Fui ver a adaptação cinematográfica do álbum de banda desenhada Watchmen, escrito por Alan Moore e desenhado por Dave Gibbons, que estreou na passada quinta-feira, e gostei. Vou esperar que a versão de três horas e meia saia em DVD para rever o filme, com as inclusões dos desenhos animados Tales of the Black Freighter (a história de pirataria que, no livro, é contada em paralelo à narrativa principal) e da morte de Hollis Mason (o primeiro Nite Owl). Porém, considero que esta versão comercial de Watchmen, o filme, consegue passar muito bem sem essas adições; não só consiste numa boa adaptação como acaba por ser um filme sintonizado de modo perfeito com o espírito deste tempo.
Não me tentem impingir as tretas do costume: eu conheço o álbum de banda desenhada Watchmen de trás para a frente e já o li e reli dezenas de vezes (até comecei a traduzi-lo para português para a editora Devir quando ela manifestou interesse em o publicar, há uns anos, na altura em que o mercado de edição de BD em Portugal vivia o seu último momento de vacas gordas). Por conseguinte, estou mais que à vontade para dizer que a adaptação para cinema, realizada por Zack Snyder, mesmo não sendo perfeita, é excelente.
Não me interpretem mal: não acho, de forma alguma, que os filmes sejam o apex dos formatos artísticos (a minha opinião anda muitíssimo longe disso, até...), mas, já que falamos de um filme - deste filme -, então que se faça justiça e diga-se, à boca cheia, que kicks ass: o casting é correctíssimo (actores a sério e não carinhas larocas), os diálogos são decalcados verbatim das páginas do livro (assim como a maioria do storyboard), o ritmo é trepidante e, melhor que tudo, o espectador não é tratado como um atrasado mental. O que é que se pode pedir mais? Que o final fosse uma réplica exacta do original? Eu, que li por acidente uma sinopse detalhadíssima num site sobre o filme, antes da estreia, entrei cheio de reservas na sala de cinema e sai convencido: o novo final funciona (ainda bem). Trata-se, sobretudo, de um update e não de uma tentativa de upgrade. Existem outras (pouquíssimas) mudanças, perfeitamente justificadas quando se pensa que, desde que o álbum de banda desenhada foi publicado até agora, já se fizeram milhares de filmes e que algumas coisas que foram inovadoras na BD já foram, infelizmente, exploradas ad nauseum da pior maneira em veículos cinemáticos. Nesse sentido, Snyder e os seus argumentistas souberam evitar repetições. Parabéns!
Desviando-me do filme, por uns momentos, o que tenho a dizer sobre alguns comentários de índole arrogante e que, associados a esta obra (e outras do mesmo calibre), se fazem ler e ouvir, um pouco por todo o lado, e procuram dar a entender que é seguro (para os detractores da linguagem da banda desenhada) gostar de Watchmen porque, à superfície, apresenta uma sofisticação incomum na área da BD, é o seguinte: essa espécie de comentários revela várias coisas, entre as quais ignorância no que à leitura de banda desenhada diz respeito. É que não só existem carradas de títulos que são capazes de competir com este álbum em maturidade de conteúdos, como aquilo que faz de Watchmen um livro tão especial é que ele consiste, desavergonhadamente, numa história de super-heróis!... É graças a esse desiderato que, habilmente, consegue transcender-se e pressionar em vários botões ao mesmo tempo. Ou seja, não é nenhum "romance gráfico" alegórico que, numa lógica quasi-dadaística, usa o lixo que é a BD para alcançar propósitos literários mais elevados (para quem está fora do círculo da BD é quase impossível compreender a carga negativa que vem associada ao conceito de "romance gráfico", mas prometo escrever sobre isto um dia destes): é um álbum de banda desenhada, ponto. Só se surpreendem os leitores que não conhecem mais banda desenhada nenhuma...
Um exemplo ainda mais perfeito dessa premissa de contenção, à priori, são os primeiros dez números que Alan Moore escreveu para a personagem Marvelman (desenhados por Gary Leach e Alan Davis): numa perspectiva de preferência pessoal, considero que possuem ideias de uma subtileza que está ausente em Watchmen (as primeiras páginas do primeiro número são de arrepiar a espinha, assim como a revelação final do plano do arqui-inimigo da personagem principal). A série Marvelman de Moore foi, posteriormente, retomada por Neil Gaiman e Mark Buckingham.
Em suma: Watchmen é o livro gigante que é porque se trata de uma história de super-heróis, pura e dura. Como todas as obras genuínas é um livro que só se preocupa consigo próprio: em nos falar de Nite Owl, de Rorschach, de Dr. Manatthan - as interpretações posteriores, boas ou más, pertencem a quem as pensam. Aqueles que elevam Watchmen aos píncaros (se calhar sem o ter lido, muitas vezes...) e desdenham, na generalidade, a linguagem da banda desenhada, não se dando sequer ao trabalho de aprender a gostar dela, são bem capazes de dizer cobras e lagartos do filme de Snyder. Diriam sempre, mesmo sem o ver. Agora... Aqueles que são fãs do álbum Watchmen, que são fãs de banda desenhada, que conhecem a obra integral de Moore e de outros autores igualmente importantes, vão gostar bastante do filme.
