domingo, 27 de setembro de 2020

Centros, n.º1

 

Só aqui o Sol se torna luminífero; apenas aqui o tempo se olha, perdulário, ao enorme espelho marinho. Perscrutáveis por cima, gelo e erva padronizam-se em auricerúlea heráldica, esférica e feérica — sonial partícula, fossilizada ao som de tafonómico poslúdio celeste, solene e imperturbável minueto.


Pois haverá outro centro cósmico que não seja aqui, onde as aves transformam em ninhos os excrementos das debulhas, onde a felpa das feras é tão branda ao tacto quanto as suas presas rasgam a carne? Em que outra esfera se poderá ouvir vagidos ensurdecedores de gigantes oceânicos, opacos num crepúsculo plutónico feito de breu abissal e órgãos bioluminescentes? Onde mais se aprende que o sangue sabe a ferrugem — e onde mais haverá sangue e ferrugem?

Quão confortável é o polinomial niilismo do menosprezo da nossa excepcionalidade. Talvez só os loucos e as crianças acreditem que é aqui o centro universal. Olhando-nos do espaço, isso é uma loucura e isso é uma criancice — mas olhando-nos daqui, submersos em recendência e cacofonia, em nascimento e em putrefacção, picados por insectos e aguilhoados pela imaginação, aqui onde as árvores quase existem desde sempre e onde cada vida humana dura menos tempo que a cobreagem de uma folha, aqui a álgebra e a física não nos convencem da descentralidade: pois o centro do universo é aqui.

Nós somos todos centro. O nosso sofrimento intrínseco não resulta de queda ou de expulsão, mas de ferida feita por compasso.