Mais desinformação, cortesia do Canal
História, desta vez pugnando a velha ideia de que os nazis foram pagãos e
obcecados com o oculto, noção totalmente errada, mas cuja integração
ideológica no imaginário popular parece ter sido feita a ferro
quente. Uma dilucidação exige-se: os nacionais-socialistas - que, para
começar, nem sequer se chamavam, entre eles, de nazis, porque nazi
era uma alcunha pejorativa, inventada pelas massas, cujo significado
pode traduzir-se por campónio ou saloio e que eles, simplesmente,
odiavam - nunca foram "pagãos" (designação que, acrescento, é totalmente
desprovida de conteúdo e de sentido quando usada fora do restrito
contexto dicotómico que existiu entre a religião romana imperial e a
paleo-cristã no dealbar mais primitivo do cristianismo), mas cristãos.
Os nacionais-socialistas foram cristãos e, sobretudo, tiveram o
objectivo de criar um cristianismo novo, de massas, e por eles "purgado"
daquilo que entendiam ser influências judaicas, chamado Cristianismo
Positivo. O próprio Hitler foi cristão e considerava que o culto odínico
era um embaraço e uma perda de tempo. Apesar de cristão foi
anticatólico; no mínimo, não considerava com bons olhos o catolicismo e a
sua animosidade contra o catolicismo foi sismográfica consoante os
anos. De onde provém, então, a tal ideia que os nacionais-socialistas
foram "pagãos"? Provém, pela medida grande, pelas mãos dos plumitivos e
poetastros neonazis de meados do século XX em diante - como Savitri
Devi ou Miguel Serrano, entre outros - que, pelas mais variadas razões,
inventaram histórias sensacionalistas e fantasiosas nas quais os
nacionais-socialistas contactam e instrumentalizam, dos mais variados
feitios, forças sobrenaturais ou energias de origem extraterrestre.
Foi esse caldo cultural marginal e politicamente mefítico que chegou até
às décadas mais recentes e influenciou produtos de entretenimento de
grande mediatismo, como o primeiro e o terceiro filmes da tetralogia de
Indiana Jones, por exemplo. Filmes e livros que apresentam conceitos
dessa natureza, ou similar, não possuem nenhuma relação com a verdade
histórica daquilo que foi o fenómeno nacional-socialista e, com efeito,
reduzir esse fenómeno à caricatura anti-heroística é desvirtuar a
memória e extirpar-lhe a componente criminosa - quando não se projectam,
de todo, no mais despudorado revisionismo.
A verdade é que de
todo o aparelho nacional-socialista só Himmler e Rosenberg,
provavelmente, namoraram, à sua maneira, com o oculto, mas, ainda assim,
de um modo muito diferente daquele que é apresentado em produtos como o
documentário The Nazi Gospels produzido pelo Canal História e por ele
transmitido. Himmler não foi "pagão" e não quis criar nenhum culto
"pagão" em volta da SS (informo que se diz "a SS" e não "as SS"): o seu flirt ocultista foi, sem dúvida, motivado pelo fascínio pelo bizarro e
pelo sensacionalista, sem qualquer programa definido que o suportasse. O
seu mentor, Willigut, também chamado de "o Rasputine de Himmler" não
teve, ao fim e ao cabo, tanta influência como aquela que lhe imputam e,
de qualquer das formas, essa influência operou por via do velho
ariosofismo cunhado por Guido von List e por Lanz von Liebenfels: os
avôs do chamado "ocultismo nacional-socialista", que acreditavam que
Cristo fora ariano e que a Bíblia tinha sido escrita na Alemanha, antes
de ser corrompida pelas influências dos antepassados dos judeus
modernos.
Aliás, Liebenfels na revista Ostara escreveu várias
vezes que era preciso exterminar todos os judeus, porque eles
obstaculizavam o verdadeiro Cristianismo Ariano - Liebenfels que, ainda
por cima, fingia ter sangue-azul e fingia ser um herdeiro da autêntica
tradição templária. Isto porque ele foi monge cisterciense e após ser
expulso dessa ordem criou a espúria Ordi Novi Templi, a primeira
organização de língua alemã a ter uma bandeira com uma suástica (tinha
um fundo amarelo com uma suástica vermelha). Foi, por conseguinte, no
espírito da admirada Ordi Novi Templi que Himmler pensou em ritualizar
alguns aspectos da SS: dar-lhe um certo ar de ordem cavaleiresca,
aristocrática, mas sem a tal tónica "pagã" ou heliólatra que alguns nela
querem ver.
Outro mito: a infame Sociedade de Thule, por
exemplo, na qual estariam embebidas em ocultismo todas as cabeças do
partido nacional-socialista, nunca existiu. Pelo menos nos moldes que é
representada, geralmente. Em síntese, a verdade é que nunca passou de um
ramo semi-obscuro, em Munique, da, mais conhecida - e, já nessa altura,
bafienta - Germanenorden, mas baptizada com um nome individual por
Rudolf von Sebottendorff para parecer mais moderna e apelativa a novos
membros. Aparentemente, pouca influência - ou nenhuma - teve sobre o
partido nacional-socialista, apenas contando com Rudolf Hess e,
provavelmente, Hans Frank, como membros. Sebottendorff nunca se filiou
no partido nacional-socialista, sequer. A chamada Sociedade Vril, que os
fãs do "nazismo oculto" tanto gostam nunca existiu: é uma completa
ficção.
Compreender o nacional-socialismo requer muitas e
intensas leituras de materiais exigentes e o público comum não está
disposto a realizar esse esforço, nem sequer terá, bem vistas as coisas,
um conhecimento histórico basilar suficiente para isso, a verdade tem
de ser dita. Será, no fundo, mais simples dizer-se que os
nacionais-socialistas praticavam ritos de magia negra e que usavam
tecnologia extraterrestre e que o genocídio dos judeus foi uma espécie
de sacrifício de sangue aos deuses "pagãos" que idolatravam. Essa é a
linguagem do comércio sensacionalista e do revisionismo. Não é a
linguagem do rigor. É preciso lembrar que num dos infames discursos de Posen,
Himmler pediu a Deus - ao deus cristão, não foi a Odin - que desse
forças aos nacionais-socialistas para que eles conseguissem terminar o
Holocausto («que Deus nos ajude»). O Holocausto foi o culminar tenebroso
da velha escalada de violência anti-semita que o
cristianismo/catolicismo europeu usou contra os judeus. Como disse o
historiador Raul Hilberg, os nacionais-socialistas não inventaram nada:
apenas decidiram que não bastava os judeus estarem proibidos de circular
entre os cristãos ou confinados a guetos murados em bairros das
cidades, como decretou Roma tantas vezes - mais do que apartá-los a
todos, era preciso exterminá-los a todos, ponto. O discurso, como
escrevi anteriormente, quando falei em Liebenfels, já estava feito:
faltava quem tratasse da prática. Foi o que aconteceu, embora no início
dos anos cinquenta do século XX começasse logo a aparecer quem dissesse
que era tudo mentira, como, entre outros, Paul Rassinier, que escreveu o
vergonhoso A Mentira de Ulisses, livro que se tornou muito popular
rapidamente nos Estados Unidos e consiste no gérmen dos movimentos que
negam a existência do Holocausto.