Não me tentem impingir as tretas do costume: eu conheço o álbum de banda desenhada Watchmen de trás para a frente e já o li e reli dezenas de vezes (até comecei a traduzi-lo para português para a editora Devir quando ela manifestou interesse em o publicar, há uns anos, na altura em que o mercado de edição de BD em Portugal vivia o seu último momento de vacas gordas). Por conseguinte, estou mais que à vontade para dizer que a adaptação para cinema, realizada por Zack Snyder, mesmo não sendo perfeita, é excelente.
Não me interpretem mal: não acho, de forma alguma, que os filmes sejam o apex dos formatos artísticos (a minha opinião anda muitíssimo longe disso, até...), mas, já que falamos de um filme - deste filme -, então que se faça justiça e diga-se, à boca cheia, que kicks ass: o casting é correctíssimo (actores a sério e não carinhas larocas), os diálogos são decalcados verbatim das páginas do livro (assim como a maioria do storyboard), o ritmo é trepidante e, melhor que tudo, o espectador não é tratado como um atrasado mental. O que é que se pode pedir mais? Que o final fosse uma réplica exacta do original? Eu, que li por acidente uma sinopse detalhadíssima num site sobre o filme, antes da estreia, entrei cheio de reservas na sala de cinema e sai convencido: o novo final funciona (ainda bem). Trata-se, sobretudo, de um update e não de uma tentativa de upgrade. Existem outras (pouquíssimas) mudanças, perfeitamente justificadas quando se pensa que, desde que o álbum de banda desenhada foi publicado até agora, já se fizeram milhares de filmes e que algumas coisas que foram inovadoras na BD já foram, infelizmente, exploradas ad nauseum da pior maneira em veículos cinemáticos. Nesse sentido, Snyder e os seus argumentistas souberam evitar repetições. Parabéns!
Desviando-me do filme, por uns momentos, o que tenho a dizer sobre alguns comentários de índole arrogante e que, associados a esta obra (e outras do mesmo calibre), se fazem ler e ouvir, um pouco por todo o lado, e procuram dar a entender que é seguro (para os detractores da linguagem da banda desenhada) gostar de Watchmen porque, à superfície, apresenta uma sofisticação incomum na área da BD, é o seguinte: essa espécie de comentários revela várias coisas, entre as quais ignorância no que à leitura de banda desenhada diz respeito. É que não só existem carradas de títulos que são capazes de competir com este álbum em maturidade de conteúdos, como aquilo que faz de Watchmen um livro tão especial é que ele consiste, desavergonhadamente, numa história de super-heróis!... É graças a esse desiderato que, habilmente, consegue transcender-se e pressionar em vários botões ao mesmo tempo. Ou seja, não é nenhum "romance gráfico" alegórico que, numa lógica quasi-dadaística, usa o lixo que é a BD para alcançar propósitos literários mais elevados (para quem está fora do círculo da BD é quase impossível compreender a carga negativa que vem associada ao conceito de "romance gráfico", mas prometo escrever sobre isto um dia destes): é um álbum de banda desenhada, ponto. Só se surpreendem os leitores que não conhecem mais banda desenhada nenhuma...
Um exemplo ainda mais perfeito dessa premissa de contenção, à priori, são os primeiros dez números que Alan Moore escreveu para a personagem Marvelman (desenhados por Gary Leach e Alan Davis): numa perspectiva de preferência pessoal, considero que possuem ideias de uma subtileza que está ausente em Watchmen (as primeiras páginas do primeiro número são de arrepiar a espinha, assim como a revelação final do plano do arqui-inimigo da personagem principal). A série Marvelman de Moore foi, posteriormente, retomada por Neil Gaiman e Mark Buckingham.
Em suma: Watchmen é o livro gigante que é porque se trata de uma história de super-heróis, pura e dura. Como todas as obras genuínas é um livro que só se preocupa consigo próprio: em nos falar de Nite Owl, de Rorschach, de Dr. Manatthan - as interpretações posteriores, boas ou más, pertencem a quem as pensam. Aqueles que elevam Watchmen aos píncaros (se calhar sem o ter lido, muitas vezes...) e desdenham, na generalidade, a linguagem da banda desenhada, não se dando sequer ao trabalho de aprender a gostar dela, são bem capazes de dizer cobras e lagartos do filme de Snyder. Diriam sempre, mesmo sem o ver. Agora... Aqueles que são fãs do álbum Watchmen, que são fãs de banda desenhada, que conhecem a obra integral de Moore e de outros autores igualmente importantes, vão gostar bastante do filme.