terça-feira, 2 de julho de 2019

Banda desenhada ou romance gráfico?

 
Perguntaram-me qual era a designação correcta: banda desenhada ou romance gráfico? É fácil responder.

Criada por Vasco Granja no artigo "O Mundo Maravilhoso da Banda Desenhada" (Diário Popular, 19 de Novembro de 1966), a denominação banda desenhada é um galicismo de bande dessiné — adaptação francesa popularizada no segundo quartel do século passado, em directa importação da expressão americana comic strip. Ora, strip, bande e banda significam a mesma coisa: uma faixa ou uma tira de tecido, papel ou outro material; em virtude do formato estreito e horizontal com que eram publicadas nos jornais as histórias desenhadas, Paul Winkler, da Opera Mundi, apelidou-as nos anos trinta de comic strips (tiras cómicas).

A designação romance gráfico (ou novela gráfica) tem sido utilizada por autores e leitores que aspiram a uma aproximação literária às histórias em imagens que a expressão banda desenhada parece obstaculizar; independentemente de a linguagem da banda desenhada, seja qual for o nome pelo qual é chamada, ser sempre uma linguagem literária. Assim, graphic novel, roman graphique e romance gráfico são cognatos de uma concepção que continua a não ser bem recebida entre cultores e coleccionadores mais tradicionalistas, mas não existe nenhuma razão para ela não ser aceite, pois, com efeito, foi inventada pelo próprio criador da banda desenhada moderna: o polímate suíço Rodolphe Töpffer, que no segundo quartel de Oitocentos chamou littérature en estampes às suas histórias desenhadas (que auto-publicava no, hoje chamado, formato italiano; ou seja, na horizontal — em jeito de tira ou banda). Rapidamente, denominações como literatura gráfica, romance gráfico e aventura gráfica, por exemplo, foram popularizadas por toda a Europa na passagem para o século XX nos títulos e subtítulos de múltiplas auto-publicações, revistas, álbuns e livros de histórias desenhadas.

Agrilhoada que está a memória contemporânea à doença do presentismo, a malquista questão prende-se hoje com a generalização da expressão romance gráfico no mercado americano, sob a qual se quis e quer comercializar com mais prestígio histórias de maior fôlego artístico e narrativo que não se filiam no grupo dos chamados comics seriados. Em suma, os romances gráficos americanos (graphic novels ou picture novels) são o equivalente dos álbuns europeus: histórias de maior dimensão, em regra auto-contidas, e que na maioria das vezes são escritas e desenhadas com elevado grau de sofisticação. O que não impede as editoras de arrebanharem comics publicados originalmente em série, os reimprimirem sem as conspícuas e exasperantes páginas interiores de publicidade e os venderem em novas edições luxuosas, rebaptizadas de hardcovers ou trade paperbacks — em suma, classificações do mercado do livro que remetem de imediato para a ideia de que se está diante de um romance gráfico (e por vezes até assim chamados nas capas).

Não será incorrecto apontar no final dos anos sessenta a origem da popularização americana da designação graphic novel, com a publicação da revista Graphic Story Magazine, cujo primeiro número foi publicado em 1967. Parece que a consolidação da expressão nesse mercado coincide com a popularidade da revista — baratíssima — e com material de diversos autores que, mais tarde, iriam munir-se da expressão graphic novel'para caracterizar os seus trabalhos — é o caso de George Metzger, cujo livro Beyond Time and Again (1976) foi o primeiro álbum americano a ser comercializado (com uma edição de grande qualidade) sob a designação de «o primeiro romance gráfico americano».
O seu editor, Richard Kyle, curiosamente, já lá chegara, inclusive, num artigo de 1964, intitulado "The Future of Comics", publicado em Richard Kyle's Wonderworld 2, onde propõe tanto graphic story como graphic novel.

Em suma, a resposta à pergunta inicial é: ambas. À sensibilidade de alguns autores ou leitores é provável que banda desenhada ressoe com um timbre mais popular e que romance gráfico assome com uma envergadura mais convincente. Em antiguidade, esta até precede a outra, por isso é uma questão de gosto. Como escrevi acima, a banda desenhada é uma linguagem (não um estilo ou um género — há anos que o venho a escrever e a defender) literária que pertence ao espectro das linguagens narrativas.