sexta-feira, 10 de junho de 2016

Sobre Camões - no dia dele



Na data que se convencionou ser a da morte do poeta Luís de Camões (cujo dia e ano ainda não foram apurados com rigor) - e que, também por convenção, começando em 1910, modificando-se em 1933 e, em principal, em 1978, se celebra o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas -, não resisto a recordar uma trova satírica que Camões compôs para escarnecer de D. António de Castro, senhor da vila de Cascais, depois de este lhe ter faltado ao prometido.

Esclarece Hernâni Cidade, nas notas que escreveu para o primeiro volume das obras completas de Camões (Livraria Sá da Costa, 1972), que, certo dia, Castro pediu a Camões que lhe redigisse uns versos e prometeu que os pagaria com meia-dúzia de galinhas recheadas. Vivendo sempre em condições precárias, o poeta aceitou a combinação, mas, no final, o senhor de Cascais pagou-lhe apenas com meio-frango. Sem perder o sentido de humor, Camões satirizou-o nestes versos que ficaram célebres: «cinco galinhas e meia / deve o senhor de Cascais, / e a meia vinha cheia / de apetite para mais».

A pobreza de Camões é um assunto "polémico", com diversos pontos de vista antagónicos a discorrer sobre ele, mas, tudo somado, pode avançar-se com a hipótese segura de que estaria, evidentemente, mais perto da penúria do que do pecúlio; logo, oferecendo uma severa dimensão trágica ao picaresco apontamento que aqui publico para convidar à reflexão neste Dia de Camões.

Imagem: cópia de Luís de Resende de um retrato de Camões feito por Fernão Gomes (algures entre 1573 e 1575), considerado o único retrato fidedigno, pois pintado em vida do poeta.

Coda: quanto ao apelido Camões, ele entra no nosso léxico, no século XIV, com Vasco Pires de Camões, um nobre galego que se refugiou em Portugal. Foi, provavelmente, o bisavô de Luís Vaz de Camões.
A etimologia do apelido talvez se relacione com uma freguesia galega chamada Santa Eulália de Camós, pronunciada camones pelos populares, o que reproduz a sua grafia medieval ducentista. Também não se pode ignorar-se o nome hispânico calamón, do qual deriva o catalão galmon e o nosso camão: todos nomes para o galeirão comum, ave aquática, aparentada com a abetarda, que habita junto aos rios. Ainda no século XVIII se dizia camão em vez de galeirão; não obstante a palavra galeirão existir desde o século XIII, sem dúvida com outro significado.
Resta esclarecer que camões ainda ganhou o significado de zarolho, por culpa do acidente que feriu um dos olhos do poeta: acidente que consistiu no disparo aziago de um estilhaço de uma peça de artilharia - quase de certeza, um pequeno canhão, embora se especule quanto às circunstâncias do acidente: se no Norte de África ou em Lisboa.
O dia 10 de Junho ainda foi durante muito tempo chamado de Dia de São Camões.