, pelo contemporâneo glamour da publicidade comercial e, sobretudo, por uma prosa cuidada, assinalada em apontamentos de grande delicadeza.
Merecendo todos os elogios que eu lhe posso dar, Moby-Duck é, já nesta altura do ano, uma das minhas melhores leituras de 2011 - e o facto de vir a ser, sem dúvida, uma das melhores prosas de 2011, ainda por cima escrita não pelas mãos de um romancista, mas pelas de um jornalista, só reforça o carácter exótico que o livro inegavelmente possui.
De quando em quando há livros assim: que aparecem do nada, que nem um pato de plástico trazido pelas ondas. Ou, como escreve Hohn sobre uma gaivota boiando no breu, «Out beyond the edge of light, a glaucous gull floated contentedly on a swell, a white dot of sentience in the icy dark».
Moby-Duck é uma luz que boia brilhante no meio da mediania parda que é publicada todos os dias: mas uma luz amarela. E essa amarelidade, acreditem, é linda.