Em política, as diferentes ideologias e
convicções dos indivíduos e dos partidos políticos distribuem-se por um
espectro de gradientes, cujos extremos se denominam de "esquerda" e
de "direita". Entende-se o lado de "direita" como sendo
aquele que reúne variados conjuntos de ideias, que, à superfície, até podem não
se assemelhar, mas que, de maneira geral, defendem a manutenção, mas nunca a
mudança, do estado das coisas; instrumentalizando, para o efeito, princípios de
índole conservadora que almejam a sustentabilidade prolongada das tradições e
dos modos de vida dominantes numa determinada sociedade. Assenta-se que o outro
lado, de "esquerda", é, largamente, o que coloca em movimento
filosofias ditas de reforma, que, inversamente às de "direita",
procuram mudar o estado das coisas, promovendo para esse fim políticas
revolucionárias ou de ruptura. Em síntese, e não chamando à colação as
especificidades e as idiossincrasias de todas as ideologias que fazem parte do
espectro político, estas são as diferenças fundamentais entre o lado de
"esquerda" e o de "direita": um lado feito de política
revolucionária e outro feito de política conservadora.
Como saber-se a que lado se pertence? Com efeito,
pode pertencer-se somente a um dos lados o tempo todo ou a ambos em diferentes
momentos, porque os indivíduos, tal como a própria política, que é sua
invenção, são complexos e não podem ser catalogados com este nível de
facilidade. Porém, generalizando, existirá sempre em nós uma inclinação mais
forte para um lado do que para o outro, daí que pode especular-se sobre isso num
pequeno exercício.
Considere-se estes dois exemplos muito simples:
1) a sociedade, hierarquizada em diferentes classes de indivíduos,
privilegiados de acordo com o seu estatuto socioeconómico, faz-se de valores tradicionais
como a fé, a família, a nação e o respeito pela autoridade, mas se ideias ditas
"progressistas" ameaçarem esses valores basilares o tecido social
poderá desagregar-se, logo é preciso, sempre, reprimi-las; 2) uma sociedade
faz-se de ideias progressistas, como a liberdade e a igualdade de todos os
indivíduos perante o estado, que é laico, e este deve fomentar um ambiente
conveniente à criação de idênticas oportunidades para todos os cidadãos
procurarem a sua felicidade, independentemente do seu estatuto socioeconómico.
Com qual destes exemplos vocês se identificam? De
uma forma ou de outra, menos pormenor, mais pormenor, acaba-se por concordar
mais com uma narrativa do que outra e é dessa forma que nos podemos classificar
como sendo de "direita" ou de "esquerda". Mas de que modo
foram formuladas estas denominações que, ao fim e ao cabo, classificam dois
sistemas antagónicos de olhar para a construção da sociedade e nos quais a
maioria das gentes se inclui?
A explicação que, até agora, reuniu mais consenso
é a de que estes rótulos foram criados no final do século XVIII, no período da
Revolução Francesa, quando, na Assembleia Nacional, os indivíduos se sentaram
em lados opostos da sala: os partidários da monarquia, conservadores,
sentaram-se à direita do presidente e à esquerda deste sentou-se a facção
revolucionária que defendia a mudança de regime; posto que os conservadores do
estado das coisas ocuparam o lado direito do parlamento e os partidaristas da
mudança se situaram à esquerda, esses adjectivos passaram, pois, a designar
duas diferentes formas de pensar e de fazer política. Mesmo assim, ainda é
possível recuar um pouco mais e, com maior profundidade, encontrar uma origem
mais antiga para estas duas direcções opostas.
