
Fico surpreendido ao ler que Dawkins, criador do (correctíssimo) conceito da Meme (no final do livro The Selfish Gene), parece, aos sessenta e sete anos de idade, não compreender que está a ser, ele próprio, influenciado pela meme do racionalismo radical.
As ciências apresentam-nos as únicas ferramentas válidas para entender o mundo, mas nós somos animais imaginativos e o alimento da imaginação é a fantasia.
Enquanto ateu (não acredito na alma, na vida após a morte, em sincronicidades, na homeopatia e no poder laxante dos cristais) não encontro nenhuma fricção em, ao mesmo tempo, validar o conhecimento científico e alimentar a imaginação com o fantástico; não fosse escritor de ficção fantástica, os meus hábitos de leitura continuariam a ser os mesmos. Penso que um dos problemas das religiões é mesmo esse: querer fazer-nos acreditar que os mitos servem para explicar o mundo.
O Mito e a Fantasia são linguagens que falam com a Imaginação: com o nosso pensamento onírico e contemplativo. Precisamos delas para nos fazer sonhar, assim como precisamos da Ciência para nos mostrar como o mundo funciona.
Dirijo o meu discurso à necessidade de transcendência que nós temos.
Essa necessidade é, em última análise, um produto da biologia (não poderia ser outra coisa...) e não deve ser ignorada. Na minha opinião, esse dimanar da Razão é, com mais eficácia, alcançado pela Arte, pela Fantasia, que pela Ciência. É um sentimento que se prende com um certo atavismo, talvez, desde os tempos em que começámos a imaginar deuses por todo o lado. Penso que essa noção quase metafísica não passa, de todo, pela busca pelo conhecimento, mas pela eterna tentativa de transgredir os limites da carne. E como não passa pelo conhecimento, per se, não vejo nenhuma contradição em que ela coexista com a ciência. Não competem.
Somos criaturas que vivem em duas dimensões: uma objectiva e uma subjectiva. Precisamos de linguagens que comuniquem com as duas. Precisamos de ciência e de fantasia, portanto. Se não formos capazes de as integrar, cada qual na sua especificidade, correremos sempre o risco de nos deixar levar pelo disparate e fazer figuras deste género: