terça-feira, 21 de outubro de 2008

Banda Desenhada alternativa


As bandas desenhadas de Marcos Farrajota fascinam-me. Suspeito que a arte dele afaste alguns leitores, amantes de um traço mais perfeito (seja lá isso o que for…), mas eles é que ficam a perder: a perder histórias recortadas por um humor brut, mas inteligente. Na verdade, o registo autobiográfico das bandas desenhadas que se podem ler em Noitadas, Deprês e Bubas, resgatadas de fanzines e reeditadas em boa hora, tem uma lucidez desarmante.

Vocês sabem o que eu penso das histórias autobiográficas (e o Marcos, também...), logo a minha aprovação deste florilégio de deambulações nocturnas, episódios boémios e personagens bizarras pode surgir como uma surpresa, mas, de facto, não há motivo nenhum para se surpreenderem: é que as histórias, autobiográficas que sejam, são mesmo boas. E honestas! No meu glossário, a honestidade intelectual conta muito.

A personagem Marcos Farrajota observa o mundo à distância, mas não com cinismo; prefere ver a participar, é certo, pelo menos no que diz respeito a comprometer-se com cretinos, mas não tem medo de sujar as mãos quando o prémio vale a pena. E se, às vezes, acaba por ser desiludido, fala sobre isso com uma candura que não seria de esperar em apontamentos desta natureza. Mais: quando fala, fá-lo com piada. As histórias de Noitadas, Deprês e Bubas são divertidíssimas.

Não fazia ideia que o dilema entre comer ou não comer meia-dúzia de migalhas de pão poderia ser tão dilacerante, nem estava à espera de encontrar uma exposição tão transparente sobre um acto solitário (ainda bem...) de onanismo... Isto, meus amigos, não é a BD autobiográfica comum que aborrece e desanima: é na minha opinião, pura “BD Gonzo”, híbrida entre o egocentrismo de Hunter S. Thompson e a semi-psicopatia de Larry David.

Felizmente, é, também, um documento importante para se compreender o modo como a BD alternativa portuguesa deve bastante ao trabalho de Farrajota, tanto no que diz respeito à sua divulgação, como à inspiração. Eu bem sei que o Marcos gosta de apresentar as bandas desenhadas dele como peças brutas, mas no que diz respeito ao saber-fazer, elas pouco têm de “bruto”: estão muitíssimo bem elaboradas. Ele sabe, mesmo, contar uma história e isso é que faz uma boa BD.

Bem-vindos ao mundo da personagem Marcos Farrajota. Vale bem a pena conhecê-la.