terça-feira, 28 de junho de 2016

A história e a fortuna

Faz hoje 102 anos que Gavrilo Princip espoletou a Primeira Guerra Mundial. Nem uma única alma poderia imaginar o que aí viria: Princip foi, bem avaliadas as coisas, a verdadeira, a autêntica, parteira do século XX. Um século tem sempre dois inícios: o inscrito no calendário, iniciado no primeiro ano de cada nova centúria; e outro, orgânico, que se relaciona com mudanças intensas, estruturais, que o transfiguram e, impelindo-o a abandonar a casca, o obrigam a um inexorável caminho às cegas. Às vezes, os dias em que isso acontece são reconhecíveis, mas na maioria das vezes nem se dá por isso, suave que é a maturação das eras - como trombas de água bebés, ainda mansas sob a imperturbável cútis oceânica. George III de Inglaterra terá deixado passar em branco um momento assim, quando a 4 de Julho de 1776 redigiu no seu diário «hoje não aconteceu nada importante». Dá que pensar o facto de que, hoje, com a disponibilidade veloz de informação que possuímos, andamos tão às cegas quanto George III e quanto os europeus de 1914. A história não tem um tufo de cabelos na testa em jaez igual à fortuna: ela passa e não se deixa agarrar. Só é possível ver o rasto da roda vincado na terra e esse é frio, mudo e críptico, tremendamente.