É
inegável que, mesmo num mundo cada vez mais homogéneo, diferentes culturas
ainda guardam diferentes maneiras de executar tarefas idênticas e isso
influencia muitíssimo o desenvolvimento das ideias. Meditemos no seguinte: o
modo como nós, ocidentais, lemos os livros é seguindo as palavras no sentido da
esquerda para a direita e de cima para baixo, mas muitas etnias orientais lêem
de um modo totalmente oposto, ou seja, da direita para a esquerda e de baixo
para cima; estas tendências também se manifestam no cinema e na banda desenhada,
pois reparem que a maioria das sequências dos filmes e bandas desenhadas
ocidentais ocorre no sentido da esquerda
para a direita, enquanto que nos filmes e bandas desenhadas orientais se
verifica o contrário. Por que é que isto acontece? Por que é que a escrita e a
leitura se realizam destas duas maneiras tão conspícuas? Para encontrar uma
resposta temos de recuar até uma altura em que a escrita não existia e
perceber, então, o que poderá ter contribuído para a sua criação. A resposta que se afigura
como sendo a mais provável é a de que o desenvolvimento da escrita não só foi
uma consequência do agriculto, como já foi provado há muito tempo (a escrita
foi inventada para responder à necessidade mais prosaica de, com fidelidade, contabilizar
armazenamentos e registar transacções), como o modo como se escreve foi
certamente influenciado pelo sentido com o qual essas sociedades primitivas, em
virtude das suas preferências, aravam e semeavam os campos: os precursores da
escrita contemporânea colocavam caracteres nas superfícies preparadas para o
efeito, fossem placas de argila ou folhas de pergaminho, tal como plantavam
cereais num terreno lavrado - e ainda hoje diz-se "lavrar" quando se
alude à escrita. Não é uma coincidência. Somos depositários dessas heranças.
Em similitude, as origens do lado de "esquerda" e do lado de
"direita" poderão estar relacionadas com o modo como nasceram as
primeiras cidades. Em essência, os nossos antepassados ergueram os seus
povoamentos primitivos em locais junto de água corrente; para ser mais exacto,
nas margens dos rios. As margens dos rios ofereciam, evidentemente, muitas
vantagens e o facto de tratar-se de água corrente garantia que esta fosse
sempre limpa, mas, ainda assim, surgiam algumas desvantagens, mesmo em climas
mais amenos; em principal, o desconforto provocado pelos ventos oriundos do
Norte, sempre frios e fortes, principalmente nos Invernos. Por isso, as
primeiras aldeias, mais tarde as primeiras cidades, sempre foram construídas
preferencialmente nas margens direitas dos rios, porque eram as únicas que
permitiam erguer defesas a Norte, feitas pelas linhas das habitações ou por
muros altos que quebravam os ventos, ao mesmo tempo que deixavam abertas as
faces meridionais das cidades, voltadas para os rios. Se se construísse nas
margens esquerdas dos rios, as cidades ficariam sem defesas diante das
ventanias. Qual é a margem direita de um rio? É aquela que fica à nossa direita
quando nos colocamos de costas para a nascente.
Com a passagem do tempo, as cidades vão crescendo aos seus ritmos e vão
enriquecendo; mais tarde ou mais cedo, pelas razões mais variadas, as margens
esquerdas dos rios começam a ser, também, ocupadas. Ou porque a cidade se
agiganta o bastante para justificar uma absorção do seu lado oposto e, nesse
caso, a margem a Sul passa a ser morada de gente nova que quer tentar a sorte
no arrabalde; ou porque os indivíduos desfavorecidos, como trabalhadores
braçais e minorias étnicas, vão construir aí os bairros. Seja como for, as grandes
cidades das margens direitas dos rios são sempre mais antigas e prósperas que
as das margens esquerdas: essa noção - de que os moradores do lado direito têm
tudo a ganhar em conservar o estado das coisas e de que os moradores do lado
esquerdo têm tudo a ganhar em mudar as condições de vida - influenciou, de
certeza, o baptismo de (margem) "esquerda" e de (margem)
"direita" dessas duas maneiras tão diferentes de pensar a construção
das sociedades. Uma visão conservadora, apoiada naquilo que se pensa ser valores
tradicionais e elitistas, e outra visão, reformista, que se dirige à
procura de condições mais justas de vida.
Não duvido que quando as duas facções adversárias se sentaram à esquerda e à
direita do presidente da Assembleia Nacional de Paris, em 1789, sabiam
muitíssimo bem o que estavam a fazer e que cada uma escolheu o lado que, por
defeito, era o seu.
Esta dualidade integrante da nossa matriz foi, com elegância e fair play, descrita neste feitio pelo filósofo inglês utilitarista John Stuart Mill: «A party of order or stability, and a party of progress of reform, are both necessary elements of a healthy state of political life» (em On Liberty. 1859). Todavia, Mill referia-se à esquerda e à direita do centro, democráticas, e não às dos extremos. Só se pode construir pontes até um certo ponto.